O método mais original de dar autógrafos no país pertence, provavelmente, ao escritor norte-americano Richard Zimler, 60 anos, residente na Foz do Douro, Porto, há 25 anos e naturalizado português desde 2002. O autor de Os Anagramas de Varsóvia (Porto Editora, 2009) está habituado a que os seus fãs deixem livros para assinar nos cafés que frequenta na Foz. Aos leitores, basta irem buscar a obra na próxima ida ao café, já devidamente autografada enquanto o escritor ali tomou o pequeno-almoço ou lanchou. “Criei relações afetivas com os funcionários do comércio da zona, todos me conhecem e não se importam de ajudar os meus leitores”, conta, divertido, Richard Zimler. O seu amor pela Foz é antigo, ainda antes de trocar definitivamente a Califórnia (EUA) pelo Porto já ali tinha um apartamento. “Como não uso carro, precisava de um bairro onde pudesse comprar fruta, ir ao restaurante ou encontrar fita-cola com a facilidade de uma caminhada”, explica.
“Ter tudo à porta” é um dos aspetos habitualmente mais valorizados pelos residentes dos bairros, atesta a investigadora Maria Assunção Gato, do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, do ISCTE-IUL. Mas as variáveis a ter em conta são muitas. “O perfil socioeconómico do residente influencia a forma como ele olha para o bairro”, explica, antes de dar um exemplo: “As pessoas de classe média tendem a valorizar determinados aspetos e a fazer uma descrição do bairro que pode não corresponder à visão de alguém de uma classe socioeconómica mais desfavorecida”. O que é destacado pelos residentes também varia consoante as características de cada bairro. “No Príncipe Real, a localização em pleno centro de Lisboa é muito valorizada, enquanto em Telheiras, um espaço mais periférico, as redes sociais de vizinhança assumem mais protagonismo”, compara a investigadora.
O estudo Bairros em Lisboa, do Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território, da Universidade Autónoma de Lisboa, apresentado em 2014, mostra a diversidade de respostas dos moradores quanto ao “melhor do seu bairro”. Se na Graça o comércio é o aspeto mais valorizado, em Telheiras os espaços públicos e verdes são os mais referidos, enquanto nas Galinheiras é a localização e acessibilidade o mais importante. Outro exemplo da valorização da mobilidade é o Bairro do Viso, no Porto, indica o investigador João Queirós, do Instituto de Sociologia da Universidade de Porto, que viu o grau de satisfação dos residentes aumentar com a abertura de uma estação de metro. Se no centro histórico do Porto, por exemplo no bairro da Sé, é muito valorizada a história do local e o seu papel na representação da cidade, no Aleixo, um bairro de habitação social, é o que a urbanização significou na vida dos residentes que é visto como positivo: o acesso a habitação digna. Ter crescido em determinado bairro ou ter lá família também contribui para uma maior ligação a determinado local. O processo de enamoramento por um bairro está, assim, ligado à história do espaço, mas também à biografia de cada um.
O ‘MILAGRE’ DE CAMPO DE OURIQUE
Nascido em Alvalade, durante a infância Campo de Ourique soava-lhe a uma localização distante, “uma cidade ao lado do meu mundo”, explica o artista plástico lisboeta João Louro, 52 anos (representante de Portugal na Bienal de Veneza do ano passado). Foi por causa de uma história de amor que se mudou para Campo de Ourique, onde cresceu uma nova paixão: o próprio bairro (também lá instalou o seu atelier). “Conheço muito bem a zona, já que sempre tive cães, palmilho-a há muito tempo”, conta, antes de deixar um alerta: “Atenção aos donos de cães! Há sacos de plástico para apanhar os dejetos em dispensadores fornecidos pela junta de freguesia, ser civilizado é melhor do que o contrário”. Nunca se furta aos cumprimentos bairristas, por isso, é popular por aquelas bandas. “As pessoas são amistosas, sabem como gosto do café, que não como batata e prefiro sempre peixe. Este género de coisas fazem com que a vida seja mais confortável”, explica. Margarida Acciaiuoli, catedrática de História de Arte na Universidade Nova de Lisboa, compreende a sua paixão, já que no seu entender “o verdadeiro bairro em Lisboa é Campo de Ourique”. Além de enaltecer o facto de “não haver separação de classes”, a autora do livro Casas com Escritos (Bizâncio, 2015) também destaca a facilidade de os residentes de Campo de Ourique se “abastecerem do ponto de vista material e espiritual”, lembrando que “o mercado tem uma igreja ao lado”.
A obra de João Louro revela a paixão do artista por automóveis especialmente clássicos, esclarece “mas não há nada como andar a pé”, afirma. E, quanto ao que poderia ser melhorado em Campo de Ourique… “O estacionamento é considerado infernal, há poucas alternativas”, lamenta. A pressão do tráfego automóvel sobre os bairros é inegável, “sobretudo nas zonas históricas”, alerta o arquiteto Manuel Graça Dias. “A ideia de vida de bairro está relacionada com uma nostalgia por uma cidade mais calma que já não existe. O automóvel é um problema. Todos a circular ao mesmo tempo em automóveis privados torna-se impraticável. Temos de repensar a maneira como nos deslocamos para passarmos a utilizar mais o transporte público, andando também a pé para diminuir o stresse que é atravessar a cidade”, reflete. De acordo com o arquiteto, o bairro contemporâneo procura “reativar a vida de província, mas com um lado cosmopolita associado”. O bairrista do séc. XXI quer ter acesso a um leque variado de oferta cultural e, ao mesmo tempo, poder fechar-se na sua concha a ler o jornal no café da esquina.
Maria Assunção Gato tem-se deparado com muitos casos de pessoas que valorizam os bairros pela possibilidade de contrariarem o anonimato, “sem serem demasiado invasivos”, recuperando a autenticidade das relações de vizinhança. Richard Zimler delicia-se com a simpatia dos que o conhecem e são simpáticos, “sem nunca chatearem”.
Ver a Foz tornar-se mais multicultural, sem perder a sua identidade, também lhe agrada. “Estou muito grato por não sentir o stresse habitual das cidades. Isso não tem preço”, afirma. Na verdade, reclamações, só tem uma: “Ainda não temos uma livraria no bairro, é uma vergonha!”. Quando chega um amigo do estrangeiro, tem sempre pressa de mostrar a “natureza mágica” que tem por perto.
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