Sim, os bairros estão na moda, diz-nos a investigadora Filipa Ramalhete do Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território, da Universidade Autónoma de Lisboa, mas é preciso considerar os aspetos positivos e negativos desta equação. “O problema é que nós não sabemos exatamente onde está o limite em que já estamos a expulsar os moradores que lá estavam em nome do turismo, por exemplo”, afirmou Filipa Ramalhete à VISÃO. A investigadora também deixou algumas pistas sobre o futuro dos bairros, que poderá passar por uma maior preocupação com a (crescente) população idosa, assim como pelo regresso à partilha de casa. No seu entender, a dinâmica dos bairros está para durar.
A ideia de bairro tem um lado emocional forte?
A questão emocional tem muito a ver com o facto de, em Lisboa, até há pouco tempo, haver uma certa estabilidade na residência. As pessoas tinham uma ligação quase de uma vida inteira ao bairro e, obviamente, muito emocional, também devido às relações familiares e às memórias que partilhavam. Os próprios laços afetivos com os comerciantes do bairro contribuem para as pessoas se sentirem confortáveis e reconhecidas naquele espaço. Provavelmente, com as novas gerações, isto vai mudar um pouco. As pessoas passam a escolher o bairro com que mais se identificam, já estamos a ver isso acontecer em locais como a Graça ou Alfama, em que as pessoas não nasceram nem cresceram ali, mas querem ir viver para um bairro com aquelas características.
Os bairros estão na moda?
Para o melhor e para o pior, creio que sim. Os bairros estão na moda, mas nunca se optou por delimitar a cidade por bairros, não sei se seria útil ou não, mas a verdade é que, de alguma forma, o discurso turístico sobre a cidade sempre esteve assente nos bairros. Já no tempo do Estado Novo o discurso das marchas populares estava ligado à identidade do bairro, no despique entre um bairro e outro que ainda hoje se verifica. Esta ideia de que há vivências diferentes em diferentes zonas da cidade, e que estas vivências até competem entre si, já tem meio século. Os bairros estão na moda e não estão para acabar.
O facto de estarem na moda pode ser uma ameaça?
Tudo tem aspetos positivos e negativos. O facto de estarem na moda e de chamarem à atenção também pode valorizar a cidade. Haver mais investimento e mais procura também faz com que os edifícios sejam alvo de recuperações mais interessantes. O problema é que nós não sabemos exatamente onde está o limite em que já estamos a expulsar os moradores que lá estavam em nome do turismo, por exemplo. Há que encontrar um equilíbrio. Se as alterações forem muitas, daqui a dez anos aquilo que as pessoas procuram pode já não estar lá. O pior que nós podemos querer fazer é cristalizar uma cidade, a cidade é um tecido vivo e está sempre em transformação, mas há que ter cuidado e fazer as coisas com alguma calma para que a mudança não seja demasiado rápida.
O que é que contribui para o sentimento de pertença a um bairro?
Por um lado, a longevidade que parece ainda existir nos bairros de Lisboa, continuamos a ter, mesmo em bairros relativamente recentes como Telheiras, várias gerações no mesmo bairro. Por outro, as pessoas têm algum orgulho no seu bairro, há uma identidade para além de ser lisboeta, que é a identidade do sítio onde vivem.
O comércio também contribui para esse sentimento de pertença?
Sem dúvida nenhuma. O comércio é muito importante para os lisboetas. O café de bairro, a papelaria para comprar o jornal, pequenas coisas que, para uma população maioritariamente envelhecida, são fundamentais.
Consegue antecipar alguma tendência relativamente ao futuro dos bairros?
Apesar de haver algum rejuvenescimento, Lisboa tem uma tendência muito grande de envelhecimento, temos que pensar em aspetos como a mobilidade, tendo em conta que os bairros terão uma população tendencialmente idosa. Depois, também há uma tentativa de flexibilizar o arrendamento, nota-se que o aluguer por parte de estudantes se intensificou, há mais curta permanência quer de estudantes, quer de turistas. Estamos a regressar à partilha de casa, também devido à crise ou ao envelhecimento da população porque os filhos regressam para cuidar deles. Esta tendência de partilha era muito comum nos anos quarenta até aos sessenta, os chamados quartos independentes. Mas isto não é estatístico, é uma análise genérica.

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