“Cá andamos na luta”. É assim que Fábio Cunha responde a um simples cumprimento. Mas a luta dele incluiu a dos outros. Sejam os da sua freguesia, Pombeiro da Beira, onde quatro casas ficaram destruídas, incluindo a da sua avó, como da vizinhança.
Desde os incêndios de Pedrógão Grande que Fábio, 29 anos, tem andado num vaivém entre França, na zona de Bordéus onde trabalha na furagem e estacaria, e a Região Centro do País. Em junho, tinha sido operado à anca só há três semanas, quando, ainda de muletas, veio para ajudar os colegas. Trouxe duas carrinhas e um reboque cheios com donativos que os emigrantes portugueses reuniram. Era suposto estar de perna esticada, sossegado na cama, até ao fim do ano.
Uma semana antes dos incêndios de outubro, voltou a vir de França para guardar no armazém deixado pelo pai peças, pneus, jantes e um carro de rally recém-comprado. Nunca chegou a experimentá-lo, pois passados sete dias aquilo ardeu tudo. Já estava de novo em França quando soube das más notícias pelas redes sociais e pelas notícias. Pegou no carro e, em menos de oito horas, chegou a casa. Em breve, haveria de regressar, desta vez, com um camião-tir a abarrotar com paletes cheias de roupas, calçado, acessórios, alimentação, mobílias, maquinaria e brinquedos. Agora com a Natal à espreita vão embrulhar a bonecada e distribuir pelas crianças. Ah, e uma retro-escavadora, com que Fábio anda a ajudar a Junta de Freguesia a arranjar as estradas. Ufa.
Uma scooter para Deborah
Porta a porta, andou mais a irmã Joana e os amigos, a distribuir os cabazes, e conheceu uma senhora inglesa, na casa dos 60 anos, que mora na Azenha, um lugar difícil de chegar, só por uma estrada de terra. A antiga professora do ensino especial, em Londres, não quis nada, disse que só lhe fazia falta a scooter que ardeu, para se deslocar à povoação. Fábio ficou a matutar no desabafo e pôs-se à procura de motos em segunda mão. Perdeu a cabeça e comprou uma scooter azul e preta, em bom estado. Este domingo, no almoço que está a preparar vai fazer uma surpresa a Deborah com quem nunca trocou grandes frases, pois inglês não é o seu forte.
Um “feliz acidente” trouxe Deborah para a Região Centro, mas entretanto já ficou viúva em Portugal. Mora há dois anos na Azenha e, em breve, quer começar a fazer mantas em patchwork e voltar a ter aulas de português. “Aqui é calmo. O mais importante: as pessoas têm tempo uns para os outros, ouvem-se.”
Um verdadeiro agregador
“Vou voltar para Portugal, estou desanimado. Ao menos aqui sempre estou perto dos meus amigos e da família”, argumenta decidido. A qualidade de vida é maior do que em França, onde vive entre a casa e o trabalho. “Sempre gostei de máquinas, possivelmente, arranjarei trabalho nessa área. Assim faço o que gosto e ando com vontade.”
Este domingo, 26, organiza um passeio de carros de rally que vai de Pombeiro da Beira até Arganil, pela Serra do Açor, em direção à Benfeita. Aí param para abastecer, que é como quem diz, beber uma serradura – uma espécie de sangria branca bem docinha. Dão a volta pelo lado de Coja e voltam ao Multiusos. Desde ontem que membros da Associação Os Columbinos andam a preparar a ementa: uma sopa à lavrador, seguidos de uns torresmos (parecido com os rojões, mas mais pequenos e saborosos) e um arroz de fressura. São entre 200 e 300 as pessoas que responderam ao apelo de Fábio para estarem presentes. Mas não é só para almoçar. Há uma inscrição para pagar e rifas para sortear. Prémios para distribuir e dinheiro para angariar. Um verdadeiro ciclo de solidariedade.
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