“A ideia de que as mulheres são menos infiéis com os homens é uma ideia falsa, porque os homens não são infiéis só com senhoras solteiras. As mulheres são é muito melhores a esconder “

Foto: José Carlos Carvalho

“A ideia de que as mulheres são menos infiéis com os homens é uma ideia falsa, porque os homens não são infiéis só com senhoras solteiras. As mulheres são é muito melhores a esconder “

Mais de 40 anos de experiência em terapia de casal chegam e sobram para José Gameiro, 74 anos, descomplicar a vida a dois. Numa entrevista a propósito do lançamento do Manual de Infidelidade (Avenida da Liberdade Editores, €17), o psiquiatra mostra como tudo pode ser mais fácil do que aquilo que imaginamos.

O título deste seu novo livro é enganador, não é?
É irónico. Quero desfazer o mito de que a infidelidade destrói as relações e mostrar que gosto muito de trabalhar com casais infiéis. Os casais com trinta anos de conflitos têm um prognóstico muito mau, mas os que têm uma crise (a infidelidade é a causa mais frequente) são os melhores porque estão ali fresquinhos, prontos a trabalhar.

Portanto, não ensina o leitor a ser infiel.
Não [risos], ainda que explique como as coisas se passam normalmente, os meios que as pessoas usam hoje em dia e como são apanhadas.

Dá ideias!
Ah, as pessoas já sabem as ideias todas. Mas a fidelidade e a infidelidade não são lineares. Já ouvi ene pessoas que foram infiéis dizerem “Nunca me passou pela cabeça.” E isso independentemente das confissões religiosas, que às vezes complicam as coisas. Dizem genuinamente “Pensei que nunca me ia acontecer. Tenho um casamento que corre bem, meti-me nisto e agora estou com dificuldade em sair.”

Escreve que a fidelidade é uma regra sagrada dos casais.
Noventa e nove por cento das pessoas não aceitam a infidelidade. Encontrei duas ou três vezes os chamados casais abertos, e sempre com uma das pessoas a aceitar a abertura contranatura, numa posição a que chamo de pseudomutualidade. “Aceito só para não te perder.” Ao fim de um tempo, aquilo dá para o torto, claro.

Afinal, do que falamos quando falamos de infidelidade?
O conceito genérico é “Tenho uma relação com outra pessoa fora do casamento e vou para a cama com ela.” Depois, há as relações platónicas, as relações digitais e até as relações de amizade que são sentidas como infidelidade. “Vais contar pormenores da nossa vida a outra pessoa. Estás a ser infiel ao nosso casamento.” Mais raramente, há casais em que o homem (porque é sobretudo ele) tem mais satisfação erótica com a masturbação a ver pornografia do que na relação.

Isso é sentido como infidelidade?
“Estou com um homem que tem mais prazer sexual a ver umas senhoras nuas ou a fazer sexo, na televisão ou no computador, do que comigo, e portanto está a trocar-me.” É complicado de tratar, porque quando o foco erótico está centrado na masturbação com a pornografia, torna-se difícil mudá-lo. O prazer na relação não se compara, nunca é tão forte.

A traição também é sentida de maneira diferente entre homens e mulheres?
Para os homens, tendencialmente, a questão física é a mais importante, ainda que eu não acredite que haja relações de infidelidade só físicas. A maior parte das pessoas ou é infiel crónico, que anda a saltar de cama em cama, e aquilo é uma coisa como beber um copo de água, como diz uma amiga minha, ou, depois de algum tempo, por muito frias que as pessoas sejam, criam-se laços. As mulheres têm mais tendência para relações também afetivas. Não é geral, mas continua a ser uma diferença de género, embora elas estejam a mudar e a ter comportamentos mais parecidos com os masculinos.

Tudo isto evoluiu muito. Estamos longíssimo do Flaubert a dizer, no tribunal “A Madame Bovary sou eu”, quando lhe perguntam “Afinal, em quem se inspirou?”
Era a ideia de que as mulheres são menos infiéis com os homens, o que é uma ideia falsa, porque os homens não são infiéis só com senhoras solteiras [risos]. As pessoas mentem nos inquéritos, mas quem estuda estas coisas acredita que andamos perto do fifty-fifty. As mulheres são é muito melhores a esconder.

