O JL assistiu ao ensaio de Santa Joana dos Matadouros, peça de Bertolt Brecht que Bernard Sobel, um dos mais consagrados encenadores franceses da atualidade, traz este ano ao Festival de Almada. O entusiasmo e a exigência são contagiantes: munido de três versões do texto (em alemão, francês e português), o encenador, de 76 anos, acompanha o desenrolar das cenas de olhos e gestos vivos, qual ‘maestro’ das vozes que se levantam. “É uma felicidade porque Brecht está-se a questionar e nós, encenadores, estamo-nos a questionar e a ajudar os jovens atores a questionarem-se”, explica.
Fundador e diretor, entre 1963 e 2006, do Teatro de Gennevilliers, na periferia de Paris, Bernard Sobel contribuiu para a divulgação em França do repertório russo e alemão, encenando Vichnevski, Koplov, Heiner Müller, Kleist, entre muitos outros. A 5 e 6, sobe ao Teatro Municipal de Almada Santa Joana dos Matadouros, de Brecht, com interpretação de alunos finalistas da Escola Superior de Teatro e Cinema e da ACT – Escola de Atores, e colaboração artística de Francis Seleck e Eric Castex.
JL: Por que escolheu apresentar esta peça?
Bernard Sobel: Por duas razões. Primeiro, porque este poema é um bom pretexto para trabalhar com jovens atores. Depois, porque a realidade de hoje, em Lisboa e no resto da Europa, está a encenar Santa Joana dos Matadouros. A partir da crise mundial de 1929, Brecht tentou questionar-se sobre a fatalidade do sistema capitalista em que vivemos. E tentar compreender como funciona a fatalidade é procurar dominá-la.
Qual é o maior desafio desta encenação?
Consciencializar o público. As pessoas pensam que Brecht não é teatro, é política, e o grande desafio é transmitir a ideia de que não há bom teatro sem política. E, também, trazer ao espetador a posição de Brecht em relação à realidade: ele não tem respostas, só questões. Essa é, de resto, a função do teatro: tentar compreender o que chamamos de fatalidade, perguntando “Por que é assim? Tem que ser assim sempre?”.
Em que medida um festival como este, que reúne companhias de teatro de vários países, é importante para a criação teatral?
Penso que é bom, sobretudo, para o público, que tem oportunidade de conhecer o que se faz em teatro noutros sítios do mundo. Mais do que para os profissionais, que são egoístas, não falam uns com os outros. No entanto, posso dizer-lhe que tenho vindo ao Festival de Almada a convite do Joaquim Benite, que considera o Teatro de Gennevilliers, que criei nos arredores de Paris, um exemplo. E, de certa forma, trabalhamos na mesma direção. A existência do Teatro de Almada ou do Teatro de Gennevilliers não é natural. É natural o São Carlos ou o D. Maria em Lisboa. Almada ou Gennevilliers, são uma grande questão.
Porquê?
A escolha de ser aqui não é só do Joaquim, ou do Sobel em Gennevilliers. É responsabilidade de quem dirige os municípios. É muito importante termos consciência de que isto tem a ver com a tradição do Partido Comunista porque quando este trabalha bem, o seu trabalho é cultural. Geralmente, o governo diz-nos “vocês não têm público suficiente no vosso teatro” e eu respondo “vocês não têm pessoas suficientes no vosso voto”, pois há 60% de abstenção em França. Como é que nos pedem um teatro cheio, com estudantes e tudo mais, se o teatro é um luxo?