Por esta altura, na última das mais de 20 canções (
Uma Ilha), antes dos encores, interpretadas pelos Deolinda e pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, as ondas, muitas, tantas já tinham passado pelo palco. Ou então foi aquela outra onda, da canção que eles não cantaram, que “invertesse a marcha e contrariasse toda a maré”. Há precisamente seis anos a banda apresentou-se, pela primeira vez, em palco: a seguir, foi tudo muito depressa na correnteza – os dois CD, o DVD, muitos espetáculos, coliseus, muitos sucessos, prémios, digressões, 25 países visitados – e os Deolinda inverteram a marcha e contrariaram toda a maré. A banda dos irmãos, primos e casados não esteve sozinha em placo, e em boa verdade nunca está – sempre acompanhados por uma multidão de personagens de Pedro da Silva Martins, que tão bem casa palavras com outras palavras, e histórias com melodias: ele é, sem dúvida, o melhor escritor de canções destes tempos. Mas desta vez, tinham a companhia de uma espécie de monstro bom, com uma cabeça (o maestro Cesário Costa) e vários timbres, vários braços, tentáculos de cordas, sopros e percussões. Ana Bacalhau começou tímida, na pele daquela Deolinda invisível, em quem o rapaz nunca repara, e desconversa com o vizinho, porque não sabe “falar de amor”: “e soubesse eu artifícios de falar sem o dizer não ia ser tão difícil revelar-te o meu querer”… O convite partiu da orquestra há cerca de ano e meio e os arranjos foram feitos por Daniel Schvetz que “tão bem conseguiu entender o coração, por vezes, complicado da Deolinda” – ainda por cima, parece que são dois, quando canta o fado. E depois houve uma tuba a sério, “fon-fon-fon”, com quem a voz magnífica da Ana Bacalhau entabulou um dueto, um merlo também a sério, numa flauta transversal e também no vestido da vocalista, e uma queda “bela e airosa”, como a mariposa, em que Ana não parou de cantar e o público de aplaudir. E, “contado ninguém acredita”, nesta altura , a banda que canta “do CCB gosto da vista, da Gulbenkian do jardim” já tinha desmanchado a frieza geométrica daquele auditório e desarrumado a solenidade sinfónica; já todos cantavam, e quase dançavam, sem aguardarem o remate da batuta. E os aplausos em pé para o tema que espontaneamente se tornou hino de uma geração,
Parva que Sou, durou quase tanto tempo como a própria canção. “E retrai-se o atrevimento a pequenas bolhas de ar…”
Orquestra Metropolitana de Lisboa e Deolinda
CCB/ 23 de junho