Para as mulheres é importante saber se o parceiro ama ou amou a outra pessoa, enquanto para os homens é importante saber como foi a prestação sexual?
Saber como foi a prestação é importante para ambos e é uma das coisas que tento cortar imediatamente. A primeira parte da terapia de casal é muito dura, porque é quando a vítima faz perguntas sucessivas: como foi, onde foi, se foi por trás ou pela frente, desde quando… E eu, no respeito que ela tem de fazer perguntas e na dificuldade que a outra tem em responder, porque se sente culpada ou porque quer proteger a intimidade da chamada terceira pessoa (termo que me irrita), tento cortar. Costumo dizer “Olhe, nunca vai saber o que se passou, porque não esteve lá. E, quanto mais souber, mais na sua cabeça ficam fantasias catastróficas, o que vai dificultar o processo.” Também tento cortar uma coisa que acontece mais nas mulheres, que é quererem ir falar com a outra.

Ah! Elas vão pedir batatinhas?
Isso é frequente. A primeira coisa é saber quem é a outra, e, mesmo que o marido não diga, às vezes descobrem e querem ir falar com ela, o que é de altíssimo risco.

Porquê?
Porque a outra não é controlável. Desde poder mostrar mensagens até dizer que aquilo ainda continua ou “Nem pense que o seu marido tinha prazer consigo, comigo é que tinha.” A outra pode estar muito magoada com o facto de a relação ter acabado… Tento evitar isso, porque é devastador.

Isso acontece quando?
É na fase mais difícil da terapia de casal, que são as primeiras sessões, quatro, cinco, seis sessões. É aquilo que eu chamo a Via Sacra, em que tento controlar as conversas. Digo-lhes “Você precisa de falar, respeito isso inteiramente. O seu marido ou a sua mulher não quer, mas vai ter de conversar alguma coisa. Vão falar duas vezes por semana, durante meia hora ou três quartos de hora.” E, normalmente, as pessoas cumprem.

Sem reservas?
Balizo aquilo. Explico “Vai ter de dizer alguma coisa, como se sentia, o que sentia. É importante que fale, mas, as coisas factuais, se calhar tem direito de reserva. Portanto, tente negociar.” Após essa fase, que não passa de repente, a necessidade de saber tudo vai diminuindo. O interrogatório policial vai, então, baixando e começam a acontecer encontros do casal. E esses encontros são tórridos.

O pós-infidelidade é espetacular?
Não é sempre [risos], mas é muitas vezes, porque se está em competição com a outra pessoa. “Ai, ela/ele fazia-te isto? Eu também faço!” Aliás, basta imaginar que fazia.

Após a infidelidade, a relação fica mais próxima, mais cuidada, mais afetiva na sua expressão. E, sexualmente, é habitual melhorar bastante

A infidelidade é sempre um perigo?
A infidelidade tem um tempo em que pode ser muito ameaçadora para o casal, e esse tempo não é longo. Há um dos elementos que começa uma relação de infidelidade, está apaixonadíssimo e genuinamente disposto a separar-se. Mas, se as coisas não se resolvem nos primeiros seis meses a um ano, se não sai de casa, a relação acaba ou cronifica. Equilibra-se naquela instabilidade. Do outro lado, pode acontecer a mesma coisa, se a pessoa também for casada. E ainda há outra situação complicada, que é quando ambos combinam separar-se, um deles consegue, mas o outro borrega, como dizemos em aviação.

Quando vão ter consigo, a infidelidade já acabou?
Ou vai acabar. Só trabalho com casais que decidiram que a relação que está fora tem de acabar. Faço entrevistas individuais no início e já fui aldrabado, mas a maior parte das vezes não sou enganado. Se foi ele o infiel, tento perceber se aquilo está mais ou menos resolvido e, depois, pergunto à mulher “Então, e consigo, como foi?” Muitas vezes, ela responde “Comigo houve uma história, mas foi só de uma noite.” Porque há quase sempre histórias [risos].

E a questão de contar ou não contar?
A maior parte das pessoas foi descoberta, raramente conta. Deseja contar, mas vão adiando.

Contar parece-me egoísta, só para aliviar a consciência.
É uma espécie de cloaca, é mandar a porcaria para cima do outro.

