Investigadora no Departamento de Aeronáutica e Aeroespacial do MIT, nos EUA, Afreen Siddiqi, 47 anos, americana, com origens no Paquistão, esteve em Lisboa no princípio da semana passada, para conversar sobre o seu percurso com estudantes da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, na Caparica. Gosta muito de ensinar e, segundo diz, sente-se motivada pela urgência dos problemas relacionados com a sustentabilidade. O seu trabalho tem-se centrado no uso equitativo da tecnologia e dos recursos humanos com o objetivo de melhorar o bem-estar humano. Recentemente, a NASA abriu um concurso para apoiar projetos de investigação em sustentabilidade espacial de cinco equipas universitárias: Synthesizing Frameworks of Sustainability for Futures on the Moon, dirigido por Afreen Siddiqi, foi um dos projetos selecionados.
Como é conversar com as gerações mais novas e, de certa maneira, inspirá-las?
Fiquei muito impressionada com as perguntas que os alunos me fizeram em Portugal. Foram perguntas muito ponderadas e detalhadas e, por isso, fiquei muito feliz por ver este nível de interesse e curiosidade das gerações futuras.
Se tivesse de explicar o seu projeto a pessoas que não percebem nada do tema, como o faria?
Basicamente, utilizo modelos matemáticos, que são conjuntos de equações que representam sistemas técnicos. Estes sistemas técnicos podiam ser automóveis, podiam ser naves espaciais, podiam ser infraestruturas. Utilizo estes modelos matemáticos ou equações para analisar, essencialmente, como é que estes sistemas funcionarão quando o ambiente estiver a mudar, quando os mercados mudarem, quando as pessoas mudarem.
Como recebeu a notícia de que a NASA iria financiar o seu projeto de sustentabilidade na Lua?
É maravilhoso poder ter a oportunidade de trabalhar num projeto financiado. Estou muito entusiasmada por trabalhar nessa área, para analisar as futuras missões à Lua e perceber como podemos torná-las sustentáveis.
Mas calculo que não seja o seu único projeto…
Não, tenho outros em que trabalho e que estão relacionados com infraestruturas. Por exemplo, trabalho com sistemas de energia e água, assim como tecnologias. Trabalho em vários sistemas diferentes, mas todos com a mesma pergunta-base: como podemos modelá-los com equações matemáticas para que possamos projetá-los e operá-los melhor sob condições variáveis?
Como considera ser o futuro da exploração espacial?
A meu ver, a exploração espacial é ambiciosa e inspiracional. De certa forma, é o melhor da Ciência porque se baseia apenas na curiosidade. Não se sabe o que se vai descobrir. É a Ciência a ser movida pela curiosidade, especialmente para aquelas pessoas que são capazes de se entusiasmar com as descobertas científicas. Agora, como será a exploração espacial no futuro é muito difícil de prever, especialmente a longo prazo. Mas acho que será cada vez mais internacional. Penso que há muitos países, muitas universidades que estão cada vez mais envolvidas na atividade de exploração espacial, o que é algo muito promissor e entusiasmante de observar. Julgo também que será mais barato.
Porquê?
Os custos de lançamento baixaram. Há muito mais capacidade de computação a um custo muito mais baixo. Portanto, esta é também uma tendência muito promissora. Além de ser mais barato, vamos conseguir fazê-lo de uma forma muito mais eficaz, porque as capacidades são cada vez melhores. Tudo isto é muito emocionante.
Porque é que a sustentabilidade no Espaço é tão importante?
Hoje temos muito mais conhecimento do que tínhamos no passado sobre o que as atividades industriais e as atividades humanas podem fazer ao ambiente em que estão inseridas. Portanto, deveríamos assimilar todas as lições que aprendemos ao operar na Terra e ter cuidado enquanto operamos no Espaço. Um exemplo importante é a questão dos detritos orbitais, que são naves espaciais antigas e componentes que já não são utilizados na órbita da Terra e que se tornam um verdadeiro problema. Tornam-se lixo espacial, que pode atingir outras naves espaciais em funcionamento e destruí-las ou torná-las inutilizáveis. Outro problema da sustentabilidade espacial são os lançamentos.
Como assim?
Quando os foguetes são lançados, temos de pensar nas emissões que criam e em como podemos reduzi-las. Até agora, os lançamentos de foguetes não têm sido em grande número. Mas, no futuro, se estivermos a falar de minilançamentos, com ordens de grandeza superiores às que temos hoje, então teremos de levar muito a sério as implicações das emissões. Por último, quando vamos operar em superfícies planetárias, como a Lua ou Marte, também temos de ser muito mais sábios ao pensar sobre o que as nossas operações na superfície podem fazer em termos de criação de emissões, de alteração do terreno. Como podemos melhorar os nossos planos e as nossas atividades para não criarmos problemas que possam impedir a exploração científica (ou novos problemas nos quais nem sequer pensámos…). Por isso é importante a ideia simples de aprender com o passado.
O Espaço já está assim tão poluído?
Sim, por exemplo, os detritos orbitais são um problema crescente. Já temos um problema de entulho com o qual temos de lidar, mas agora já há atividades que estão a tentar regredir isso, de forma rigorosa. Por exemplo, nos EUA, criou-se a regra de que basicamente temos de trazê-los de volta para a Terra, não podemos deixá-los apenas no Espaço depois de terminarem as operações. Antes, não existia essa regra e a nave seria simplesmente deixada à deriva no Espaço. Isto já está a ser feito, mas não chega: existe já um nível de poluição que precisa de ser resolvido porque, caso contrário, tornar-se-á um problema para o futuro. Estamos na altura certa para pensar nisto.
