É um final e simultaneamente um novo princípio. Hoje, 10, às 16 horas, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o professor e filósofo José Gil, 70 anos, profere a sua última lição. Sabe de antemão que terá saudades dos seminários e do espaço de liberdade criado com os alunos (sobretudo os de mestrado e doutoramento), mas a reflexão filosófica continuará, porventura mais solitária, mas igualmente viva e empenhada. Discípulo de Gilles Deleuze, tem publicada vasta bibliografia, de que se destacam Os Monstros (1994); Salazar: a Retórica da Invisibilidade (1995); A Imagem-Nua e as Pequenas Percepções (1996); Metamorfoses do Corpo (1997); Diferença e Negação na Poesia de Fernando Pessoa (1999); Movimento Total – O Corpo e a Dança (2001); A Profundidade e a Superfície – Ensaio sobre o Principezinho de Saint-Exupéry (2003) e Escritos sobre Arte e Artistas (2005). Foi, no entanto, Portugal, Hoje: O Medo de Existir (publicado em 2004), pelas questões de identidade nacional que coloca, que lhe trouxe maior número de leitores fora dos círculos universitários.
Jornal de Letras: De que falará nesta sua última lição?
José Gil: Falarei sobre a formação de uma linguagem artística, tema muito claro na sua formulação, que, apesar dessa clareza, coloca problemas muito difíceis. A abordagem desta questão pelos analistas oriundos de outras disciplinas, como eu, obriga-nos a entrar na cozinha íntima dos artistas e no seu labor, mas há que ter em consideração que existem criadores capazes de iniciar uma linguagem (Picasso ou Marcel Duchamp, por exemplo) e outros, menores, que não o fazem. Debruçar-me-ei sobre os modos como se atinge essa criação de uma linguagem não verbal, tendo em conta que todo o artista quer ter uma e todo o crítico parte de padrões estéticos muito elevados. Este é um tema fundamental da arte contemporânea, embora não seja sobre ela que me debruço na lição.
O que o levou a escolher este tema?
O facto de me permitir colocar vários problemas filosoficamente. Saber se os artistas têm ou não um método, e qual, é, como vou referir na lição, um tema que tem vindo a preocupar nomes grandes da Filosofia como Merleau-Ponty ou Gilles Deleuze. Pessoalmente, como esta questão nunca ficou totalmente esclarecida para mim, tenho aqui mais uma ocasião para reflectir sobre ela.
Que papel atribui a uma última lição?
Sinto-a, de facto, como uma lição diferente, mas não farei uma oração de sapiência. Pensei este momento como um prolongamento dos meus seminários e o começo de qualquer outra coisa na minha vida e na minha reflexão filosófica.
Terá saudades da universidade?
Creio que sim, embora pense que, de uma maneira geral, a universidade portuguesa deveria ser mais livre do que é. As aulas de licenciatura, muitas vezes com turmas de 70 alunos, em que somos obrigados a forçar a voz, há muito que deixaram de ser interessantes para mim, mas os seminários de mestrado e doutoramento permitiram-me criar um espaço de liberdade de pensamento. Era-me possível inventar filosoficamente.