“A Ciência é ter a capacidade de fazer perguntas e de tentar encontrar respostas. Errar, aprender com os erros, fazer de novo, lançar caminhos e, de vez em quando, chegar a um beco sem saída”

Foto: Marcos Borga

“A Ciência é ter a capacidade de fazer perguntas e de tentar encontrar respostas. Errar, aprender com os erros, fazer de novo, lançar caminhos e, de vez em quando, chegar a um beco sem saída”

Dir-se-ia que foi premonitório. A menina de 7, 8 anos, que nunca gostou de bonecas e que punha o comboio elétrico do irmão mais velho a funcionar, tornar-se-ia a pioneira da robótica móvel no nosso país. Nesta entrevista, Isabel Ribeiro, hoje com 67 anos, conta ao pormenor como nasceu a sua paixão pelos robôs, desde o momento em que, em 1986, foi perseguida por um cilindro com um anel de sonares, na Carnegie Mellon University, nos EUA, onde preparava o seu doutoramento. Seguiu-se um longo caminho de tentativas e erros, em muitos projetos de investigação e desenvolvimento, até chegar à precisão dos AGV (sigla em inglês para veículos guiados automaticamente), com a dimensão de um camião TIR, que vão circular dentro dos espaços livres de um reator de fusão nuclear, o ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor), que está a ser construído no Sul de França, projeto que associa numerosos países (EUA, Rússia e China incluídos…). Como se não bastasse, esta professora distinta do Instituto Superior Técnico mergulha a 40 metros de profundidade no oceano.

Diria que é fascinada por Ciência desde que se lembra?
Do que me lembro é de aos 7, 8 anos termos lá em casa um comboio elétrico Marklin, que estava instalado numa enorme mesa, e que tinha sido oferecido ao meu irmão, pouco mais velho do que eu. Tinha várias composições, passagens de nível, semáforos. Recordo-me de passar horas debaixo da mesa a fazer as ligações para as agulhas, os semáforos, punha tudo aquilo a funcionar.

Sendo tão pequena, como conseguia fazer isso?
Por tentativa e erro. E é assim que na Ciência aprendemos e fazemos, como descobri bem mais tarde. Para mim, a Ciência é ter a capacidade de fazer perguntas e de, depois, tentar encontrar respostas. Errar, aprender com os erros, fazer de novo, fazer outras perguntas, lançar caminhos que parecem promissores e, de vez em quando, chegar a um beco sem saída. Aí, voltamos para trás, mas alguma coisa aprendemos.

De regresso à sua infância: onde ficavam as bonecas?
Nunca gostei de bonecas. Nem me lembro de haver bonecas lá em casa.

Eram substituídas pelo quê?
Por um kit de chaves de fendas e de alicates, por exemplo. Gostava de aparafusar e de fazer construções com os [brinquedos] Meccano. Gosto de coisas de mãos, de fazer, de concretizar. E, nessa altura, era já isso que se passava. Mas também aprendi a nadar muito cedo, andava de patins, de bicicleta, jogava hóquei em patins e à bola.

Como foi no liceu?
Gostei muito de Matemática e de Física, e essa conjugação abriu-me horizontes. Os meus pais quiseram que no 7º ano fizesse uns testes de orientação profissional. Lá os fiz e veio o resultado: dizia que tinha muitas aptidões para Engenharia Mecânica ou Eletrotécnica. Quanto à Mecânica, na altura pensei, com a ingenuidade dos 16 anos: “Ai, suja as mãos, não quero.” [Risos.] Restava, portanto, a Eletrotécnica, que não sabia o que era. Mas foi por aí que fui.

Arrependeu-se?
Não. Estive e estou muito bem na Engenharia Eletrotécnica, em que também temos de “pôr as mãos na massa” e sujá-las. Por exemplo, é preciso soldar, o que, já agora digo, sei fazer.

Há um momento que marca o nascimento da sua paixão pela robótica?
Sim. Estava nos EUA, na CMU [Carnegie Mellon University], onde se encontrava o meu orientador de doutoramento e “pai científico”, o professor José Manuel Fonseca de Moura. Uma simples garrafa de vinho era motivo para alunos portugueses e brasileiros se juntarem numa patuscada. E, numa dessas ocasiões, o meu colega brasileiro Alberto Elfes, já falecido, que estava no Robotics Institute a acabar a tese de doutoramento, convidou-me a ir ao laboratório onde trabalhava. “Estamos fazendo robôs lá”, disse-me. Fui e, quando entrei no edifício do Robotics Institute da CMU, veio um robô atrás de mim. Estamos em 1986, e o que me perseguia era um cilindro com um anel de sonares. A minha reação foi: “Uau!” Eu estava a fazer um doutoramento mais teórico. Fonseca de Moura deu-nos uma formação muito sólida, mas apenas usávamos dados simulados. Foi quando disse para mim: posso usar toda esta panóplia de conhecimentos para pôr robôs a andar.

