Uma cidade onde se lê, escreve, cria e se vive a cultura. É com esta filosofia, sintetizada no slogan “Lisboa Inspira”, que a capital portuguesa se apresenta, como convidada de honra, na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, na Argentina. Aberta ao público até ao próximo dia 13, esta é a quinta maior feira do livro do mundo, a terceira da América Latina, com mais de um milhão de visitantes (no ano passado registaram-se 1, 2 milhões de entradas).
Uma oportunidade única para reforçar a presença da língua e cultura portuguesas, bem como a de toda a Lusofonia, no contexto hispano-falantes, depois de participações idênticas e com o mesmo estatuto de convidado de honra em Bogotá, na Colômbia, em 2013, e em Guadalajara, no México, em 2018.
“Participar na Feia do Livro de Buenos Aires é uma oportunidade única”, sublinha Carlos Moedas, presidente da autarquia lisboeta. “Que esta celebração das artes e da liberdade fortaleça ainda mais os vínculos entre Argentina e Portugal”, deseja Martín Soto, encarregado de negócios da Embaixada Argentina em Portugal.
O programa cultural da representação portuguesa tem curadoria de Carla Quevedo e procura mostrar a pluralidade de vozes de que Lisboa é feita. “Um convite como o da Feira do Livro de Buenos Aires apela a uma curadoria que inclua a diversidade de géneros literários, do conto à poesia e ao romance, bem como a variedade de estilos de escrita, tão singulares como os seus autores, dos recém-chegados aos consagrados, da novidade ao bestseller”, sublinha a escritora e cronista.
Já Diogo Moura, vereador da cultura da Câmara de Lisboa, afirma: “Abraçámos este convite da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires porque levar a cidade (e, já agora, o país) para além do seu território, torná-la conhecida a novos públicos, divulgando quem somos, é algo que está na nossa essência. É certo que a Feira do Livro de Buenos Aires é sobre o livro, mas entendemos o livro como uma metáfora: como um artefacto que nos permite rasgar horizontes e dar espaço à criação. O livro é a âncora, mas nesta viagem a âncora estabiliza-nos, não nos prende, e foi por isso que decidimos levar mais do que o livro. Foi por isso que decidimos levar Lisboa.”
Levar a cidade implica, neste contexto, alargar a literatura lisboeta e portuguesa aos campos da ilustração e da banda desenhada, mas também à música, ao cinema e às artes plásticas. Uma proposta abrangente que assenta em várias parcerias, nomeadamente com a Imprensa Nacional, Fundação Calouste Gulbenkian, Casa Fernando Pessoa ou Fundação Saramago, sem esquecer vários organismos governamentais na área do livro e da cultura.
Humor, futebol, poder e literatua: um programa diversificado
No centro do programa estão as conversas com e entre escritores, iniciadas no passado dia 25 de abril. Em muitos casos, criadores nacionais cruzam-se com autores argentinos, num diálogo que procurará encontrar convergências e idiossincrasias.
A um de maio, Ana Pessoa falou com Isol Misenta sobre criatividade e imaginação, e Ricardo Araújo Pereira com Katja Alemann sobre o riso das mulheres. Houve ainda conversas entre Isabel Stilwell e Florencia Canale sobre romance histórico, a 3; Bruno Vieira Amaral e Martín Kohan sobre futebol e literatura; Francisco José Viegas e Cláudia Piñeiro sobre policiais e Lídia Jorge e Jorge Sigal sobre literatura e poder, ambos a 4.
Outros encontros juntam Joana Estrela e Inés Garland, a 6; Ana Cláudia Santos, Susana Moreira Marques e Valeria Tentoni, a 7; Joana Estrela e Laura Escudero Tobler, a 8; ou Maria Inês Almeida e Andrea Ferrari, a 12.
A maior parte das sessões, no entanto, é com criadores portugueses que apresentam livros seus, outros autores ou trocam ideias sobre temas relacionados com a literatura portuguesa. Além dos autores já referidos, participam ainda no programa cultural José Luís Peixoto, Yara Nakahanda Monteiro, Pedro Mexia, João Pedro Vala, Ana Cláudia Santos, Isabela Figueiredo, Maria Inês Almeida, António Pinto Ribeiro, Joana Bértholo, Júlia Barata.
