Três Pastorinhos

A nudez pega-se

À boleia do grande fotógrafo Elliott Erwitt, imagens que contam a sua própria história ou outra história qualquer. Comecemos por um exibicionista no museu, porque um exibicionista ao espelho passa a ser um voyeur, e isso não queremos.

Três Pastorinhos

Capitalismo, a luxúria canibal

Uma parábola sobre o holocausto canibal que atingiu a Europa. Ou então, uma história para contar às crianças, se as quiser manter acordadas e com a luz acesa.

Três Pastorinhos

O homem que engolia tralha

Começou por cabides e esferográficas e acabou por engolir toda a administração daquela empresa de têxteis onde trabalhava.

Três Pastorinhos

Patê militar

Nunca confiem num mestre sauciére com ideias bombásticas sobre  alta culinária, nem num general de bigodes marciais e condecorações a granel.

Três Pastorinhos

Os segredos do lenço de assoar

A Kleenex vende anualmente cerca de um zilhão de lenços de assoar em 134 países, à excepção da Coreia do Norte e de outros países do dito eixo do mal, que como se sabe são tramados de assoar

Três Pastorinhos

O poeta

 O poeta estava farto de ler ser lido. O poeta estava farto de ser criticado. O poeta já não queria ser lido. O poeta queria ser amado. Os que gostavam do poeta diziam que ele era a própria poesia.Os que criticavam o poeta diziam que os seus poemas estavam cheios de literatura, mas vazios de vida. O poeta já não sabia o que fazer. O poeta já não sabia o que escrever. O poeta abriu a janela e gritou: puta que pariu a poesia, que quer versos e eu só tenho palavrões. O poeta vive no campo e ninguém o pode ouvir. Querem saber como isto termina? O poeta fechou a janela, acendeu a lareira e escreveu mais um livro de merda. Vendeu muito bem, para que conste.    

Três Pastorinhos

O futuro do jornalismo são os obituários

Inventar obituários de pessoas mais ou menos conhecidas é uma das salvações do jornalismo, defende o site americano "the joy of dead", ligado a uma igreja transcendentalista com ligações ao governo angolano

Três Pastorinhos

O diabo e as patinadoras artisticas da Hungria

Quando se dá guarida ao diabo, podemos pelo menos pecar descansadamente na pacatez do lar e ter sonhos libidinosos com patinadoras artisticas de Budapeste

Três Pastorinhos

Poeta de bosta na bota

Bucólicas histórias dos verdes prados do pastoreio, onde só boas ovelhas negras encontram a poesia das pequenas coisas

Três Pastorinhos

O jardim

Se a tua cabeça não parar de andar à roda, a rua deixa de ser um lugar seguro, eis um tradicional provérbio romeno criado agora mesmo. O jardim é o sítio onde as pessoas se encontram, o coração da rua. Nicolai olhava para todos os lados, à sua procura. Estava vazio o jardim, e dela nem sinal. Combinaram às cinco, já passava das seis, era certo que não chegaria. Um jardim abandonado. Porque teria ela combinado ali? Porque o enganara? Porque não parava a sua cabeça de andar à roda? Três perguntas. Há uma teoria universal, também ela criada agora mesmo, que diz o seguinte: em caso de dúvida fazemos sempre três perguntas. É uma forma de espantar o medo. Cansado de esperar, Nicolai abriu a braguilha, fez uma roda com o seu mijo e a rua nem se mexeu. As ruas absorvem tudo mas não têm sentimentos. E as mulheres são estranhas, pensou. Depois viu como o jardim era bonito e concluiu que valera a pena, mesmo tendo o coração partido. O coração é o jardim do corpo. O sítio que põe a cabeça das pessoas a andar à roda. 

Três Pastorinhos

Amor renal

No bairro, todos diziam que eram os dois doentes de amor. Talvez fosse verdade, porque um dia, como prova dos seus sentimentos, ele quis salvá-la oferecendo-lhe um dos seus rins. Mas ela só se salvou, mais tarde, levando-lhe também o coração.   

Três Pastorinhos

Vamos cuspir na sopa dos corruptos!

