Quarenta anos depois da sua fundação, a Associação Internacional de Lusitanistas (AIL) realiza na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de 22 a 26 de julho, o seu XIV congresso trienal, onde vai reunir mais de duas centenas de participantes.
O JL realizou um inquérito a quatro antigos presidentes da instituição, e figuras bem conhecidas: Helder Macedo (seu presidente honorário), Carlos Reis, Elias J. Torres Feijó e Roberto Vecchi (que fará a conferência inaugural). Eis as respostas.
Helder Macedo – importância internacional
Que papel e importância tem a AIL para a língua e culturas portuguesas, nomeadamente para a sua presença no mundo?
A importância da AIL está de algum modo implícita no nome, que reflete o propósito para que foi criada. É internacional, ou seja, os seus membros são universitários de países que incluem, mas em muito excedem, aqueles que têm em comum a língua portuguesa.
E também na palavra lusitanistas (até agora não se encontrou melhor…) para designar as culturas pluricontinentais autónomas e diferenciadas abrangidas por essa língua comum. Aliás também incluindo a sua matriz galega, anterior à existência de Portugal como país autónomo.
O fundador da AIL foi um professor francês, a Associação teve como presidentes e como membros eleitos da sua direção, universitárias e universitários brasileiros, europeus e africanos de várias nacionalidades. Ou seja, não tem donos nacionais.
É uma pluralidade de universitários de múltiplas nacionalidades em vários continentes, que têm em comum os diversificados estudos das plurais culturas relacionadas entre si por serem exercidas na mesma língua e suas variantes. Esse é o seu caráter único e, consequentemente, a sua importância internacional.
Por exemplo, quando fui eleito presidente, não foi por ser português (ou por ter nascido em África…), mas enquanto professor da Universidade de Londres. E quando, nesse tempo, criámos a revista Veredas, o próprio nome aponta para o Brasil, em referência implícita a Guimarães Rosa.
E se o maior congresso da AIL até agora realizado foi no Rio de Janeiro (coordenado conjuntamente com Cleonice Berardinelli, no fim do meu segundo mandato como presidente), outros houve não menos significativos em França, Alemanha, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos da América, Galiza, Cabo Verde, Macau, Itália.
Que espera (e/ou “deseja”) deste próximo Congresso?
Temos tido, é claro, apoios institucionais que, direta ou indiretamente, contribuíram (e, espero, continuarão a contribuir) para a existência autónoma da AIL. Por exemplo, em Portugal, da Fundação Calouste Gulbenkian, do Instituto Camões, mais recentemente da Imprensa Nacional/Casa da Moeda.
Ou, no Brasil, onde a AIL tem a maioria dos associados, de instituições governamentais que subsidiam a investigação académica e portanto também, direta ou indiretamente, a ativa participação brasileira nos nossos trabalhos.
Além disso, é claro, temos podido contar com os indispensáveis apoios das universidades e, nalguns casos, das instituições locais onde os congressos se têm realizado. Mas, em abono de todos, sempre preservando a autonomia multinacional da AIL.
Tenho atualmente a posição privilegiada de ser presidente honorário da AIL (cargo que, além do mais, tive a honra de partilhar com a mestre brasileira Cleonice Berardinelli). Os meus e as minhas colegas das direções periodicamente eleitas podem consultar-me se ou quando achem que a minha experiência pode ser útil, mas o poder de decisão e de implementação é delas e deles.
Passámos uns tempos difíceis (a pandemia que obrigou ao adiamento do congresso de Roma, o desinvestimento cultural do governo Bolsonaro no Brasil … alguns problemas logísticos entretanto resolvidos). Creio, no entanto, que a AIL está em plena recuperação e salutar consolidação.
Acho que seria importante que a nova direção, a ser eleita no Porto, reforce a dimensão brasileira da Associação (porventura desenvolvendo relações académicas mais estreitas com outras instituições universitárias na América Latina?), que reforce a participação africana nos nossos trabalhos e, quem sabe, consiga persuadir a Índia a deixar-se de ressacas colonialistas.
Seria interessante que o congresso a seguir ao que já está devidamente previsto ser de novo no Brasil, acontecesse em Goa, não seria?