Com um programa próprio, a Casa Fernando Pessoa divulga a obra do poeta português, amplamente conhecido em língua castelhana, em várias sessões: “Os outros nomes de Pessoa”, com Richard Zenith, Nuno Amado e Rita Patrício; “A razão de publicar-se – planos e projetos de Fernando Pessoa”, com Joana Matos Frias, Pedro Sepúlveda e Jorge Uribe, a 7; e “Quem é Fernando Pessoa?”, com Patricio Ferraria e Clara Riso, a 8.
Também haverá leitura de poemas de Pessoa e seus heterónimos pelo Grupo Amador de Teatro do Instituto Camões em Buenos Aires. Em diferentes painéis, a Imprensa Nacional divulga o seu trabalho na edição de clássicos, autores na diáspora e fotógrafos.
Música, cinema e exposições para celebrar Portugal
Na música, os sons nacionais serão representados, até ao final da feira, por Rodrigo Leão (a 4); Ana Lua Caiano (a 5), Artur Pizarro (a 6); Expresso Transatlântico (a 9); e Gaspar Varela (a 10). E, no cinema, o Teatro San Martín exibe, até 5 de maio, uma seleção de filmes inspirados em romances de Catarina Gonçalves, Edgar Pêra, Eduardo Brito, Fernando Vendrell, João Botelho, Júlio Alves, Luísa Marinho, Luísa Sequeira, Manuel Mozos, Mário Fernandes e Rosa Coutinho Cabral.
Algumas exposições que integram a representação nacional foram inauguradas na primeira semana da feira. O pavilhão de Lisboa, que tem cerca de 200 mil metros quadrados, com uma livraria com 700 títulos em português, recebe uma mostra de ilustração com trabalhos de artistas portugueses e argentinos.
A Fundação Calouste Gulbenkian apresenta, na Biblioteca Nacional Mariano Moreno, a partir de dia 2 de maio, Livros de Artista, e a Fundação José Saramago inaugura, na Biblioteca do Congresso, a 6, a mostra Direitos Humanos: Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa.
Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas apresenta nova linha de apoio à tradução
Antes da abertura na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, nas suas jornadas profissionais para editoras e agentes, a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas apresentou uma nova linha de apoio à tradução que tem como objetivo “promover a internacionalização de autores e da língua portuguesa”, assim como “contribuir para a continuação da publicação e presença de autores portuguesas no mercado editorial argentino.”
Esta linha de apoio suporta uma parte dos custos de tradução e tem sido responsável pela publicação de vários livros. Os mais recentes são Minha Senhora de Mim, de Maria Teresa Horta, pela editora Abisinia, que também lançou A Noção do Poema, de Nuno Júdice.
Ainda em 2023, saíram O Segredo de Compostela, de Alberto S. Santos, na El Ateneo (depois de Amantes de Buenos Aires e Profecias de Istambul do mesmo autor); KNK, de Luís Filipe Sarmento, na Leviatán, O Avô tem uma borracha na cabeça, de Rui Zink e Paula Delecave, e A Visão das Plantas, de Djaimilia Pereira de Almeida (depois de Esse Cabelo), na Edhasa.
Desde o início deste século foram editados na Argentina, com este apoio, entre outros, Catarina Sobral, David Machado, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo M. Tavares, João Tordo, José Luís Peixoto, Maria João Cantinho ou Miguel Sousa Tavares, assim como os lusófonos José Eduardo Agualusa, Mia Cousa e Ondjaki.
Fernando Pessoa, José Saramago e António Lobo Antunes são os nomes mais traduzidos, como acontece em todo a América Latina. Como recordam Isabel Gaspar e João Ribeirete, o primeiro autor a ser traduzido na Argentina foi Almeida Garrett, com Frei Luís de Sousa, em 1900, seguido, na década de 40, por Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco. A lista de clássicos inclui ainda Camões, Gil Vicente ou Oliveira Martins.
No sentido inverso, a literatura argentina em Portugal foi dominada, até há bem pouco tempo, por Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Adolfo Bioy Casares, Silvina Ocampo, Ernesto Sabato ou Leopoldo Lugones. Hoje, as traduções alargam-se às novas gerações, sobretudo mulheres. Talvez a presença de Lisboa em Buenos Aires traga, na torna viagem, novas vozes e um intercâmbio mais acentuado