O realizador conquistou um espaço no panorama dos autores americanos contemporâneos devido, em especial, à condição intelectual (um toque europeu, com origem, provavelmente, nas suas raízes familiares: pai sérvio, pintor e pianista, e mãe nascida no seio de uma rica e culta família judaica vienense) que o distingue, já que, mais do que qualquer outro realizador da sua geração, nunca se inclina para uma representação direta de uma dada realidade mas para fazer uma reprodução crítica dos traços estilísticos e das convenções narrativas do cinema dito “clássico”, gerando um discurso sobre a natureza da linguagem fílmica, sobre o passado e o presente do meio, bem como sobre a complexa teia de relações que estabelece com o real.
Passemos à cronologia dos factos (ou aos factos em sequência cronológica):
PB licencia-se com uma tese sobre As Vinhas da Ira, adaptação de Ford, um dos seus mestres, do romance homónimo de Steinbeck, alternando a partir daí trabalhos como crítico/historiador de cinema (considerou, num dado momento, O Homem Que Matou Liberty Valance como o melhor filme de todos os tempos), programador, realizador e ator no teatro independente. No início dos anos 60 escreve para a Esquire e colabora com o MoMA organizando monografias sobre alguns dos seus cineastas preferidos: The Cinema of Orson Welles (1961), The Cinema of Howard Hawks (1962) e The Cinema of Alfred Hitchcock (1963). Mais tarde há de escrever notáveis livros sobre Ford (John Ford, 1967, com edição aumentada em 1978), Lang (Fritz Lang in America, 1971) e Allan Dwan (Allan Dwan: The Last Pioneer, 1970). Em 1997 apresenta, com a chancela de Alfred A. Knopf, uma magnífica coletânea de entrevistas com realizadores (R. Aldrich, G. Cukor, A. Dwan, H. Hawks, A. Hitchcock, Chuck Jones, F. Lang, J. H. Lewis, S. Lumet, Leo McCarey, O. Preminger, D. Siegel, J. von Sternberg, F. Tashlin, E. G. Ulmer e Raoul Walsh) significativamente intitulada Who the Devil Made It, antecedido em 1973 por Pieces of Time (Nacos de Tempo), recolha de ensaios publicados na Esquire.
A paixão pelo cinema clássico americano e a exigência de lhe perscrutar os segredos através da obra dos seus cultores mais ilustres, identificáveis já em tudo o que faz nos anos 60, tornar-se-ão posteriormente a força motriz da sua muito pessoal ideia de cinema. A primeira abordagem de PB à prática cinematográfica remonta ao encontro com Roger Corman, para quem é operador, assistente de realização e guionista. É este realizador/produtor que lhe financia o primeiro filme, Targets (1968), interpretado por Boris Karloff, experiência seminal porque já lá estão contidas praticamente todas as temáticas e características técnico-formais dos seus filmes sequentes.
Depois de ter rodado um documentário sobre John Ford, Directed by John Ford (1971), realiza aquele que é por certo o seu melhor filme, A Última Sessão (1971), com um excelente elenco em que se destacam C. Shepherd, T. Bottoms e J. Bridges: obra intensamente poética, que é por muitos considerada a manifestação mais competente do cinema ”saudosista” dos anos 70, A Última Sessão é uma fascinante reflexão nostálgica sobre o cinema americano da década de 50. Por meio de uma minuciosa e arguta reconstrução “cenográfica” e da reprodução dos módulos e técnicas de realização e de fotografia dessa época, o filme recupera, com um olhar ternamente desencantado, uma terra da província americana, identificando as primícias da crise que determinaria o fim de uma certa concepção de cinema.
Um ano mais tarde, PB muda completamente de registo e filma What’s Up Doc?, uma comédia do tipo slapstick, clara homenagem a As Duas Feras (1938), de H. Hawks, que se afirma sobretudo pelo jogo de citações e piscadelas de olho aos grandes mestres dessa arte (Keaton, Sennett) que estão entre os maiores prazeres dos cinéfilos. A exploração dos códigos de género prossegue com Lua de Papel (1973), em que o realizador alcança a plena maturidade em termos de expressão e conteúdo, para usar a terminologia hjelmsleviana: a América da Depressão, a reconstituição da imagem convencional da infância no cinema dos anos 30 e o estilo do Ford de As Vinhas da Ira (1940) e A Paixão dos Fortes (1946) são os elementos principais desta obra que muito deve ao trabalho de Laszlo Kovacs, diretor de fotografia.
O filme, que é produzido por uma empresa criada por PB, W. Friedkin e F. F. Coppola, bem como o que lhe sucede, Daisy Miller (1974), não obtém o apreço quer do público quer da crítica. A mesma sorte tem em 1975 At Long Last Love (de novo com C. Shepherd), retorno divertido ao musical dos anos 30 que a crítica injustamente desvalorizou. Em 1976, o cineasta regressa à comédia com Nickelodeon (interpretado, como Lua de Papel, por Tatum e Ryan O’Neal), para regressar, com irónica elegância, ao ambiente dos pioneiros do cinema americano: o realizador tende aqui para uma mais distendida adesão aos ritmos narrativos “normais” e menos para a distância crítica e o gosto pelo decalque e a citação que caracterizam quase toda a sua produção e são, sem dúvida, a sua marca de água mais saliente e distintiva.
Noites de Singapura (1979) e Romance em Nova Iorque (1981) impõem-se sobretudo pela personagem desencantada de Ben Gazzara, protagonista dos dois filmes. O primeiro recupera os códigos do filme de gangsters e o segundo é uma deliciosa “comédia sofisticada”, com tonalidades policiais na qual o realizador declina a sua admiração por Lubitsch, narrando, com vivacidade, jogos de amor em Nova Iorque. Após quatro anos de silêncio, PB realiza Máscara (1985) inspirando-se na experiência real de uma mulher com um filho afetado por uma estranha e rara doença, sendo ainda autor de Texasville (1990), espécie de sequela de A Última Sessão, Noises Off (1992), uma comédia interessante, e The Thing Called Love (1993), comédia musical bastante inócua: se bem que as duas primeiras obras tenham virtualidades, não chegam às alturas de A Última Sessão, Lua de Papel e Noites de Singapura, que permanecem como o seu melhor.
Em 1999, PB visitou Cascais para participar como convidado de honra na Bienal da Utopia, tendo feito uma conferência no Teatro Gil Vicente. Chegado a Portugal depois de uma viagem a Itália, foi com grande satisfação que percebeu que as notáveis imitações que fazia de grandes atores e realizadores americanos eram recebidas com a compreensão e os aplausos dos muitos espectadores, que as identificavam com toda a facilidade: em Itália, onde se pratica a dobragem, não tinha obtido qualquer reação, o que o deixara bastante abatido, uma vez que essas imitações eram de facto simultaneamente perfeitas e carregadas de amena ironia.
Por outro lado, o Presidente Jorge Sampaio, através da intercessão de José Manuel dos Santos, seu conselheiro cultural, e devido à grande admiração que sentia pela obra de Peter Bogdanovich, particularmente A Última Sessão, resolveu atribuir ao realizador a comenda de Santiago de Espada, honra que muito o sensibilizou e da qual deu conta em inúmeras entrevistas: não esperava, como é natural, que um presidente de uma pequena república europeia soubesse quem ele era, tivesse visto os seus filmes e lhe atribuísse qualquer mérito especial. É o que se ganha em ter um Presidente da República culto, cinéfilo e bem assessorado.
Como assinalou John Ford: “No cinema, a maior parte das coisas boas acontece por acaso.”