“Fatale” é um policial “hardboiled” clássico, mas com entidades sobrenaturais. “Tony Chu” é a série televisiva “Chuck” em que informação de tipo CSI é obtida pelo detetive protagonista, não em laboratório, mas quando canibaliza parte das vítimas (já falecidas…). “Saga” é “Romeu e Julieta” misturado com “Star Wars”. Qual destas é excepcional? A última.
Muito bem desenhada por Fiona Staples, é o argumento de Brian K. Vaughn (“Y, the Last Man”) que resgata “Saga” de se resumir à frase de apresentação. Não porque evite os “clichés” evocados, mas, pelo contrário, porque admitindo que possam ter base real, os abraça, trabalha e transforma. Aproveitando ainda para, como toda a excelente ficção científica, introduzir personagens e situações memoráveis na sua complexidade e inventividade, mas que são perfeitamente contemporâneas, e que se tornam tangíveis graças ao traço realista de Staples. Se há algo a apontar em Vaughn é até o modo como sobrecarrega a narrativa com elementos que, pese embora a qualidade e o humor, quase distraem o leitor do história.
Em “Saga” os “Capuletos” e os “Montesquieu” são duas raças intergalácticas que há gerações travam longos conflitos noutros planetas, que não os seus (Vietname, Iraque, Ucrânia…). Uma tradicionalmente dominante, outra dominada, uma de base tecnológica, outra mais mística. Todas as grandes rivalidades baseiam-se, não em vitórias e derrotas permanentes, mas no equilíbrio que alimenta a máquina (seja política, social ou futebolística). É esse pressuposto que a relação proibida entre os protagonistas vem por em causa, desencadeando uma cadeia de reações que vão do político ao familiar, e nas quais Vaughn mostra todas as suas qualidades. Se, de um ponto de vista global, dirigentes de ambos os lados têm interesse em abafar uma história de amor que (ao contrário da inspiração original) produziu descendência, mostrando que as duas raças não são incompatíveis (embora espreite sa costumeira conspiração-mistério); há ainda a dimensão pessoal que é o peso de cuidar de um recém-nascido, ou lidar com os sogros, bem como todos os resultados nada acessórios que o conflito tem nos planetas onde decorre, e que nada têm a ver com os beligerantes. Como a criança-fantasma vítima da guerra, que acompanha os protagonistas.
A questão é que não há distinção entre problemas pessoais e problemas globais, o entendimento é que ambos são importantes, para diferentes personagens, a diferentes níveis. Devem pois ser tratados com o mesmo cuidado; e realisticamente, dentro da irrealidade que implica dirigentes com cabeças de televisão, naves espaciais vegetais, mercenários com corpo de crustáceo, ou gatos detetores de mentiras. E mais adiante surgirá o comentário em tom de “cliché dentro do cliché”, que envolve um ciclope recluso, autor de romances cor-de-rosa que também não são exatamente o que parecem. Como os filmes dos irmãos Coen, “Saga” transcende os formatos clássicos em que se inspira, e é das melhores apostas para quem esteja disponível a olhar além da superfície.
Saga, vol 1 e 2. Argumento de Brian K. Vaughn, desenhos de Fiona Staples. G. Floy. 168 pp., 9 Euros.
Fatale, vol 1 e 2. Argumento de Ed Brubaker, desenhos de Sean Phillips. G. Floy. 156 pp., 9 Euros.
Tony Chu- Detetive Canibal, vol 1 e 2. Argumento de John Layman, desenhos de Rob Guillory. G. Floy. 168 pp., 9 Euros.