“Podemos finalmente afirmar que o grande destaque desta edição do MotelX é o cinema de terror português”. A afirmação de João Monteiro, um dos diretores do festival lisboeta, que decorre no decorre de 6 a 12 de setembro (com warm-up a partir de 2). E revela 16 anos de luta contra preconceitos. Preconceitos contra o género, visto como cinema de puro entretenimento, mas também o preconceito contra o fechamento do género, por todos os ‘puristas’ que só entendem o terror strictus sensus, do “sangue e tripas” como João Monteiro gosta de chamar.
Porque demorou tanto a descobrir ou consolidar um cinema de terror português? A resposta mais simples seria simplesmente afirmar: porque há um cinema de terror português. E não há mesmo, no passado, o culto do género dentro dos nossos cineastas. Todavia, ao longo da história são muitos os títulos que, com mais ou menos boa vontade, se encaixam no género.
Esses filmes têm vindo a ser programados na secção Quarto Perdido. E dessa secção que saem também os títulos abordados no livro Quarto Perdido, uma primeira tentativa de fazer uma história do cinema de terror português.
Mas será que O Convento, de Manoel Oliveira, pode ser considerado um filme de terror? A questão pode ser colocada desta forma, até que ponto elementos sobrenaturais, num filme que não provoca sustos, nem aquele efeito de montanha-russa, legitimam a sua inserção nos catálogos de género. O MotelX não hesita em programar o Oliveira. E junta-o a dois outros filmes produzidos por Paulo Branco – O Fascínio, de José Fonseca e Costa, e Coisa Ruim, de Tiago Guedes e Frederico Serra. Com esse pretexto fazem uma sessão de homenagem ao produtor, figura incontronável da história do cinema em Portugal, qualquer que seja o género.
Remexendo no baú da memória, destaca-se ainda a colaboração com o ANIM da Cinemateca. O programa FiILMar tem andado a recuperar pequenas pérolas da história do nosso cinema e aquelas que se enquadram no festival são ali exibidas. É o caso de Os Crimes de Diogo Alves, de 1911, realizado por João Tavares, uma curta que conta a história do famoso assassino do aqueduto das Águas Livres. Uma sessão em pareceria com o Teatro São Luiz, a Casa Bernardo Sassetti e a Escola Superior de Música de Lisboa, inserida na efeméride dos 10 anos do falecimento do pianista, que compôs a partitura original que acompanhará esta sessão
E também O Fauno das Montanhas, de Manuel Luís Vieira, um cine-concerto inserido no Warm-Up, com música ao vivo pela Orquestra Metropolitana de Lisboa.
No capítulo do cinema português contemporâneo há duas grandes antestreias em destaque. A começar por Os Demónios do Meu Avô, de Nuno Beato. Trata-se da primeira longa metragem de animação stop motion feita em Portugal. Também é um dos raríssimos filmes longos de animação já realizados (sendo que os dois anteriores são de péssima qualidade). Com argumento de Possidónio Cachapa, explora o contraste entre o mundo urbano (filmado em 3D) e o mundo rural (em stop motion), com uma estética que resgata o artesanato de barro e a figura do diabo na tradição portuguesa. Tem de facto elementos claro de cinema de género, apesar de ser uma animação, trabalhando em volta da mitologia rural portuguesa, um pouco como fez Coisa Ruim, de Frederico Serra e Tiago Guedes.
E a propósito de Coisa Ruim, Frederico Serra, que deixou de trabalhar com Tiago Guedes para se dedicar de corpo inteiro à produção, está de volta à realização, com Criança Lobo. O filme, que também será uma série televisiva, estreia-se no MotelX.
Como sempre, o MotelX também conta com uma competição nacional de Curtas Metragens. Algo que tem vinda a crescer e que neste momento atingiu maturidade e estabilidade. Olhando para os filmes em competição, é notória a qualidade média das obras, com filmes em que há investimento artístico, inclusive a nível do elenco.
Na competição internacional também são muitos os destaques. O festival continua a apostar numa programação abrangente, mantendo uma linha de terror mais purista, para manter agradado o público que construiu, mas alargando a programação a filmes que ultrapassam as questões do género. A ante-estreia de Dark Glasses, o último giallo de Dario Argento, é um dos grandes destaques. Também Final Cut, de Michel Hazanavicius, remake francês do nipónico One Cut of the Dead, filme de zombies que esteve na abertura do festival de Cannes.
O MotelX apresenta ainda A Praga, uma obra ‘perdida’ de Zé do Caixão, figura mítica do cinema de género brasileiro. E também Nosferatu, clássico dos clássicos do cinema de género, de Murnau, numa cine-performance no Convento São Pedro de Alcântara, que se concilia com What We Do in the Shadows, mockumentary de culto do neozelandês Jemaine Clement, com referências a Murnau, numa sessão ao ar livre no Largo Trindade Coelho.
Destaca-se ainda Holy Spider, o regresso ao festival do iraniano Ali Abassi, realizador de Border e Shelley. Hubt, do sul-coreano Lee Jung-jae, que aborda de forma original a tensão entre as duas coreias. Hussera, Michelle Garza Cervera, a exploração do imaginário sobrenatural mexicano. Ou ainda a animação espanhola Unicorn Wars, de Alberto Vásquez, em que um exército de ursos de peluche ultra-religiosos doutrina jovens recrutas para travar uma guerra contra unicórnios
Os que procuram emoções fortes continuam a poder contar com a secção X, a partir da meia-noite, com filmes para pôr os cabelos em pé. E os mais novos (sim também há terror para crianças!) continuam a poder contar com Lobo Mau, secção que, mais do que filmes, conta com iniciativas paralelas, como workshops e até um Peddy Paper.