Alpha Noir e Omega White, os Moonspell, a banda portuguesa de maior sucesso internacional, assinala 20 anos de existência com dois álbuns, que revelam duas facetas dos precursores do Luso-Metal: um é mais pesado e revoltado, o outro mais poético. O JL falou com Fernando Ribeiro, o vocalista da banda, que nos disse que Hevy Metal é literatura. Os Moonspell atuam dia 12 no Campo Pequeno e depois partem para mais uma digressão europeia.
JL: Estes discos funcionam quase em espelho ou como dois lados da mesma moeda. Qual é o conceito?
Fernando Ribeiro: De forma espontânea, por impulso artístico, fomos compondo temas com natureza dual. Umas com uma toada mais agressiva e suja, com alguma rebeldia, com laivos de metal, rock, punk. As outras músicas em busca da beleza lírica. Misturar diferentes ambientes no mesmo disco tem resultado bem, mas desta vez resolvemos seguir outro caminho, e lançar as sementes em terras distintas. Por isso fizemos Alpha Noir e Omega White. É uma fotografia muito mais completa do nosso universo. Gozámos de uma imensa liberdade porque, desta forma, não olhámos ao tempo nem aos meios.
Continua a existir uma ligação à literatura?
A literatura e o heavy metal são indissociáveis. Em cada passo que damos enquanto banda procuramos contribuir para fortalecer esta ligação. Conheci Baudelaire através de bandas de heavy metal, Coleridge através dos Iron Maiden e sempre importei este gosto pela literatura para os Moonspell. Lembro-me de ouvir a minha professora de português a falar de Álvaro Campos e de pensar que havia de usar aquilo na minha música. No Alpha Noir houve uma aproximação da Roma Antiga, do universo dos gladiadores, do entusiasmo do sangue. Mas ao mesmo tempo há ali um desejo de revolucionar o mundo e a ordem antiga. É o álbum mais reativo que os Moonspell já tiveram. Serve de reação à chegada de uma sociedade, dominada por iupies, que põe em causa a nossa cultura com séculos de história. Esta obsessão pelo cumprimento de metas económicas, sem querer saber de tudo o resto, é algo que me choca. Desgosta-me ver o nosso pais a ser oprimido diariamente, pondo-se em causa tudo aquilo que já alcançámos enquanto povo. Alpha Noir é um álbum combativo.
E o Omega White?
Tem mais a ver com poesia, mais próxima da escrita das canções. Um dos objetivos é conseguir uma dicção mais inteligível. Até temos um tema em português. Quis escrever com profundidade poética, mas sem complicar muito a mensagem. O conteúdo lírico é muito claro, fala do abandono pela morte, dos desejos não cumpridos.
Uma das surpresas é o teledisco, da autoria do Filipe Melo, em que fazes de lobisomem.
A parte visual das canções sempre foi importante para mim. Sempre tentei que fosse bem traduzido pelos realizadores que trabalham connosco. Conheço o Filipe Melo há 10 anos, acompanho o seu percurso e pareceu-me que estava na altura de fazermos qualquer coisa juntos. Uma coisa old school com atores e personagens. Uma espécie de celebração, com uma referência à história do Capuchinho Vermelho. O Filipe criou aquele artifício, em Tondela, cheio de referências cinematográficas e literárias. O primeiro plano-sequência levou 12 horas a filmar, porque estavam 50 pessoas a interagir.