Portugal começa a ficar no radar dos fundos de investimento que querem apostar na agricultura, uma procura que levou a consultora JLL a lançar uma nova área de negócios, a ‘Natural Capital’, liderada por Gonçalo Santos, responsável pelo departamento de Capital Markets. Investir em herdades agrícolas cria um equilíbrio no portfólio dos fundos que se querem não só diversificados mas também sustentáveis. Investidores institucionais europeus e norte-americanos, com grande foco nos fundos de pensões do Canadá, estão entre os maiores interessados nas herdades agrícolas do país.
Portugal é um país interessante para investir em Agricultura? Porque criaram esta nova área de negócio?
Os nossos clientes começaram a abordar-nos e a mostrar vontade de investir neste sector, mais alternativo, por diversos motivos: há private equaties muito presentes no setor imobiliário e que têm equipas dedicadas só à área agrícola ou florestal. Chamamos a esta unidade de negócio natural capital, muito alinhado com a denominação utilizada pelo mercado de investimentos para estas duas áreas – a agrícola, que é conhecida como agrobusiness e a área florestal.
Qual é perfil do comprador e do vendedor neste setor?
No lado do vendedor encontramos mais empresas e privados nacionais. Depois também depende muito da localização… Há zonas do país como o Alentejo e a zona do Douro (e nas vinhas, a presença de institucionais já é muito maior..) onde existem privados com áreas muito extensas de desenvolvimento ou até com áreas menores mas que encaixam numa lógica de agregação de um investidor que compre várias parcelas para compor uma maior área de intervenção. Do lado dos investidores, aí a diversidade é enorme. Vai desde o privado mais pequeno aos fundos de pensões dos maiores do mundo, a atuarem nesta área. Portugal, pela sua escala, entra numa lógica de atuação ibérica, portanto, nós olhamos para o território ibérico, em conjunto com a nossa equipa de Espanha, mas liderada por Portugal porque o expertise está na nossa equipa em Portugal. Não nos cingimos aos limites do território nacional para encontrar oportunidades.
Portanto, do lado de quem compra estas herdades agrícolas há uma presença forte de fundos internacionais, é isso?
A JLL é uma empresa multinacional, trabalha muito com institucionais e, por isso, o perfil de clientes que temos hoje em dia em carteira na JLL é muito mais internacional e institucional do que propriamente privado e de players mais pequenos… Mas, com o desenvolvimento da área, é normal que, à semelhança das outras áreas de negócios que desenvolvemos em Portugal, a nossa carteira de clientes se vá alterando e a presença de players nacionais e de menor escala comece, cada vez mais, a ter maior representatividade na carteira.
Quando estes fundos internacionais compram herdades de vários hectares com oliveiras, sobreiros, amendoeiras, etc, o que fazem? Continuam a explorar a cultura agrícola?
É um negócio… E muito similar a um negócio de hospitality… Ou seja, há uma exploração de um ativo, só que não é um hotel, é um terreno. Esse ativo produz um rendimento e esse rendimento tem uma relação com o investimento feito e, portanto, tem uma yield (taxa de rentabilidade) associada. O racional económico é isto. O custo- receitas e aquilo que é a renda líquida – claro, depois de deduzidos os custos de exploração – representam uma determinada taxa de retorno sobre o investimento feito. Este tipo de ativos permite a diversificação dos investidores nas suas carteiras, permite também ter aqui uma parte do seu volume de investimento em ativos cuja resiliência e performance ao longo das décadas se torna bastante estável e bastante previsível. Além disso tem uma componente de sustentabilidade importante, algo cada vez mais importante hoje em dia do lado do mercado. Hoje, todos atuam no mercado com esta consciência e esta vontade de poder fazer um mundo melhor. É de facto aquilo que também está presente no lado dos investidores quando pensam em diversificar para esta área do natural capital.
Portanto, podem comprar a herdade, arranjam alguém que faça a exploração agrícola e depois retiram daí os proveitos inerentes, certo?
Exatamente. Claro que depois o negócio agrícola tem as suas idiossincrasias, mas em termos de racional económico é exatamente isto: ou faz através de meios próprios ou através de um rendeiro, de um operador que depois lhe pague um determinado rendimento mas seja o operador a fazer a exploração no terreno e o investidor tem o retorno do seu investimento, principalmente porque os valores da terra agrícola e dos custos de produção em Portugal e na Península Ibérica ainda são bastante competitivos e por isso o investimento é muito interessante, as taxas de retorno são muito interessantes.
Uma herdade vale pelo que tem lá cultivado, se tem água ou não, tudo contribui para o seu valor. Quem investe compara, naturalmente, se a propriedade é mais apropriada para vinhas ou oliveiras …
Sim, isso é um estudo que nós fazemos…Por exemplo, imagine que alguém compra uma herdade que não tem totalmente definida quais são as culturas que vão ser lá desenvolvidas. O que nós fazemos é um estudo de consultoria estratégica de qual o melhor uso, quais as melhores culturas, tendo em conta as características da herdade como o acesso à água, a exposição solar, os tipos de solos, etc. Há vários fatores que nos permitem perceber se a herdade é vocacionada para uma só cultura ou se se apresenta como uma herdade que pode desenvolver diversas culturas. Neste caso, temos de comparar o desenvolvimento das mesmas entre custos e receitas, o valor do produto final, os custos necessários para o desenvolver, a quantidade de vezes que se consegue num ano rodar essas culturas, para perceber qual será o melhor uso para o solo tendo em conta essas opções de culturas que a herdade nos apresenta.
