“Escala humana” são as palavras que João Seixas, urbanista, começa por associar à ideia de bairro. O professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa conversou com a VISÃO no âmbito da iniciativa Por Um Bairro Melhor, que pretende contribuir para dar nova vida aos bairros portugueses, promovida pela VISÃO, SIC Esperança e Comunidade EDP.
João Seixas falou da revalorização da ideia de bairro, mas também das ilusões que lhe estão associadas, criticando a sua excessiva especialização, já que os bairros, tal como as cidades, devem ser espaços de diversidade.
O investigador ajuda, ainda, a perceber até que ponto é real o cliché de que “o bairro são as pessoas”.
O que é um bairro?
Um bairro resulta da conjugação de vários elementos que têm necessariamente escala humana. É muito importante que haja essa escala na configuração e no entendimento daquilo que é um bairro.
Como é que se revela essa escala humana?
Há um sentido de comunidade, mesmo que as relações pareçam frágeis ou quase inexistentes, existe um entendimento comum por vezes silencioso, outras vezes muito ruidoso, sobre o que cada um entende sobre um território enquanto bairro. Pode não ser necessariamente o residente desse bairro, mas alguém de fora que entende aquele território como um bairro.
Quais são as razões para a formação de um bairro?
Em primeiro lugar, há razões funcionais, de vida urbana quotidiana. Um bairro implica as mínimas funções que nós entendemos como essenciais para a vida urbana: habitat, espaço público, espaços de relacionamento, edifícios numa grelha relativamente comum e identificável e espaços comerciais de transação e intermediação. Tudo isto é importante em termos orgânicos. Há também razões urbanísticas, há muitos bairros que são planeados como um todo a nível urbanístico, como Alvalade, Campo de Ourique ou as Avenidas Novas, falando apenas de Lisboa. A criação de componentes morfológicas, físicas e planeadoras para que, a partir daí, possa crescer uma comunidade. O termo comunidade é muito importante. Sobre uma base física de planeamento constrói-se uma escala de relacionamento humano. Isso é um bairro. Há outras razões, afetivas e de identidade, que estão ligadas às anteriores, depois é a própria população que cria essas relações e esse entendimento. Finalmente, há um outro aspeto muito importante, a componente política e administrativa, muitas vezes os bairros estão definidos de forma política e administrativa.
Assistimos a um regresso aos bairros ou é uma ilusão?
Assistimos a um regresso aos bairros, com algumas ilusões. Assistimos a um regresso aos bairros porque a sociedade portuguesa tem cada vez mais consciência da qualidade da vida urbana como um valor importante, que acaba por trazer consigo a valorização da vida de bairro. Creio que há uma valorização da vida de bairro, com algumas ilusões pelo meio.
Que ilusões são essas?
A nível da gestão dos bairros, do planeamento e da política, ainda há pouca capacidade de gestão efetiva dos bairros no seu quotidiano. Há uma gestão cada vez melhor dos espaços públicos, dos ambientes de habitat – não estou a dizer habitação, estou a dizer habitat, ou seja, fora da casa – mas ainda não há muito uma gestão, por exemplo, ao nível do comércio quotidiano. Por outro lado, ainda temos um bocadinho a ilusão de que um bairro pode ser definido apenas por uma imagética de marketing, tal como acontece com as cidades. Fala-se na cidade do cinema ou de outra coisa qualquer, mas não são cidades. A cidade, intrinsecamente, tem de ter muita diversidade. Um bairro segue a mesma lógica.
A que é que se deve essa revalorização da vida de bairro?
Em primeiro lugar, porque há o reconhecimento de que a qualidade de vida nas cidades, e nos bairros, é em si mesma um valor que pode trazer outro tipo de progressos: económicos, sociais ou culturais. Antes, era apenas um objeto, agora, é também um objetivo. Depois, há o desdobramento do espaço-tempo, a revolução telecomunicacional a que assistimos nas últimas duas décadas, uma verdadeira explosão Gutenberguiana que, ao contrário do que se pensava nos anos 90, não fez o espaço perder importância. É precisamente pela revolução telecomunicacional que o espaço é mais importante do que nunca. Tudo aquilo que define as diferentes escalas do espaço, incluindo as cidades e os bairros, é percecionado como um capital e uma riqueza maior. São cada vez mais vistas como escalas onde pode haver novos tipos de desenvolvimentos económicos, sociais e culturais muito interessantes.
O bairro é importante como fator de coesão social?
É muito importante. A política começa no bairro. A nossa formação política começa no espaço público que nos está mais próximo, não é ao nível superior da Europa ou do Estado Nação. Saber se a política está a corresponder aos anseios de cada cidadão começa no bairro.
É inevitável dizer que o bairro são as pessoas?
Mais do que dizer que o que faz o bairro são as pessoas, digo que o que faz o bairro é o relacionamento entre as pessoas. O que faz o bairro são as redes de inter-relacionamento e de comunicação entre as pessoas e os entendimentos comuns, e de comunidade, que as pessoas têm em determinado território.
Os bairros são a melhor ferramenta para humanizar as cidades?
Se forem vivos, diversos, dinâmicos, energéticos e ativos são uma das ferramentas fundamentais, mas não vou dizer que é a melhor porque há outras que também são fundamentais para as cidades, como as grandes infraestruturas, é preciso que as cidades tenham aeroportos. Mas sem dúvida nenhuma que os bairros são um dos pilares fundamentais desta casa.
Por um bairro melhor é a iniciativa que une a VISÃO, SIC Esperança e a Comunidade EDP em busca dos vizinhos mais ativos do País. Participe, dê ideias, contribua. Tudo por um bairro melhor.