E um dia vamos conseguir atingir a sustentabilidade ou isso é algo utópico?
Boa pergunta. Há muitos debates sobre o que entendemos por sustentabilidade. O que eu diria é que, neste momento, estamos a fazer um esforço para compreender o que significa realmente a sustentabilidade quando se trata de exploração espacial. Isto é algo que vamos ter de estudar com muito rigor. Mas é uma aspiração, sim, porque nunca seremos perfeitos. Penso, no entanto, que, mesmo que não alcancemos totalmente os objetivos que estabelecemos, esforçamo-nos por fazer melhor do que fizemos no passado. Reconhecermos as consequências negativas é que é importante. Mesmo que não cheguemos lá plenamente.
Numa perspetiva mais pessoal, como olha para o seu percurso?
Sinto-me muito sortuda. Sinto-me muito sortuda por ter tido as oportunidades que tive. Sinto-me muito sortuda por ter tido uma família que apoiou a minha educação, os meus sonhos. Quando era jovem, queria estudar o Espaço, ser astronauta. E a minha família ouviu e apoiou o meu interesse. E isso é muito importante, principalmente para as raparigas, terem este nível de apoio das suas famílias. Além disso, estar no MIT é uma viagem incrível, é muito gratificante ter tido grandes colegas e grandes mentores que trabalharam comigo, que moldaram o meu percurso profissional e continuam a fazê-lo. Pelo menos, sinto que tem sido uma experiência maravilhosa até estar agora nas áreas em que tive a oportunidade de trabalhar.
Como é ser mulher neste mundo da Ciência?
Também reconheço que existem desafios importantes a esse nível. Falo em termos de oportunidades que estão abertas para as mulheres e também em termos da orientação que recebem. E é por isso que ainda ensino. Acho, aliás, que esta é uma forma de retribuir. E a forma como o faço é lecionando no MIT, mas também no ensino profissional, que se destina a pessoas que não estão em programas de licenciatura, mas que podem estar a frequentar cursos mais curtos. Tanto quanto posso, tento chegar a um público mais vasto.
Quais foram os seus maiores obstáculos?
Quando se é investigador, diria que o pior é que, de certa forma, o trabalho nunca está terminado. É-se sugado para o ciclo de candidaturas a bolsas, redigir artigos e, no fundo, nunca ter uma divisão clara entre a vida profissional e a pessoal.
Como é o seu dia a dia?
Tenho filhos pequenos, que já estão na escola. Por isso, agora, o meu dia normal é muito diferente do que costumava ser há alguns anos. A minha rotina diária é ir para o MIT e, depois, é uma combinação de ensino, reuniões relacionadas com os meus projetos de investigação, todas as tarefas relacionadas, como revisão de artigos… Pelo meio, também tento viajar. Gosto muito de conhecer lugares diferentes, acho que é muito inspirador. O mundo é tremendamente diversificado, e eu adoro conhecer novos lugares, novos povos, novas culturas.
Está continuamente apaixonada pelo seu trabalho?
Adoro o que faço, porque sinto que as capacidades que tenho são para algo maior. A pergunta que faço sempre é: sabendo as capacidades que tenho, como posso usá-las para fazer o maior bem? Isto parece um cliché, mas é algo que considero mesmo relevante. E é por isso que gosto tanto do meu trabalho. De alguma forma, aos poucos, tento fazer coisas que possam ajudar. Também sinto que, quando escrevemos algo, significa que estamos envolvidos no processo de descoberta. Talvez, um dia, as pessoas escrevam livros com uma referência ao meu trabalho de investigação. Lemos livros que foram escritos há mil anos, certo? E é maravilhoso deixar algo para trás, algo de que outros possam beneficiar.
Que conselhos gostava de dar aos mais jovens que desejam seguir um caminho semelhante?
Aos jovens, o meu único conselho é que leiam o máximo que puderem. Não se deixem ficar pelas redes sociais. Vão ler outras coisas. Leiam os clássicos, leiam livros que resistiram ao teste do tempo. Há muita sabedoria a ser descoberta e sinto que as pessoas estão a perdê-la porque deixaram de ler aqueles textos clássicos e aqueles livros incríveis.
E, depois, acho também que devem envolver-se em algo que realmente consideram significativo. Porque, assim que o fizerem, farão o seu melhor trabalho. Nunca se cansarão do que estão a fazer e, com sorte, vão sentir-se muito satisfeitos com a vida. Encontrem algo que realmente vos inspire e depois façam com que isso seja o trabalho da vossa vida. Olharão para trás com esperança, sentirão que viveram uma vida plena.
Esperança num futuro melhor?
Muitas vezes, as pessoas sentem-se deprimidas ou preocupadas com o futuro. Acredito mesmo que precisamos de ser otimistas em relação a um futuro melhor, porque, muitas vezes, estas coisas tornam-se uma profecia autorrealizável. Mantenham a esperança, façam o melhor trabalho que puderem, assumam o melhor dos outros. E acho que, assim, o nosso mundo será um lugar melhor.