Podia ter sido economista, mas não tardou a perceber que eram outras as contas que tinha a ajustar. Com o teatro. É que, em criança, já sonhava vir a ser ator, mas aos 18 anos, quando chegou o momento de escolher uma licenciatura, hesitou. “Senti que ainda não tinha maturidade suficiente. Representar implicava uma exposição para a qual não estava preparado”, recorda Elmano Sancho. Mas assim que ‘aterrou’ no Porto, vindo de Valpaços, a sua terra-natal, para estudar Economia, as coisas começaram a mudar. Enquanto perdia o entusiasmo pelos números, a experiência no Teatro Universitário do Porto e o contacto com encenadores como Rogério de Carvalho e André Gago, aumentavam-lhe o desejo de seguir a arte dos palcos. Concluiu o curso em julho de 2002, e em setembro do mesmo ano, estava de volta às aulas, agora na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), em Lisboa.
Desde então, não tem feito mais que dar asas ao seu sonho. Literalmente. Após frequentar os dois primeiros anos na ESTC, voou para a Real Escuela Superior de Arte Dramatico de Madrid, daí para a Universidade de São Paulo, e depois para o Conservatoire National Superieur d’Art Dramatique de Paris. “E tem sido sempre assim, entre cá e lá”, sublinha Elmano Sancho, que, aos 30 anos, é um dos atores portugueses com maior projeção internacional, tendo atuado já em países como Espanha, Itália, Bélgica, Irão, Japão, Turquia ou Brasil. Em 2008, foi um dos três portugueses selecionados para integrar a primeira Companhia Teatral Europeia (juntamente com Martim Pedroso e Flávia Gusmão), dirigida por Annalisa Bianco e Virgínio Liberti, e entre 2009 e 2010, pertenceu ao elenco da prestigiosa Comédie-Française.
“Move-me, desde sempre, esta procura de novas experiências. Lembro-me que quando ainda estudava, não sentia necessidade de me estrear, mas, sim, de aprender, ter novos professores, novas disciplinas, conhecer outros países”, conta, ao JL. Neste sentido, diz, não podia sentir-se mais satisfeito face aos encenadores com quem tem trabalhado, de Emmanuel Demarcy-Mota a Paulo Alexandre Lage, passando por Maria João Miguel e pelo seu atual ‘mestre’, Jorge Silva Melo. É, precisamente, a convite do diretor dos Artistas Unidos que Elmano Sancho se estreia hoje, 11, no seu primeiro monólogo: Herodíades, a segunda parte da obra Três Prantos, de Giovanni Testori (editada pela Assírio & Alvim), em cena no Teatro da Politécnica, em Lisboa, até 21 de janeiro.
“Estou um bocado assustado. O trabalho de ator é, só por si, muito solitário, e num monólogo, ainda mais”, confessa o protagonista da longa-metragem A Morte de Carlos Gardel, de Solveig Nordlund. Mas o que faz com que esta seja a peça mais difícil do seu percurso é, sobretudo, a complexidade do texto. Só quando o leu pela primeira vez, percebeu a força do verbo que Jorge Silva Melo usou quando lhe fez a proposta: “Ousas?”
Ousou.
É que, para ele, representar traz sempre uma grande dose de angústia, compensada por outra tanta de gozo. Só há uma volta a dar: “Trabalhar, trabalhar, trabalhar, até à estreia. E, depois, continuar a trabalhar para não me desviar do que foi encontrado com o encenador. Tentar encontrar sempre ‘a primeira vez'”.
ETERNO ‘APRENDIZ’
Diz que personagens ‘fáceis’ só surgem “uma vez na vida”. A sua foi Mascarille da peça As Preciosas Ridículas, de Moliére, que interpretou ainda no tempo da ESTC. Todas as outras foram ‘suor e lágrimas’. “Não se consegue ser ator sem o peso da responsabilidade, e isso implica trabalho e uma procura minuciosa, persistente, quase artesanal”, explica. Mais do que chegar à personagem, o seu processo criativo centra-se na procura, por um lado, daquilo que o texto quer dizer e, por outro, da relação entre si, o encenador e os outros atores. Acredita que é esta a chave para “encontrar novas respostas de interpretação”.
“No teatro, interessa-me mais as pessoas com quem vou trabalhar do que desempenhar este ou aquele papel. Ainda estou muito centrado na aprendizagem, em crescer a nível artístico: como posso usar o meu corpo, a minha voz… Não quero que digam ‘Ok, o Elmano deu a mesma solução que da outra vez'”, acentua. Por isso, em vez de dizer que quer fazer de Hamlet ou de Cyrano, refere que um dos seus maiores sonhos é trabalhar com o encenador francês Patrice Chéreau. E tem, pelo menos, um ponto a seu favor: a licenciatura em Tradução pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, concluída em 2011, que o tornou bilingue ‘encartado’ em Português e Francês, e também fluente em Inglês e Espanhol.
Reconhece, de resto, que o à-vontade com as línguas estrangeiras é uma quota-parte do seu sucesso internacional. Depois de estrear A Morte de Danton, de Georg Büchner, com direção de Jorge Silva Melo, no próximo mês de março (a 2 e 3, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e de 15 a 22 de abril, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa), Elmano Sancho já marcou na sua agenda as participações no filme As Linhas de Torres, de Raúl Ruiz e Valéria Sarmiento, ao lado de estrelas como John Malkovich e Catherine Deneuve, e numa série de televisão para o Canal Plus, de França. É caso para afirmar, citando Shakespeare, que, para ele, All the world’s a stage. Ou não fosse a sua maior aspiração fixar-se e trabalhar em Lisboa e Paris, e poder, a partir daí, voar para onde quer que fosse.
Mas, com sentido de humor, garante que o seu nome pode vir a atrapalhar tudo: “Foi a minha avó paterna que o sugeriu, por causa do pseudónimo do Bocage, Elmano Sadino. Como é diferente, as pessoas nunca acertam. Chamam-me Hermano, Albano, Fernando, Leandro”. E conta, entre risos: “Uma vez ia para o Porto de autocarro, e o senhor da rodoviária perguntou-me o nome para escrever no bilhete, mas não percebeu, então pôs um traço”. Pois para que não lhe passem ‘por cima’, e caso as cinco referências no presente artigo sejam insuficientes, repetimos: Elmano Sancho. Nome incontornável do atual teatro português. A saber de cor.