Carlos Reis – agregar, respeitar o diferente
Que papel e importância tem a AIL para a língua e culturas portuguesas, nomeadamente para a sua presença no mundo?
A memória que guardo do tempo em que fui presidente da AIL é a de uma entidade com potencial para ser um elemento de agregação de importantes campos de estudo e de quem neles é protagonista, no mundo da língua portuguesa.
Um mundo que, contudo, não está isento de contradições nem de assimetrias, projetando-se ambas sobre o desenvolvimento e sobre a ação da AIL. Apenas um exemplo: desde o seu início, a partir da generosa iniciativa do prof. R. A. Lawton, a AIL traz consigo um termo e um conceito (lusitanista) cuja marcação, digamos, portuguesa, pode parecer limitativa. Algo de semelhante acontece, como é bem sabido, com o termo e com o conceito de lusofonia.
As limitações de que falo relacionam-se com a vastidão multicontinental e com a inerente diversidade que hoje reconhecemos no universo da língua portuguesa e nos estudos literários, linguísticos, sociais ou genericamente culturais que nele têm lugar.
A meu ver, a resolução de tensões implícitas (e, às vezes, mais do que isso) que o lusitanismo pode motivar obriga a ações concretas que, não dramatizando aquele termo e as suas conotações, sejam capazes de agregar o que é comum e de respeitar aquilo que é diferente e que, como tal, toma o seu rumo próprio.
Algumas daquelas ações têm a ver com a composição dos órgãos de direção da AIL, com a localização e, quando calha, com a deslocalização das atividades que a associação leva a cabo.
Se bem estou lembrado do tempo da minha presidência (foi há mais de 20 anos…), estas foram preocupações que então estiveram presentes nos órgãos de governo da AIL. E que, certamente, continuam a estar.
Que espera (e/ou “deseja”) deste próximo Congresso?
Por várias razões, não tenho acompanhado, nos últimos anos, as atividades nem os projetos da AIL. Sendo assim, apenas posso esperar e desejar que algumas das dificuldades que enunciei possam ser resolvidas no próximo congresso, sem lesão da missão que estatutariamente cabe à AIL.
Elias J. Torres Feijó – um lugar de entendimento
Que papel e importância tem a AIL para a língua e culturas portuguesas, nomeadamente para a sua presença no mundo?
Papel e importância relevantes. Congressos com a participação de pessoas de diversos países e universidades, com assuntos diversos dos âmbitos das ciências humanas e sociais.
Um histórico e uma cartografia, sempre imperfeita, claro, da realidade dos nossos estudos no mundo, um foro de conhecimento e análise dos interesses permanentes e dos emergentes dos estudos das comunidades de língua portuguesa.
Permita-me, como exemplo disso, lembrar com saudade as mais de 300 comunicações apresentadas no congresso de Santiago de Compostela, no ano 2005 (que coorganizei, juntamente com o prof. José Luís Rodríguez e a profª Carmen Villarino, durante a presidência da profª Regina Zilberman) como um momento académico e cultural vivido intensamente e um marco para a presença da Galiza no quadro da AIL.
Que espera (e/ou “deseja”) deste próximo Congresso?
A expressão mais evidente dessa relevância é a “plataforma9”, que criámos e impulsionámos juntamente com a Fundação Calouste Gulbenkian e que é o contributo pessoal e o legado coletivo de que me sinto mais satisfeito como ex-presidente da Associação, juntamente com o seu modelo organizacional, que hoje vigora.
Tenha-se presente que é uma plataforma única no mundo, e basta verificar que é usada maciçamente e de todos os cantos. Foi pensada como um espaço integrador, informativo e que corrigisse as desigualdades de acesso à informação e às oportunidades.
Ela inseriu-se no objetivo dos meus dois mandatos (2008-2014) de estender a AIL a novas realidades, o que se espelhou nos congressos de Cabo Verde e Macau como princípio de alargamento às esferas africana e asiática, decididos nas assembleias trienais prévias, como também abrir a AIL a novas temáticas e focagens.
