Não é só pelas cadeiras desenhadas por Hans Wegner, que estão na sala, nem pelas paredes e tetos de bétula, nem pelas linhas modernas e minimalistas da arquitetura de Pedro Brígida, que a Casa das Penhas Douradas parece um refúgio sueco na Serra da Estrela. É sobretudo por João Tomás, 55 anos, o lisboeta que deixou uma carreira com êxito na advocacia para se dedicar à hotelaria. João chegou às Penhas Douradas em 2006. Construiu um pequeno hotel de nove quartos num lugar que mal conhecia. Um lisboeta, que não gosta de “soluções convencionais”, desiste de uma vida certa, “ordenado generoso”, pega num Ferreira de Castro (A Lã e a Serra) e assenta arraiais com a família no cume da montanha (a mulher, Isabel Costa, 44 anos, também deixou o emprego: até há um mês era administradora da Sonae).
O hotel resulta da máxima de João: “Quando vemos um toque de génio não interrompemos.” E cá está o toque. O hotel é diferente em tudo – da arquitetura à decoração, do preço certo da refeição, “sem aquela manha do couvert” aos mimos que os hóspedes recebem, sem pedir. Um chá? Uma flûte de champanhe?
Este antigo assessor de Ribeiro Telles na secretaria de Estado do Ambiente emprega, agora, 20 pessoas. São quase todas de Manteigas, muitas delas desempregadas depois da falência das fábricas de lanifícios. Algumas têm mais de 50 anos e isso é, para João, uma mais-valia, não um obstáculo. Todas têm contratos sem termo. Recebem uma parte dos lucros. Têm folgas quando a ocupação é baixa. E são “surpreendentes”, na forma como reaprendem uma nova forma de viver.
Com os projetos de João e Isabel, muita gente de Manteigas voltou a olhar para cima. As fábricas (havia-as com 900 trabalhadores) fizeram as pessoas fugir da Serra. Teares o dia inteiro, tac-tac, casa para descansar. Agora reaprendem o gosto da montanha. No hotel vendem-se produtos gourmet fabricados com o que a Serra dá. Ketchup de abóbora, pesto de urtigas, boletos. João e Isabel recriaram, também, o velhinho burel dos hábitos dos monges e das capas dos pastores. E já vendem mochilas com capuz, tapetes, pastas para computador, porta-revistas, tudo feito com aquela fazenda grossa de lã. “Queremos transformar coisas ancestrais em coisas novas”, diz João.
Para já, conseguiram o primeiro objetivo: “Surpreender.” O hotel ganhou a distinção de melhor projeto de turismo em espaço rural, em 2008. Duplicou o número de quartos. Tem um spa e uma piscina. As micro-empresas de produtos gourmet e de trabalhos de burel querem internacionalizar-se. E esta história, curta, já tem, para João, uma moral: “Conseguimos fazer coisas muito para além do que pensamos.” Talvez por isso tenhamos ficado à conversa, do jantar até de madrugada, e não se tenha ouvido, por uma vez, a palavra “crise”.