“Estou aqui para as curvas”, garante Maria Fernanda Martins, no auge dos 79 anos, idade que assume “com muito gosto”, confidenciando, durante os ensaios da marcha, que agora, que já está “velhota”, pode entrar “em todas as brincadeiras possíveis e imaginárias”.
Integrada no Projeto de Envelhecimento Ativo e Saudável (PEAS) da Junta de Freguesia da Misericórdia, a iniciativa pretende combater a solidão dos idosos, revivendo a tradição lisboeta das marchas populares, com ensaios semanais na sala ampla do Centro Social e Paroquial de São Paulo.
Mão na cintura, movimento na anca e toca a marchar: “Com muita alegria e muito fervor, a Misericórdia já marcha a rigor. Linda freguesia, tal qual uma flor. Oh! Misericórdia, és feita de amor”, entoam de viva voz as marchantes, vestidas com peças coloridas de adereços em forma de corações e flores brilhantes.
Dirigida a toda a população sénior, a marcha não teve a adesão do sexo masculino, o que veio dificultar o trabalho de coordenação, contou à agência Lusa a responsável pelos ensaios, Malfada Machado, reconhecendo que “não é nada fácil” orientar um grupo só de mulheres, “mas é muito gratificante”.
Dona de um sorriso contagiante, Maria Fernanda é a mais espevitada do grupo e não se inibe de dizer que é “muito levada da breca”. Decidiu participar na marcha para se divertir, explicando, entre passos e cantorias, que nunca está parada. É irrequieta por natureza, porém nem sempre foi assim.
“Quando era jovem, era um bocadinho acanhada, envergonhada e, depois, fiz-me assim: um bocadinho descarada”, confessou a marchante, referindo que nunca antes tinha participado numa marcha, devido à falta de tempo, uma vez que tinha que “trabalhar para ganhar a vida”.
Com o rosto maquilhado e o cabelo loiro arranjadinho, Esmeralda Zacarias, de 66 anos, sempre gostou de acompanhar a tradição das marchas populares, mas sempre no lado de espetadora, nunca como marchante.
“Fiquei viúva e estava sem fazer nada”, começou por contar Esmeralda, expondo que, entre ficar em casa sentada no sofá – “que só faz mal aos ossos” – e conviver com outras pessoas, decidiu aceitar o desafio de participar na marcha.
Alfacinha de gema, Maria Leonor Lino, na casa dos 70 anos, também nunca tinha marchado quando era jovem, lembrando que, antigamente, as marchas populares eram consideradas algo “pindérico” e “as raparigas de marchas eram olhadas de lado”.
Hoje, a lisboeta pertence à marcha sénior da freguesia da Misericórdia, afirmando que “agora é engraçado” e “já ninguém olha de lado”.
“Às vezes não me apetece muito [ir ao ensaio da marcha], mas isto é um convívio”, admitiu Maria Leonor.
Não só de marchantes se compõe uma marcha popular. A ajudar no guarda-roupa, Maria João Matias, de 71 anos, é uma das costureiras que elaboraram as saias e decoraram as ‘t-shirts’ e as sapatilhas com corações e flores. “Quando há boa vontade e há uma reunião de pessoas” a trabalhar, é possível organizar bem uma marcha, considerou a responsável pelas vestimentas.
A marcha sénior apresentou-se a público na sexta-feira (27 de maio) com a marcha da Bica, prevendo-se ainda uma participação no desfile da marcha do Bairro Alto, no dia 9 de junho, e uma apresentação, com saída a partir do Largo de Camões, no dia 10 de junho.
Segundo Malfada Machado, a iniciativa da marcha surgiu em 2015 e “teve muita adesão por parte da comunidade”, afirmando que o principal objetivo é “divertir os seniores e mostrar que também é possível fazer uma marcha sénior”.
A responsável referiu que este ano existem 20 idosos a marchar, no total de cerca de 30 pessoas envolvidas na iniciativa.
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