Tem mais de 200 associados poderosos, nacionais e estrangeiros, que em conjunto somam um volume de investimento que representa anualmente mais de 15% do PIB nacional. A APPII – Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários celebra este ano três décadas de existência com um novo presidente – Hugo Santos Ferreira, 37 anos, veio suceder a Henrique Polignac de Barros que liderava a associação desde a sua criação. Jurista e gestor, o novo presidente defende o relançamento do setor assente em algumas premissas-base que passam pela redução do IVA na construção e a aceleração dos processos de licenciamento urbanístico que permitam reforçar a oferta de casas e reduzir os preços da habitação.

Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII – Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários
– O setor do imobiliário está a resistir bem à pandemia?
O setor mostrou bastante resiliência face a esta pandemia – aliás, o próprio Banco de Portugal já veio dizer que o sector imobiliário foi dos setores mais resilientes, se não mesmo o setor mais resiliente em pandemia, e de facto é verdade! Como é sabido, continuámos a construir, não parámos a atividade, continuámos a receber mandatos de investimento e dentro do possível a concluir transações. Aliás, fruto da pandemia existe mesmo um excesso de liquidez para investir. Os bancos centrais europeus e mundiais têm injetado liquidez na economia para fazer face a um eventual risco de recessão económica e se somarmos as baixas taxas de juro, faz com que o setor imobiliário, e nomeadamente o português, se mostre muito interessante para investidores nacionais e internacionais. Basta perguntar aos principais promotores imobiliários do setor para perceber que muitos dos empreendimentos que têm sido construídos têm uma grande percentagem de compradores nacionais.
É essa procura que justifica a manutenção dos preços das casas? Quando a pandemia começou houve alguma expectativa que os preços baixassem…
De facto a resiliência não foi só do setor, foi dos preços também. Pese embora ligeiras flutuações, entre acelerar e desacelerar ao longo de 2020 nos períodos de confinamento, naqueles meses fatídicos de março, maio e que foi terrível, mas nunca houve quebra de preços, atenção, foi uma desaceleração… Se olharmos para os dados concretos, por exemplo, para o índice de preços residenciais da Confidencial Imobiliário (CI), o que vemos são variações positivas homólogas. Se compararmos dados de dezembro de 2020 com dezembro de 2019 há uma evolução positiva a nível dos preços de 4,8% em Portugal. Se atendermos em Lisboa à taxa de variação homóloga do 4º trimestre de 2020 para o mesmo período de 2019 vemos variações positivas de 3% e o Porto representou variações de 10,3%. Ou seja, continuou a existir uma valorização dos ativos. Mas é verdade que houve menos vendas em 2020. Porque as pessoas estiveram nas suas casas, não puderam sair muitas vezes. Mais uma vez olhando os dados da CI vemos que em Portugal Continental houve -8% de vendas, ou seja, comparando com as 175 300 unidades vendidas em 2019 e as 161 500 em 2020. Lisboa registou um decréscimo de 18% e o Porto de 27%. E com menos vendas, os preços sobem? Sim, porque há uma grande carência de oferta de casas em Portugal.
Por outro lado, se formos olhar para o crédito à habitação, vemos que até novembro de 2020, o montante dos novos empréstimos face a 2019, aumentou em 5% (comparando 885 Milhões em 2019 para 926 milhões em 2020). Até lhe digo mais, para encontrar uma média mensal superior a 2020 é preciso recuar a 2008! Portanto, o setor do imobiliário está bem e recomenda-se! Apesar dos desafios que temos pela frente.
– No momento pré-pandémico já existia interesse por parte dos promotores em investir no mercado nacional. Espera-se que eles mantenham esse foco na classe média no pós-pandemia?
Eu acho que a grande oportunidade neste momento em Portugal em termos de investimento chama-se residencial para a classe média. Mas isto é o interesse. Questão diferente é se conseguem levar avante os seus projetos. E é aí que eu tenho chamado a atenção: hoje em dia, com todos os custos que são enormíssimos e crescentes, os chamados custos de produção para fazer habitação a custos acessíveis para os portugueses, não tem sido possível concretizar muitos projetos apesar da vontade que existe. E é fácil perceber porquê. O segmento alto não tem teto, consegue-se com melhores ou menos bons acabamentos colocar o produto no mercado e há sempre quem compre. O segmento para habitação acessível tem um teto, nós sabemos que o cidadão português pode pagar X valor por m2, o que significa que há um limite. E a questão que colocamos é: com esse limite e com tudo o que sabemos ser a promoção e o desenvolvimento de um projeto imobiliário, é ou não exequível construir habitação acessível? Nós achamos que não, infelizmente. E por isso é que temos, de forma preocupada mantido contacto muito regular com o Governo para resolver este problema.