Voltando às yelds. Quando são contactados por grandes fundos, eles já cá estavam a investir noutro tipo de ativos ou descobriram agora Portugal, especificamente por este tipo de ativos?
Já. Muitas vezes por detrás de empresas que muitas vezes até são constituídas em Portugal e até têm staff português, há capital de uma private equity ou de um grande fundo de pensões.
Estamos a falar de fundos europeus, americanos?...
Neste momento a maior presença é de fundos europeus e norte-americanos, com grande foco nos fundos de pensões do Canadá.
Como se posiciona este tipo de ativos, em termos de yields, em relação a outros tipos de ativos?
As taxas de retorno são bastante interessantes…Agora, é difícil fazer uma comparação direta. Por exemplo, um edifício ou uma loja da Dior na Avenida da Liberdade é, teoricamente, um produto super-core que vai apelar a um capital mais conservador, ou seja, um capital que não quer risco mas sim um produto muito estável, numa zona em que aconteça o que acontecer, é uma zona com muita procura, e por isso tem uma exigência de retorno muito mais baixa. Portanto, estamos a falar normalmente de fundos de pensões que buscam ter um ativo durante muito tempo, onde o objetivo é recolher rendas e não ter um ativo muito exposto a riscos de ciclo ou mesmo de setor. Aqui no natural capital não existe bem essa segmentação, há uma exigência de retorno diferente… Há players que atuam só em vinha, ou só em olival, ou só em amendoal, lá está, porque também tem a ver com o próprio risco percecionado da cultura e as vezes que a cultura pode ser repetida e vendida durante um ano. Por isso, não há bem uma forma de fazer um paralelismo entre os outros ativos imobiliários e estes ativos porque eles, de facto, têm na sua génese comportamentos e performances económicas diferentes e taxas de risco diferentes que, no fundo, é o que compõe a taxa de retorno. Um investidor, normalmente, decide exigir determinada taxa de retorno com base naquilo que ele conseguiria aplicando o mesmo dinheiro num produto sem risco, acrescido de um prémio de risco(e este é composto por várias coisas, desde o risco do país, do sector, do ativo em particular)… Por isso é que tecnicamente é difícil fazer aqui um paralelismo entre estas duas áreas. Dito isto, são taxas de rentabilidade bastante interessantes e superiores àquilo que encontraríamos em ativos super core no mercado imobiliário. E por isso é mais uma motivação, para além da sustentabilidade e para além da diversificação, os players investirem nesta área… É também a taxa de retorno que a mesma apresenta, principalmente face ao risco que este tipo de ativos tem. Por vezes é preciso ter uma capacidade de investimento para fazer a transição tecnológica que esta área está a atravessar…
E que está sempre a mudar…
Precisamente. É uma área bastante mais complexa e tecnológica que à primeira vista possa parecer… O setor primário vem quase desde a pré-história mas os métodos de exploração da terra e de cultivo têm evoluído bastante, logo a tecnologia à volta deste tipo de explorações também tem evoluído bastante nos últimos anos. E estamos a falar de tecnologia que abrange desde a medição de níveis de humidade no solo, o controlo dos níveis de humidade na atmosfera, ter câmaras que vigiam, controlar a pluviosidade… Há uma série de sensores e programas que otimizam muito a exploração agrícola hoje em dia e, por isso, estes fundos trazem essa capacidade de investimento para levar aquela exploração agrícola para o próximo século em termos de tecnologia e de eficiência.
Mas ainda estamos nos primeiros passos nesse processo?
Depende das áreas… Há umas mais avançadas do que outras, mas sim, ainda temos muito caminho pela frente… Isso deixa-nos muito otimistas porque, de facto, se existem estas oportunidades – e ainda existem bastantes -, muito trabalho há a fazer pelos agentes. Faz todo o sentido uma empresa como a JLL estar presente neste mercado enquanto consultora para ajudar a apontar o caminho a fim de melhorar o sector.
Em que nível Portugal se posiciona neste mercado e qual é o país mais desenvolvido neste tipo de negócio a nível europeu?
Na UE há vários países de referência. A França é um deles, aliás o desenvolvimento agrícola em França é fortíssimo, mas a Ibéria – mais uma vez não restringindo a Portugal – oferece aqui uma oportunidade tremenda. O nosso clima, a qualidade dos nossos solos, são rotulados a nível mundial como tendo condições muito, muito boas. E por isso mesmo é que esta oportunidade surge: nós temos as condições, precisamos do investimento para que consigamos desenvolver esta área, e enquanto mercado Ibérico – friso isto de novo porque somos um país muito pequeno e não temos capacidade de escala – é uma vantagem que nos põe a competir com os maiores mercados europeus em termos de escala e de qualidade de produto. Já existem herdades em que a linha de fronteira atravessa-as. São detidas pelo mesmo proprietário, só que parte delas está em Portugal e tem o seu registo matricial em Portugal e outra parte está em Espanha, e está tudo bem, é uma exploração como se fosse só uma herdade.