O empregado levou-o à mesa habitual. Aquela com vista panorâmica sobre a cidade e o rio. Ajeitou a gravata e sentou-se na cadeira, ignorando ostensivamente os jornais, onde ele era, mais uma vez, a manchete. Ser notícia nunca é bom quando se está no poder. E ser manchete é pior ainda. Olhou em volta enquanto colocava o guardanapo no colo e centrou-se no empregado. Hoje parecia-lhe particularmente suspeito. Desde há uns tempos a esta parte, todos os empregados de restaurante lhe pareciam suspeitos. Suprema ironia face ao que escancaravam os jornais, elegendo-o a ele como suspeito de um composto menu de fraudes de lesa pátria.  Mas neste, neste... havia algo no seu olhar que o inquietava sobremaneira. Recordava-se disto enquanto manuseava, sem grande vontade a ementa:  Como começou tudo isto? Começou com uma frase escrita na casa de banho de um dos mais conceituados restaurantes da cidade. "Vamos cuspir na sopa dos corruptos!"... Primeiro, não ligou. Mas a frequência com que ia encontrando reptos semelhantes começou a irritá-lo. "Vamos cuspir nas mousses de chocolate dos corruptos". E muitas outras, ora escritas a caneta na porta do cubículo, ora em post-its junto à retrete. Até que um dia reparou que já havia quem utilizasse um carimbo para espalhar a mensagem pelos WC da cidade. Egocêntrico por natureza e corrupto por profissão, logo assumiu que os reptos a si diziam respeito. A partir daí, não havia refeição em que ele não se confrontasse com tais ameaças. Problema agravado por ser ele gente de comida abastada, sendo certo que quem muito come, muito caga.  Procurou evitar as casa de banho, mas umas vezes sucumbia à  pura curiosidade e outras ao intestino grosso. Acabava sempre por lá ir. Ainda saltou a sopinha de alho francês, o rosbife e até o doce conventual, mas aquilo doía-lhe deveras! Em conversa com outros colegas de actividade e de governo, pois então, temeu que aquilo se transformasse num movimento. Havia até um ministro das Finanças que lhe dizia, lamurioso, que as ameaças de cuspidelas eram personalizadas. Temperadas ao detalhe.  -  "Vamos cuspir no arroz de pato dos corruptos?"... No arroz de pato? Como sabem aqueles cabrões do arroz de pato?! Aquilo é cabroagem que sabe o quanto eu me pelo por um arrozinho de pato no forno, à antiga! Havia pois que ripostar, à antiga!  - Vamos assar esses filhos da puta no forno! - grunhia o titular das Finanças. E foi o que ele procurou fazer. Convocou então uma conferência de imprensa, na qual ameaçou de prisão, por injúrias, danificação do espaço público e ameaças à integridade física do estômago, todos quantos escreviam estas sérias ameaças à comida, precisamente no local onde é suposto aos homens de bem ir aliviá-la, no conforto da privacidade.  Mas o tiro saiu-lhe pela culatra. Ou, se quisermos utilizar uma analogia muito a propósito, saiu-lhe a merda por onde devia entrar. A conferência mais não fez do que espalhar a mensagem. Publicidade gratuita. E aquilo que não passava de uma cuspidela ocasional, transformava-se, finalmente, num movimento nacional.  Certo dia, o ministro foi a Madrid, especialmente para comer uma paellazita. Aí estaria a salvo da saliva revolucionária. Qual quê?! Mesmo usando dinheiros públicos, deu por cara a viagem quando baixou as calças nos privados. Lá estava, agora em castelhano... "!Vamos escupir en la paella de los corruptos"... O que fora um movimento periférico era agora ibérico. E ele que tinha em agenda uma ronda de visitas pela Europa... Aquilo que começara nacional era já internacional. E a afronta já não constava apenas dos restaurantes de luxo. Comprovou-o num Mc Donalds, onde procurou, incógnito, comer um Big Mac, sem molhos, para não correr riscos desnecessários. A dada altura, quando foi fazer uma mijinha, lá viu, mesmo no topo do urinol, a frase: "Vamos cuspir nos Big Mac dos corruptos". A cuspidela ameaçadora havia chegado às multinacionais.   A cidade e o rio continuavam lá fora quando a sua mente regressou ao restaurante, mesmo a tempo de ouvir o empregado perguntar-lhe: - Boa tarde, já sabe o que vai querer, senhor ministro? Não lhe respondeu e dirigiu-se para a casa de banho, num passo tão acelerado que alguém menos atento diria que estava com medo de borrar as calças de fino corte. Mal abriu a porta, pôde ler, junto à latrina: "Os corruptos já comeram demasiado!"... Olhou para a frase e tentou acalmar-se. Fazer a digestão do problema. Seria uma questão de tempo. Toda esta merda seria uma questão de tempo. Até o estômago precisa de tempo para fazer merda! E isto não seria diferente! Puxou o autoclismo, ficou a olhar para a descarga de água purificadora e saiu do restaurante a correr.  Com a digestão do tempo, de facto, os corruptos voltaram a aparecer nos restaurantes, aqui e ali, onde os empregados os levavam aos lugares habituais, ainda que continuassem a parecer suspeitos. Normalmente sentavam-se na mesa com vista sobre a cidade e o rio. Mas quando apareciam em público ou na televisão a defender a sua honra ofendida pareciam todos muito mais magros.

