Bruno de Almeida tem 57 anos e é realizador há 32. Entre os seus trabalhos mais notáveis estão A Dívida (melhor curta na Semana da Crítica de Cannes em 1993) ou o documentário The Art of Amália (2000). O seu novo filme é, na verdade, um álbum – o primeiro de três. Cinema Imaginado (vol. 1) conta com cerca de 30 músicos e orbita o imaginário da Nova Iorque dos anos 80, em que a violência e a criatividade andavam de mãos dadas, ao som do hip hop, do funk e do jazz.
JL: Tendo já uma carreira extensa, o que pretendes, com este projeto, trazer de novo a quem te acompanha?
Tenho feito muita coisa em cinema, mas este é o meu primeiro disco. Estava em isolamento e com bastante tempo disponível, escrevi uma série de músicas, ideias que já vinham de há 30 anos, de quando tive uma pequena carreira de músico e compositor nos anos 80. Foi a covid que me fez redescobrir arquivos que nunca tive tempo de organizar.
Normalmente é pedido a um compositor uma banda sonora especialmente dedicada a um filme. Neste caso há o processo oposto…
Pensei em histórias de um período em que vivi em Nova Iorque, de 1985 a 2008: imaginei um escritor flâneur que anda pelo mundo underground da cidade. O disco remete para essas duas décadas antes da globalização, em que a malta da cidade era muito criativa. Pensei nas imagens e depois escrevi os sons: uma banda sonora para um filme imaginado.
As influências vão desde os gangues, aos policiais dos anos 80, ao movimento hip hop…
Quando cheguei a Nova Iorque, o hip hop estava a explodir, tal como o grafiti, as artes de rua, as misturas de jazz com todo o tipo de sonoridades. Embora nunca tenha sido uma pessoa muito ligada ao hip hop, era impossível não me aperceber, porque era a música que se ouvia na rua. Mas o disco é mais influenciado pelo tempo em que tocava na banda do Graham Haynes [trompetista que participa no álbum]. Aquilo era uma fusão de tudo o que estava a acontecer: jazz, hip hop, música eletrónica, etc.
Quando me refiro ao hip hop não é à música em si, mas à atitude e ao contexto em que surge. O que significa um álbum com este imaginário em 2022?
Isso já não sei (risos). Tem a ver com um período que passou, com um lado biográfico e um lado imaginativo. Se fosse um filme, seria de época: de uma Nova Iorque a transitar de uma cidade mais perigosa, mas ao mesmo tempo mais criativa, para uma cidade mais aburguesada; antes do grafiti ter ido para os museus e o hip hop ser uma coisa popular. O álbum tem muito a ver com esse espírito rebelde da época.
Há uma personagem comum a todas as histórias do disco. Como a caracterizas?
É um tipo de personagem que já quase não existe, porque tem a ver com uma época em que era muito barato viver em Nova Iorque. Surgiu numa mistura de pessoas conhecidas e amigos do bairro de artistas onde vivia. Imagino este personagem como um flâneur inspirado no Bukowski ou no William Burroughs, esse tipo de escritores marginais, observadores e que andam pela noite: uma espécie de engatatão que também é um romântico, um tipo porreiro que só quer estar sozinho, mas tem azar e acontece-lhe sempre qualquer coisa.
O que podes revelar sobre os próximos discos? Serão na senda do jazz, da vida boémia e dos bairros?
É mesmo uma continuação. O segundo disco já está quase terminado. É menos jazz, mais cinematográfico. Quando tiver os três volumes prontos vou fazer vinil com um ‘livrinho’.