Não é pela necessidade de ser honesto?
Pode ser, mas não é tão linear. Estou a lembrar-me de um casal em que ele contou que tinha tido uma aventura forte sete anos antes. Não aguentava viver assim e abriu uma crise no casal, que se resolveu. O que costumo dizer aos meus amigos que vêm falar comigo (nesses casos, posso ser diretivo) é “Tens duas hipóteses: ou esperas que sejas apanhado, e a crise rebenta nessa altura, ou falas neste momento, vais ter uma crise, e a crise é dura. Mas, se queres continuar com ela/ele, não é por isso que vai separar-se de ti.”

Lá está: a infidelidade não leva obrigatoriamente ao divórcio.
E, provavelmente, sai um casal melhor depois disso, mas é uma aventura dolorosa.

A via sacra de que falava há pouco é um caminho de grande sofrimento.
Tenho sinais de que a pessoa está a começar a dar a volta quando há intervalos livres em que não pensa muito naquilo, em que se consegue aproximar do outro, até fisicamente. Mas, às vezes, é tão duro que tenho de lhe dar um antidepressivo. Dou isso in extremis, ao fim de seis meses.

Porquê seis meses?
Porque, se não resolvem aquilo nos primeiros seis meses, a pressão é tão grande que pode pôr em causa o casal. Não por causa do que se passou, mas por causa da tensão criada durante aqueles meses todos e do atirar sistematicamente culpas. Há uma altura em que atirar culpas tem de parar, porque o elemento que foi infiel diz “Estou arrependido, mas não posso voltar para trás e, portanto, não passes a vida a culpar-me, porque senão isto não avança.” E tem razão. Senão, gera-se uma tensão tão grande que o casal começa a desfazer-se.

Também escreve que a crítica sistemática, essa sim, pode ser…
É o pior indicador a prazo, está estudadíssimo. Se antigamente era aceite os homens criticarem as mulheres todo o tempo e elas calarem-se, hoje isso acabou.

Porque as críticas são destrutivas?
Há níveis de crítica, mas elas podem ir num crescendo e, ao fim de um tempo, a autoestima das pessoas vai… [faz um gesto de algo a cair]. Se estou com alguém que passa a vida a chamar-me burro, atrasado mental ou…

Ou seja, colocamo-nos, a nós, em causa na relação.
A pessoa que está connosco, ao fim de uns anos, conhece-nos cirurgicamente. E vice-versa. Sabe onde há de atingir, onde há de atirar a seta perfeitamente.

Como é que se avalia o amor?
O amor não se avalia. Não tenho nenhum medidor de amor, nem quero ter. Sei do meu e já não é mau [risos]. Eles é que têm de perceber se ainda gostam do outro. Vamos fazer uma caricatura: as pessoas chegam e dizem “Achamos que isto está no fim, já não gostamos um do outro…” Aí, provoco-os: levanto-me e digo-lhes “Vamos embora, é?”

E o que acontece quando aparecem os sentimentos de uma forma mais genuína?
As pessoas dizem uma de duas coisas: “Já não quero discutir mais contigo, mas também não quero mais estar contigo”, e, aí, o amor claramente desapareceu, ou então “Vamos a isto, porque ainda sinto alguma coisa.”

Disse que, uma vez ultrapassada a crise, o casamento pode tornar-se uma coisa melhor. Quer explicar?
Existem duas características que normalmente ficam. Para começar, a confiança nunca é completamente readquirida ou demora muitos anos a sê-lo. A parte positiva é que, pelo menos nos primeiros tempos, a relação fica mais próxima, mais cuidada, mais afetiva na sua expressão. E, sexualmente, é habitual melhorar bastante.

Começa o interesse e o cuidado?
Mesmo que a relação antes fosse boa, porque há infidelidades em casamentos que funcionam e a ocasião faz o ladrão. Mas, após a crise e passada uma fase inicial em que o contacto é complicado, as pessoas ficam mais próximas fisicamente.

Também por causa das fantasias, como conta no livro?
Essa é uma história clássica minha, a do homem, já de uma certa idade, que arranjou uma história no Brasil, com um filho, e aquilo rebentou tudo… Quando o casal me apareceu, a senhora vinha com um ar deprimido, mas, à terceira ou quarta sessão, parecia uma jovem, toda apinocada. E, no fim, ele disse-me “Ela agora quer todos os dias, porque diz que com a outra devia ser uma vez por dia ou mais, e eu não aguento isto. Já tenho meia-idade e conheço-a há 40 anos, o dr. dá-me alguma coisa?” E eu lá lhe dei uns comprimidos.

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