Três Pastorinhos

Relvas daninhas

Como cortar relvas daninhas, plantar couves, fazer um cozido e dar de comer a muita gente. É fartar vilanagem até lamber os dedinhos no caldo do cozido à portuguesa.

Três Pastorinhos

Três economistas assados no deserto

Como Mike Fingers se inspira em "The Lost Patrol" de John Ford para mais um dos seus contos austeros. Uma parábola do disparate global

Três Pastorinhos

Da moeda única à única moeda

Os porta-moedas serão objetos obsoletos, destinados a apodrecer no museu dos pobres. As calças também vão ficar sem bolsos na próxima coleção da Maconde, aliás MacModa. O jogo da moeda acabará por falta de comparência. 

Três Pastorinhos

Au Bonheur des Dames

Como o romance de Émile Zola se podia passar numa loja da Zara, onde o protelariado é de saia curta e o capitalismo de perna longa

Três Pastorinhos

Não existas que não adianta

- Estou numa fase de não existir...- De não insistir? Fazes bem, não adianta nunca!- Não, de não existir...- De não existir? E como fazes tu isso?- Não faço. Acho que não entendeste a ideia...

Três Pastorinhos

Telefone de casa

- Joana, por favor, vê aí na agenda o número do Carlos e dá ao pai...- Mas qual agenda?...- Essa que está aí na secretária mesmo à entrada do quarto, porra!- Mas, paizinho, nós não estamos em casa, estamos no hospital.- Porra, mas tu não sabes quem é o Carlos? O Carlos andou contigo colo, menina!- O Carlos do clube, paizinho?- Sim, o Carlos do clube! Dá-me o número dele, se fazes favor!- Não estará aqui entre os teus contactos do telemóvel? Deixa ver...- ....- Carlos, Carlos... Está aqui um Carlos! Carlos Pedro? 91 485...- Porra! Não me dês o número de telemóvel! Tu não sabes que o Carlos morreu há quase dois anos? - Oh paizinho, tu tens que descansar...- Dá-me mas é o número fixo do Carlos para eu lhe ligar para casa.

Três Pastorinhos

Canibais assinam memorando com a troika

Para não passar uma grande fomeca aquela tribo canibal foi obrigada a assinar um acordo com a troika

Três Pastorinhos

As moedas não têm sexo e por isso não se reproduzem

Os génios da alta finança conseguiram identificar a origem da crise - como as moedas não têm sexo, não se reproduzem. Por isso, o melhor que tem a fazer para combater a crise, é não fazer como as moedas...

Três Pastorinhos

O desemprego é uma oportunidade... para emagrecer

A anafadice já não está na moda desde que Rubens pintou umas ninfetas repolhudas e por isso aquele governo de sábios decidiu zelar pela elegância do seu povo ao introduzir um verdadeiro plano Marshall contra as banhas. O aumento do desemprego é a melhor maneira de combater a obesidade e colesterol.