A pandemia e os consequentes confinamentos estão a provocar uma desaceleração no investimento imobiliário mas esta travagem no mercado das altas esferas do setor, está longe de significar uma crise. Dinheiro não falta, está apenas à espera para ser aplicado. A tónica positiva foi dada ontem numa conferência global da CBRE, durante o evento digital “The Next Normal: Reset to Change”. Existem muitos milhões de euros de fundos institucionais e das chamadas ‘family offices’, empresas mais pequenas mas também elas com muita liquidez, que precisam ser aplicados e rentabilizados assim que os programas de vacinação anti-covid, um pouco por todo o mundo, permitam o regresso à normalidade.
Por cá, as estimativas não poderiam ser melhores tendo em conta este cenário. A CBRE Portugal estima que neste ano se possa chegar aos três mil milhões de euros em negócios concluídos nos vários subsetores do imobiliário comercial e onde se incluem o retalho, escritórios, logística ou ativos alternativos como as residências universitárias e séniores e o residencial de rendimento (edifícios para arrendamento geridos por entidades institucionais, os chamados projetos Multifamily, também conhecido por PRS, o Private Rented Sector).
“Apesar do impacto da pandemia, o interesse pelo mercado imobiliário permanece elevado, em função de um contexto de taxas de juro baixas e de elevada liquidez financeira a nível global”, realçou Francisco Horta e Costa, Diretor-Geral da CBRE em Portugal, lembrando que “Portugal continua a evidenciar fortes fundamentos imobiliários, nomeadamente um mercado ocupacional interessante e uma ainda reduzida disponibilidade de produto, estando bem posicionado para uma rápida retoma assim que os países começarem a sair desta crise sanitária”.
Setores como o residencial, logística, retalho alimentar e os já referenciados ativos alternativos vão estar em alta. Principalmente a partir do segundo semestre deste ano começarão a multiplicar-se os negócios mas, ainda assim, com uma expetativa de concretização muito alicerçada no bom andamento do programa de vacinação, fundamental para a retoma económica.
“2020 foi, apesar de tudo, um ano positivo para o investimento imobiliário: fechou com 2,9 mil milhões de euros transacionados, um resultado que o colocou como o terceiro melhor ano de sempre. E 2021 começa, desde logo, com um pipeline de negócios que é 50% superior ao que existia em 2020. Portanto, Portugal continua no radar dos investidores estrangeiros e neste momento, há várias operações com escala, de mais de 100 milhões de euros, em curso e que deverão estar concluídas ainda durante o primeiro semestre”, realçou Nuno Nunes, responsável pelo departamento de Capital Markets da CBRE, um dos presentes na conferência digital, por onde passaram vários responsáveis desta multinacional a nível global.
O mercado de arrendamento de longo curso, através do residencial de rendimento (o PRS), é um dos que está a atrair as atenções de quem investe. E não só em Portugal como se constatou pela partilha de informação dos responsáveis globais da CBRE. “O Private Rented Sector é, claramente, um dos setores-estrela na constelação do imobiliário mundial. Portugal está a dar os primeiros passos mas são passos firmes e seguros, pois o mercado existe e tem potencial. Aliás, em 2021, vai já assistir-se às primeiras transações relevantes neste setor”, disse Nuno Nunes.
No estudo apresentado pela consultora destaca-se ainda que o interesse dos investidores “nas transações de imóveis para promoção, deverá manter-se, nomeadamente em terrenos para habitação, com uma maior dispersão geográfica para diversos concelhos da área metropolitana de Lisboa e do Porto, assim como em zonas turísticas como o Algarve ou a costa litoral alentejana”.
“No mesmo sentido, os denominados setores alternativos como Residências de Estudantes, Co–working ou Ativos de Saúde, os quais tipicamente oferecem rentabilidades superiores ou perfis de risco mais conservadores, devem registar um aumento em termos de investimento”, acrescentou-se ainda no estudo.
O teletrabalho vai afetar os escritórios?
Os “escritórios são os elefantes na sala”! A frase foi repetida várias vezes durante a conferência em português e em inglês, consoante a nacionalidade do interlocutor. O teletrabalho tem vindo a provar a sua eficácia cimentando uma dúvida existencial no mercado de escritórios: poderá este ser o fim dos espaços de trabalho como os conhecemos?
André Almada, diretor do departamento de Escritórios da CBRE Portugal não tem dúvidas: “O ser humano é um ser social e não consigo conceber um tecido empresarial assente só no teletrabalho. Acredito sim, no futuro, num contexto pós-vacinação, no modelo híbrido em que parte do teletrabalho será mantido, com as empresas a permitirem ao trabalhador a escolha de um ou dois dias para trabalharem no local onde quiserem”.
Essa redução de dias de trabalho a laborar na própria empresa liberta espaço físico mas, defende André Almada, esse espaço ‘livre’ será reconvertido em áreas apelativas que estimulem a criatividade e a dinâmica de grupo. “Irão surgir cada vez mais espaços de escritórios tão confortáveis como as casas mais confortáveis, sustentáveis e com tecnologia de ponta que permita aos trabalhadores serem mais produtivos”, realçou o responsável, lembrando que essa tendência já se estava a consolidar com Portugal a manter-se bem posicionado perante outros países da Europa do Norte e da Europa Central na capacidade de atração de multinacionais, graças a alguns dos maiores trunfos do país – segurança, sol e qualidade de vida.
