Vera Barreto, 25 anos, será uma das protagonistas do novo filme de João Canijo, cuja rodagem, ainda está pendente dos “atrasos” dos financiamentos do ICA.
Lamenta que a educação não esteja mais associada à cultura, e acredita que “só quando a cultura deixar de ser encarada como um luxo é que este país avança”…
A mais nova (bastante mais) de quatro irmãos, Vera passava muito tempo sozinha. A mãe notou-lhe aquela maneira peculiar de brincar, de ficar horas no seu mundo, como se as fantasias fizessem parte da sua vida. Educadora de infância, em vez de reprimir a filha, incentivou-a, deixava-a estar presa nos seus enredos. E que ela se expressasse “assim”. Por isso, Vera tem a sensação de que ser atriz era algo que já estaria dentro dela, mas só se revelou, realmente, aos 15 anos quando ganhou uma bolsa para vir fazer um curso teatral em Lisboa. Foi aí que conheceu e trabalhou com João Canijo e a sua relação com a representação cresceu, tornou-se certeza, depois dúvida, hesitação (“tem sido muito intermitente”), e agora está “em estado de paixão”. Já não regressou ao Porto e a Aveiro, de onde é originária. Acabou por frequentar vários cursos e worshops, enquanto terminava o secundário, e o conservatório, “que foi uma experiência muito enriquecedora”, conheceu outras pessoas, outros métodos “e toda uma base teórica que me fazia falta”. Apesar de ter acumulado, por via familiar, muitas referências, sobretudo literárias, “dos ‘russos’ a Eça”. No início, conta, levava tudo com uma “intensidade brutal”, refletia muito sobre as coisas, agora acredita que também “é necessária uma certa leveza”. Ao contrário do que se pensa, “uma atriz não se esconde atrás da personagem, mas expõe-se. O próprio processo de trabalho revela mais do que esconde”. Aliás, considera, o teatro “obriga-nos a sair de nós próprios, a entrar dentro da nossa cabeça e na dos outros e, às vezes, revelam-se segredos”. Porque não se pode ser apenas veículo de uma voz de outro, “há sempre um eco de nós que sobressai” – Vera gosta muito de trabalhar o subtexto, “é muito rico” – e afirma: “O teatro é sempre político.”
Desde que acabou o conservatório, há um ano e meio, já passou pelo Teatro de Almada, pelo Teatro Taborda, pela Cornucópia (na peça O Estado do Bosque, de José Tolentino Mendoça). Também já teve de trabalhar em lojas, durante um tempo, “para se aguentar”: conta pelos dedos os colegas que nunca tiveram de o fazer. E dá aulas de expressão dramática a crianças, em colégios. Agora talvez até aceitasse participar numa novela, antes, quando isso se proporcionou, Vera não queria ligar-se a uma coisa que não lhe permitisse explorar e utilizar todas as suas faculdades: sobretudo o tempo de estudar, de se estudar, de se relacionar com o texto, “a TV apenas exige eficácia”. Por isso, com João Canijo, a experiência (com a atriz Rita Blanco, em Mãe Há Só Uma) foi tão especial e única. “Trabalhar com o João é duro. Pode ser violento, intenso, mas proporciona aos atores explorar todas as suas faculdades, em pleno”.
Vera Barreto é a escolha de João Canijo – Realizador
“Tenho quase a certeza de que a Vera se vai tornar num grande valor, em Portugal. Conheço-a desde os 15 anos (mas a sua maturidade não denunciava a idade), quando veio do Porto estudar para Lisboa. Fui seu professor e mentor. A Vera é uma atriz de uma inteligência rara, como pôde ser constatado, recentemente, numa peça da Cornucópia, e, além do mais, é muito segura de si, tem um sentido de humor muito fino e subtil e um talento enorme. Talvez seja, juntamente com a Rita Blanco, a atriz mais inteligente com quem já trabalhei.”