Há uma guerra em curso, no Alentejo. É uma peleja de morte, um diferendo a violeta e branco. Em poucos sítios a contenda é tão evidente como a norte de Mértola, na serpenteante estrada que liga a mais mourisca localidade portuguesa a Corte Gafo de Cima, Amendoeira e, finalmente, ao Pulo do Lobo. Manchas de rosmaninho e de estevas atapetaram a planície, adoçando a paisagem ondulada e dando uma cor e uma vida raras às azinheiras e sobreiros do Baixo Alentejo. Se não pacífica, a guerra é pelo menos a cores. Intensas.
Parámos a caravana da VISÃO antes do portão de acesso da propriedade do Pulo do Lobo. O termómetro marcava 29 graus centígrados e o bafo no exterior lembrava o sopro ardente de Julho (estamos em Abril, não é?). O companheiro fotógrafo, José Caria de sua graça, resmungava passo a passo contra o estio precoce, enquanto percorríamos o quilómetro e meio de ladeira que separa o limite da propriedade do mais traiçoeiro trecho do Baixo Guadiana. Antes de olharmos as águas trepidantes, um anémico, amarelecido e maltratado placard informa os visitantes que se encontram no Parque Natural do Vale do Guadiana.
Sob o miradouro improvisado, cercado de correntes para evitar desgraças, borbulham as águas do rio. Há aqui um desnível acentuado do leito e a água traçou a sua marca nas rochas, rosnando, incansável. É um legado da última glaciação, este acidente natural, e o nível dos atuais rápidos corresponde ao primitivo leito do rio. O outro, quando a água corria a uma quota superior, deixou a sua herança nas margens inóspitas e, próximas da água, despidas.
Depois de muito gorgolejar, o caudal amansa num grande pego, dito do Sável porque este era o limite de distribuição das espécies anádromas, as que, vivendo no mar e aí atingindo a maturidade sexual, desovam nos rios. No Guadiana, além do sável, até aos anos 70 ainda o mesmo acontecia com o esturjão, que deve ter percorrido o rio corrente acima, ladeado aqui e ali por renques de salgueiros.
Regressados ao conforto da caravana depois de feito o percurso inverso, contrariando a lei da gravidade mas confortados pelo restolhar nas moitas das perdizes, o termómetro já marcava 33 graus. Há uma guerra em curso, no Alentejo. Intensa.