Sentou-se à sombra da grande árvore que o vira crescer, cair, apaixonar-se, sofrer e sonhar. Era uma araucária solitária, no meio de pinheiros. No chão, o cesto de verga e a pá, a recordarem-lhe a sua missão. Um cansaço pesado fê-lo cerrar os olhos e encostar a cabeça ao tronco amigo. Um suspiro fundo revelou a verdade que tentava adiar.
– Vais deixá-la comigo?
– Pareceu-me uma boa ideia, agora não estou tão certo disso.
– Pensaste bem, tomarei conta dela enquanto viver.
No seu íntimo, uma tristeza crescia: saber que, quando fosse ele a partir, ninguém para ali o levaria. Não por falta de interesse, apenas por desconhecerem a árvore e o seu dono.
– Estás enganado – comentou a araucária, afastando a tristeza, envolta em solidão, que se somara às folhas. – Pensaste sair daqui?
Ele endireitou-se, encarando o tronco de frente.
– Como posso viver sem estar em casa?
– Quem falou em viver?
Alberto sorriu. Levantou-se, como se uma decisão lhe construísse um novo alento. Sentiu, nesse instante, como, também ele, chegara ao fim de uma existência de alegrias, trabalhos, com um passado de partilha que nunca abandonaria. Soube que o futuro se esfumara, não existia para si. Suspirou, desta vez com esperança, e a árvore sacudiu-se de novo, feliz.
Agarrando na pá, Alberto começou a cavar muito mais fundo do que precisaria para deixar o seu amor perto da amiga que o vira crescer, cair, apaixonar-se, sofrer e sonhar. Deitou-se perto das raízes, com o cesto e o seu conteúdo ao lado. Deu-lhe a mão. A árvore esperou que segundos pacientes o levassem para perto da companheira. Juntos num outro patamar, continuariam a zelar pelos seus, abraçados ao que os unira desde o primeiro minuto.
Alberto e as cinzas de Clarice foram descobertos muitos anos depois, quando a araucária caiu, exausta. Ninguém sabia como explicar aquela junção, feita de raízes, um casal e uma vida inteira. Alberto desaparecera da aldeia sem deixar rasto. As cinzas de Clarice também. Filhos e netos conheciam a verdade, ou melhor, sentiam-na, sem conseguir verbalizá-la, e respeitavam a decisão de Alberto. Foi o cesto que os denunciou. De verga, com desenhos entrançados em vermelho e verde, era o cesto dos piqueniques, que nunca deixaram de fazer, mesmo depois de Clarice adoecer. Decidiram deixá-los juntos, todos três. A família em paz, por sabê-los assim tão entrançados como o cesto. Uma vida pela frente, carregada de um passado feliz. Só o cesto voltou para casa. Os piqueniques recomeçariam assim que o sol deixasse.