É um voluminho tendo como título, apenas Sonetos. Autor Gregório Duvivier (GD), chancela Tinta da China, a chegar aos escaparates nos próximos dias. Na contracapa, três parágrafos, a propósito, no último dos quais se lê: “Gregório Duvivier prova, neste livro, que não é apenas autor de sketches estúpidos para a Porta dos Fundos – também sabe escrever sonetos perfeitamente imbecis.” Com 31 anos, GD é, de facto, humorista e guionista, um dos principais autores – mas também ator – daquela série, veiculada pelo YouTube, com um enorme sucesso no Brasil, e que será mesmo um dos canais com mais visualizações em todo o mundo. Êxito que ‘extravasou’ para os palcos e para fora do país, mormente através de um grupo de comédia integrado por três dos seus elementos, que já deu espetáculos em muitas cidades de Portugal, tendo GD representado também entre nós o espetáculo Uma Noite na Lua. Mas Duvivier (filho do músico e artista plástico Edgar Duvivier e da cantora Olivia Byington), além de tudo isto, de ator de cinema e teatro, é ecritor, com vários livros publicados, e assina uma coluna semanal na Folha de São Paulo, um dos maiores diários do Brasil. Estes Sonetos, na linha do Bocage satírico, brejeiro ou mesmo pornográfico, são publicados primeiro em Portugal, e só depois no Brasil – e o JL ouviu o autor sobre eles, o humor, o seu trabalho.
Jornal de Letras: Os seus poemas têm humor, e alguns dos seus sketches têm sensibilidade literária. De que forma é que o poeta e o autor de sketches de A Porta dos Fundos se complementam?
Gregório Duvivier: Nos dois casos, você tem pouco tempo pra ganhar o leitor. É preciso, como dizia Cortázar sobre o conto, vencer por nocaute. No caso do soneto, tem a restrição da forma: são decassílabos rimados. E no Porta não precisa rimar, mas temos outras restrições. Não posso escrever sobre dragões e prédios desabando porque não cabe no nosso modesto budget. Nos dois casos, a restrição liberta e te permite falar coisas que na libertade total não te ocorerriam.
O trabalho sobre a linguagem é uma das marcas de A Porta do Fundos. Que cuidados tem, comparativamente, ao moldar as palavras de um sketch e de um soneto?
O sketch precisa ser fiel à maneira como as pessoas falam. O soneto, não. Gosto muito dessa liberdade da poesia. Não é preciso imitar a linguagem falada, ou qualquer linguagem, podemos inaugurar uma nova linguagem, em que tudo é permitido. Gosto muito disso.
Porque escreve sonetos, o que lhe agrada no ‘formato’?
Gosto muito do tamanho. Um soneto nunca cansa. E gosto porque é popular, mesmo quem não gosta de poesia já ouviu algum soneto. Das formas fixas, é a mais difundida. O ‘Soneto da Fidelidade’, do Vinicius, virou até pagode no Brasil (“que seja eterno enquanto dure”). Como a ideia é brincar com formas clássicas, subvertendo-a, a subversão fica mais engraçada quando se conhece a forma original. Não seria tão engraçado subverter o rondó, porque é muito provavel que o leitor nunca tenha lido um rondó. A subversão só funciona quando conhecemos o objeto subvertido.
Os seus sonetos revelam uma vivência contemporânea, mas um estilo satírico, erótico e burlesco, próprio de Bocage. É uma das suas referências? Quais são as suas referências?
Sim! Bocage está entre os maiores. “Aqui dorme Bocage, o putanheiro /passou a vida folgada e milagrosa/comeu, bebeu, fudeu sem ter dinheiro.” Gregorio De Matos, o “boca do inferno”, também escrevia poemas muito engraçados, e muito corajosos para a época. Mais recentemente, temos Glauco Mattoso, sonetista perfeito, e muito produtivo, com uma obra vasta em decassílabos – e não por isso pomposos ou herméticos, muito pelo contrário. Escreve sonetos ao mesmo tempo hilários e perfeitos. Em lingua inglesa, Dorothy Parker foi insuperável.
Rima Harold Pinter com esfíncter, estrepe com Whatsapp, Cacete com Goethe… Seduz-lhe a liberdade e a transgressão na escrita?
Sim, acho que o humor é subversão. E poesia também, de outra maneira. Tanta a piada quanto o poema são feitos do mesmo material, que é o espanto com o mundo, e por isso vão tão bem juntos. O poeta e o comediante têm o mesmo tipo de olhar, aquele de quem não está entendendo nada.