A certeza vem também das contas feitas pela consultora quando à procura por novos espaços – no início do ano, a CBRE registava uma procura de espaços qualificados de escritórios ainda não satisfeita de 90.000 m2 em Lisboa e de 25.000 m2 no Porto para uma oferta existente de, respetivamente, cerca de 50.000 m2 e 35.000 m2. Valores que sustentam a resiliência das rendas. A CBRE não antecipa em 2021 alterações no valor das rendas prime que deverão manter-se em €25/m2/mês em Lisboa e €18/m2/mês no Porto.
A hora da logística
O impacto da pandemia e o ritmo de recuperação será distinto entre os diversos formatos de retalho. Os centros comerciais terão os seus resultados afetados no primeiro trimestre de 2021 dado o atual confinamento, mas poderão contar com uma recuperação gradual da procura a partir da Primavera, aponta o estudo da consultora. “Já os retail parks estão sujeitos a um menor decréscimo na procura, sendo que algumas das atividades que integram até têm registado resultados superiores a 2019, como são o caso dos supermercados, lojas de artigos para o lar, bricolage e eletrónica de consumo”, referiu Carlos Récio, diretor do departamento de retalho.
O comércio de rua nas zonas prime irá continuar a ser fortemente impactado, enquanto não se observar o retorno dos turistas, o que só se deverá acontecer, ainda que com uma expressão muito reduzida, na época de verão. Nos casos do centro histórico de Lisboa e do Porto, muito dependentes do turismo, só se deverá verificar uma recuperação mais consolidada em 2022, altura em que se prevê uma retoma mais relevante no setor da aviação comercial, preconiza a CBRE.
Com a pandemia a obrigar à contenção nas compras presenciais, o comércio online irá consolidar-se e, com ele, “o crescimento exponencial do setor logístico”, diz, por seu turno, Nuno Pereira da Silva, que lidera o departamento de logística da CBRE.
“Houve grandes adaptações dos players do mercado que foram obrigados a repensar toda a sua estratégia comercial e no geral adaptaram-se bem”, referiu o responsável, acrescentando que “há muita procura por estruturas ou edifícios mais pequenos perto das cidades”.
A disponibilidade de espaços de logística vai continuar, porém, reduzida ao longo de 2021. Ainda assim, começam a surgir “projetos de construção especulativa”.
As quebras verificadas na cadeia de abastecimento durante a pandemia realçaram ainda a dependência de Portugal face ao exterior (principalmente de Espanha), evidenciando a necessidade de criar hubs logísticos no País, pelo que se antecipam alguns movimentos neste sentido ao longo do ano, refere-se no estudo.
Turismo – recuperação só daqui a dois anos
A recuperação do turismo vai demorar face à grande dependência dos mercados externos, não se prevendo que o setor atinja os níveis registados em 2019 antes de 2023-2024. Ainda assim, referiu Duarte Morais Santos, diretor da área de Hotelaria na CBRE, em algumas regiões a retoma poderá ser muito rápida. “A recuperação deverá acontecer a duas velocidades, consoante as regiões – o Algarve, por exemplo, se tudo decorrer dentro do previsto com o programa de vacinação, poderá ter um dos melhores Verões de sempre. Já Lisboa, que depende do turismo de negócios e de turistas como os brasileiros e americanos vai demorar mais tempo a recuperar”. Também a Madeira e os Açores teriam todas as condições para uma recuperação rápida mas estão muito dependentes do setor da aviação, sublinhou o responsável.
O desempenho hoteleiro vai continuar a ser mais positivo em zonas com menor densidade populacional fruto do contexto pandémico, com as regiões Centro e do Alentejo a serem novamente as grandes beneficiadas, tal como sucedeu em 2020.
“É também expectável que as mudanças de hábitos e os requisitos de segurança impulsionem a diversificação de produtos. O turismo de natureza e o de bem-estar, os serviced apartments e boutique hotéis, e as second home em resorts turísticos afirmam-se como soluções com perspetivas de crescimento”, refere-se no estudo.
Preços das casas vão baixar?
Não, diz Patrícia Clímaco, diretora da Castelhana, parceira da CBRE para o mercado residencial. As taxas de juro na concessão de crédito continuam baixas (o que estimula a compra de casa), os licenciamentos estão ainda mais demorados (o que contém a oferta de produto novo) e a casa ganhou uma importância ainda maior junto das famílias, condições perfeitas para que a procura de casa seja muito maior que a oferta, o que vai assegurar uma certa estabilidade no valor das casas durante este ano, diz a responsável, acrescentando que ainda assim, poderá assistir-se a uma ligeira queda nos preços, a qual deverá ser mais acentuada no produto de segunda mão.
A manutenção das moratórias bancárias, enquanto não se iniciar uma recuperação consistente da atividade económica, é também da maior relevância para a estabilidade do setor, diz a CBRE.
Embora seja um contexto difícil para fazer previsões, a consultora aponta ainda para níveis de transação idênticos aos de 2020, isto é, cerca de 165 mil casas vendidas.
Os segmentos residenciais mais dependentes do mercado estrangeiro deverão continuar a ser penalizados, não apenas pelas restrições de viagens, como também pela incerteza relativamente ao fim do programa de vistos gold na região litoral. Entre os maiores desafios do residencial para 2021, Patrícia Clímaco apontou a morosidade dos processos de licenciamento, as alterações legislativas e fiscais e a digitalização do setor, para permitir agilizar os CPCV (contratos de promessa de compra e venda) e as escrituras.