Escrito por Tsugumi Ohba e com desenho de Takeshi Obata, Death Note é um mangá cujo sucesso radica, não tanto na história e nas personagens, mas na inteligência e alcance do conceito. O nome da série deriva de um misterioso caderno no qual a escrita de um nome e data resulta na morte do indivíduo nomeado, acrescentando-se que a causa e as circunstâncias dessa morte podem também ser, nalguma medida, particularizadas pelo portador do caderno. Mas apenas se o nome da vítima estiver correto.
O uso (e abuso) deste poder de vida/morte, e os consequentes dilemas ético-morais, são, desde logo, o fulcro da série. Death Note opõe dois jovens adultos sobredotados a roçar a arrogância. Light Yagami, o dono do caderno, quer criar (e dominar) um mundo melhor, eliminando todas as “pessoas más”; para o polícia “L” esse objetivo é ainda mais repugnante do que os crimes evitados. Cerebral, e até algo verborreica, a série utiliza sobretudo monólogos interiores com os quais cada protagonista procura comunicar indiretamente com o leitor num ritmo de vai-vem, Yagami racionalizando todas as mortes que desencadeia como sendo justificadas numa espiral cada vez mais aberta, e “L” fazendo o exercício oposto, repudiando as execuções mesmo de criminosos condenados a pena de morte. O argumento de Ohba (cuja verdadeira identidade é tão secreta quanto a de “L”) parece coalescer a partir de reflexões prévias sobre poder e justiça, provocações ao leitor, ou exercícios em forma de “Gedankenexperiment”; a história subsequente surge quase como pretexto, passando nos próximos volumes, por exemplo, do crime “banal” para a alta-finança. Acrescentam-se a esta dinâmica dois outros elementos. Por um lado o facto de para executar alguém ser preciso conhecer o seu nome verdadeiro despoleta reflexões sobre identidade e como nos apresentamos aos outros; para evitar a morte é preciso ser-se falso. Por outro, o caderno pertencia originalmente a Ryuk, um deus da morte japonês que o teria “perdido” por acidente no Japão. Na verdade, farto de estar no Inferno sem fazer nada, Ryuk decidiu fazer uma experiência com a humanidade em geral e com Light Yagami (o único mortal que o consegue ver) em particular. O seu papel é triplo: enquanto coro grego que comenta o caos criado pelo seu caderno, como gestor de alguma leveza humorística que quebra a tensão quase permanente da série, e ainda na medida em que o seu mundo serve de pretexto para o desenho de Obata transcender a competência formulaica rígida que o caracteriza. Ryuk é mais um elemento que torna Death Note um mangá que vale a pena conhecer.
O sucesso deste tipo de séries, em que a mesma história/universo se prolonga e evolui nos vários volumes, reside, como já referido a propósito das propostas da ASA, em dois pormenores cruciais: a acessibilidade no preço (cada série japonesa tem sempre muitos volumes, com 12 + 1 Death Note é minúscula) e um ritmo regular de edição que consiga fidelizar os leitores. O risco que se corre é que o mangá seja de facto um sucesso (como de resto parece ser o caso), mas com os leitores a recorrerem a outras línguas (e sobretudo à internet) para se saciarem. A saída rápida do segundo volume é, por isso, um bom sintoma.
Death Note 1 e 2. Argumento de Tsugumi Ohba, desenhos de Takeshi Obata. Devir, 198 pp., 9,99 Euros.