E a novas fórmulas e participações, como os Colóquios de Budapeste. Sem esquecermos a importante revista Veredas como farol permanente de ideias.
Podemos perspetivar a AIL, através dos seus encontros e publicações, como esse grande lugar de entendimento que deve ser permanentemente alimentado. Pelo que pude ver, as 200 comunicações que nutrem o 14º congresso da AIL na universidade irmã do Porto apresentam um leque bem interessante, naquela cartografia de que falava.
A AIL é feita de e por pessoas. Ao lado do fundamental encontro e intercâmbio académicos, que são a sua razão de ser, os congressos da AIL devem ter uma índole celebratória.
Espero que seja uma ágora de inovação e memória, nestes 40 anos de vida, e um momento para recobrar impulso inovador e inclusivo. Servir a AIL é honra e responsabilidade que transcendem individualidades para converter-se num bem comum que reclama altas ambições.
Desde Compostela, desejo um ambiente comemorativo e reflexivo e o maior dos êxitos a todas as pessoas participantes, às comissões organizadora e científica e à direção da AIL.
Roberto Vecchi – valorização das diversidades
Que papel e importância tem a AIL para a língua e culturas portuguesas, nomeadamente para a sua presença no mundo?
A AIL é, na minha perspetiva, uma plataforma única no universo global da língua portuguesa. Nas áreas dos estudos de língua portuguesa, nos diferentes contextos universitários e de investigação, vive-se de norma a fragmentação e o isolamento.
É o efeito de uma dispersão vasta que se tenta compor através de redes. Penso, por exemplo, nas redes e nas iniciativas do Camões que, através das cátedras e dos centro, cria circuitos para veicular temas, projetos, iniciativas.
A AIL, que completa os 40 anos de vida desde a sua fundação em França, também se organizou oportunamente para compor o mosaico bastante diversificado de âmbitos e especialidades que de outro modo teriam dificuldades em se cruzar.
Durante a minha presidência, de 2014 a 2021, junto com o secretário-geral Vincenzo Russo, tentamos promover este aspeto fundamental da abertura e de relação, num quadro de valorização de todas as diversidades, das tantas partes sem um todo.
Um projeto em que nos empenhamos e que o atual presidente, Carlos Ascenso André, muito batalhou para manter e consolidar, é a Plataforma9 que expressa concretamente a exigência de espaços de convergência e de partilha entre os diferentes atores desta comunidade necessariamente frágil e disseminada.
Um projeto que a Fundação Calouste Gulbenkian antes e a Imprensa Nacional-Casa da Moeda agora resolveram apoiar para proporcionar o acesso a todos o amplo leque de propostas de inovação e reflexão, nos mundos de língua portuguesa: realmente um espaço global.
A ideia que amadureci, em particular nos Congressos em Mindelo e em Macau, é de uma considerável força de descentralização das e dos lusitanistas: apesar da aparência eurocêntrica – a partir do seu nome histórico – na verdade a AIL é uma comunidade ramificada mais pelo seu fora do que pelo seu dentro.
E no quadro desta linha de abertura para a diversidade e ao mesmo tempo da capacidade de uma inclusão incondicionada encontra a sua paradoxal força, a sua maravilhosa e permanente incompletude.
Que espera (e/ou “deseja”) deste próximo Congresso?
Tenho uma espera e uma esperança. O 14º Congresso, do Porto, é o primeiro presencial, depois da pandemia que nos obrigou a realizar o 13º Congresso, de Roma, com um atraso de um ano e on-line.
Esta retomada presencial é fundamental porque a nossa comunidade tem que ter ocasiões de encontro, de debate, de convívio. É um exercício devido mas não óbvio, com todas as limitações de uma longa espera e que em breve se realizará concretamente.
A esperança é que abertura da AIL continue e se fortaleça. A Associação encontra a sua força na sua extensão e dispersão e na capacidade de conseguir conjugar mundos tão divergentes.
Depois do isolamento, a esperança é recuperar elos perdidos e dar à AIL um futuro que se conecta com a sua longa tradição: encontrar o equilíbrio entre uma continuidade e uma renovação constante. O motor invisível do sucesso da proposta da AIL e da sua longa história.