E o que está englobado nestes custos de produção?
Desde logo o aumento exponencial do custo das matérias-primas. E o produto final, naturalmente, torna-se mais caro. A própria mão-de-obra, que já não havia – aliás estimava-se aqui há tempos uma escassez no setor da construção de cerca de 70 mil trabalhadores -, agora tememos que vá piorar por causa do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que tem muita construção de Obra Pública. Será interessante perceber como é que o Governo vai gerir a situação. Mas preocupa-nos também o licenciamento. Sabemos que há um caos no licenciamento, nomeadamente nas zonas onde a habitação é mais precisa, nos centros das cidades e nas que têm maior pressão urbanística, como Lisboa ou Porto. Sabemos que hoje em dia um projeto pode demorar 2,3,4,5 anos. O próprio atraso no licenciamento é um custo de contexto.
Que irá refletir-se no valor final das casas…
Sim, sabemos que cada ano de atraso no licenciamento urbanístico tem um impacto direto de 500 euros o m2 na venda final. Um projeto com venda a 2.500€ o m2, este pode acabar por ficar a 4.000 ou 4.500 €/m2. Resolver a questão do atraso nos licenciamentos é também uma forma de resolver o problema da Habitação em Portugal.
Outro caso gravíssimo que temos em Portugal é o IVA à taxa máxima de 23% na Habitação. Isto não se entende, é um caso isolado na Europa, nenhum país europeu tem IVA a taxa máxima não dedutível na Construção. Em Espanha, por exemplo, não há nem Imposto Municipal sobre Transmissões (IMT) nem Imposto de Selo. Aliás, há cerca de um mês a OCDE veio dizer que Portugal tem que rever os impostos na Habitação.… O cidadão português quando compra a sua casa tem de pagar 23% de IVA que o promotor da construção vai ter que incluir em algum lado e, claro, vai incluir no preço final; também paga 7,5% de IMT e 0,8% de Imposto de Selo – portanto dá cerca de 30%. E se somarmos mais taxas e taxinhas chegamos aos 40%! Por isso temos apelado aos nossos governantes para esta questão do IVA. Não é uma questão corporativa, de pagar menos impostos. É que, de facto, 23% num projeto de construção é a maior componente, o maior custo.
– O arrendamento é um problema crónico mas começam a surgir notícias de algumas intenções no âmbito do chamado Build-to-Rent, onde alguns fundos querem construir de raiz para arrendar. A APPII tem sido procurada por estes fundos?
Vou ser mais severo. Acho que nem sequer há projetos. Acho que há muita gente a falar nisso, mas projetos concretos em Portugal, executados, não conheço nenhum. Não o digo com gosto algum. Espero que existam, tenho ouvido nas notícias que os há, venham eles. Mas de facto, com a legislação que temos é praticamente impossível. Num questionário que fizemos aos nossos associados, o Portuguese Investment Property Survey, a nossa associação em conjunto com a CI lançou essa pergunta e a resposta foi muito expressiva: 33% dos promotores imobiliários olham para o Build-to-Rent como uma possibilidade de investimento atrativa, mas com o status quo legislativo e fiscal que existe no país, é difícil de concretizar. E como poderemos tornar interessante o mercado do chamado arrendamento acessível? Através de quatro eixos estratégicos, sempre trabalhando do lado da oferta e não do lado da procura. O primeiro eixo é disponibilizar mais matéria-prima, ou seja, não há terrenos para construir, não há edifícios para reabilitar. Segundo eixo e já falámos é simplificar o licenciamento urbanístico. Terceiro eixo: criar ambiente propício ao investimento, com enquadramento fiscal atrativo e duradouro e, portanto, credível. Por último, o quarto eixo é outro cancro, que é melhorar os tempos da Justiça. Estamos neste momento a caminhar para um protecionismo exagerado ao inquilino incumpridor.