Qual foi o primeiro projeto em que participou, em Portugal?
Quando regressei, em 1988, para me doutorar no Técnico, o meu colega e professor Carlos Alberto Pinto Ferreira e um grupo de estudantes do 4º ano começaram a construir o nosso primeiro veículo guiado automaticamente [AGV]. Envolvi-me também nesse trabalho, acompanhei-o, e, mérito do meu colega, resultou um AGV com rodas de patins, motores de limpa para-brisas comprados na Feira da Ladra, controlo analógico, tudo cheio de fios.

Participou em numerosos projetos de investigação e desenvolvimento, mas, como se costuma dizer, “não há amor como o primeiro”. Qual foi o seu?
Foi um sistema com quatro AGV, desenvolvido e instalado em 1991-1992, que eu, um grupo de alunos e engenheiros da Efacec fizemos. Destinou-se a uma fábrica de transformadores, com dois armazéns automáticos e 120 postos de trabalho. Este foi o primeiro projeto do género que se fez no País.

E continua em operação?
Sim. E a Efacec vendeu depois sistemas semelhantes de AGV a empresas portuguesas e estrangeiras.

A expectativa, neste momento, é a de que as centrais de fusão nuclear tenham potências similares às das centrais de fissão nuclear, e com custos de construção e de operação semelhantes ou inferiores

Como funciona?
Os operários pedem material, que está nos armazéns que referi. Fazem-no através de um botão, pedindo, por exemplo, uma palete com chapa recortada. O sistema é capaz de saber onde está, no armazém, esse material, e depois é preciso transportar as paletes, que pesam até 600 quilos. O transporte é feito desde a porta do armazém até ao posto de trabalho que pediu o material. Os quatro veículos andam em simultâneo, não podem chocar com nada, os caminhos que definimos para eles têm retas, curvas e cruzamentos, e a paragem é de precisão, no sítio certo. Então, de cima de cada AGV eleva-se outro veículo, que se desloca para a superfície da mesa de trabalho, deixa a palete, recolhe e volta a andar. À época, dizíamos que estávamos a fazer um sistema de AGV, e ouvíamos: “AG quê?” Na altura, estes veículos eram state of the art.

Num mundo, o da Ciência, dominado por homens, como é a vida de uma mulher?
Senti muito poucas vezes um tratamento diferente pelo facto de ser mulher. Uma vez ocorreu um episódio, que acaba por ser uma história curiosa. Foi na altura dos AGV da Efacec, que foram montados por eles. Tinham técnicos muito bons e lembro-me de um dia ter ido ao Porto reunir com a administração da empresa. A seguir, quis ir ver os veículos que estavam a ser montados. Cheguei à oficina e estava lá o sr. João, mecânico. Ele, de mãos sujas, olhou para mim, de saia e casaco, fez-me um scan de alto a baixo e li-lhe nos olhos e no rosto esta reação: “Eh, pá… Mulher, de Lisboa… Com quem nos fomos meter!”

E…?
Cumprimentei-o, pus-me de cócoras e comecei: “Sr. João, as baterias aqui, olhe que precisamos deste espaço para os sensores, para isto e para aquilo…” Aquele gelo durou dez minutos. E ficámos amigos.

Foi, por duas vezes, vice-presidente do Técnico. Aspirou a ser presidente?
Tive oportunidade de o ser, mas achei que não tinha perfil. Sou um bocado avessa a muita diplomacia, não aprecio os croquetes, digamos assim. Gosto de estar à vontade e de vestir as minhas calças de ganga. Tenho mais perfil de executiva.

Quando exerceu funções de gestão administrativa e financeira deu por si, depois, mortinha por sair, apesar de ser filha de um economista?
Acho que o meu pai morreu com a mágoa de saber que a filha desconhecia a diferença entre crédito e débito. [Risos.] Bem tentou explicar-me, mas eu não via lógica naquilo. Depois, que remédio tive eu senão aprender a diferença entre crédito e débito. Mas tive gosto de fazer o que fiz nessas funções de gestão, e de ver as coisas a mudarem e a resultarem. Entusiasmei-me mesmo. A paixão a sério, no entanto, é pelos robôs.

Se “não há amor como o primeiro”, qual é a “menina dos seus olhos”?
É o projeto dos robôs móveis para o ITER [International Thermonuclear Experimental Reactor]. Na fase final, hão de ser entre 15 e 20 AGV, com a dimensão de um camião TIR – têm oito metros e meio de comprimento, 2,6 m de largura e 3,2 m de altura –, e com carga máxima de 100 toneladas, construídos pela indústria europeia a partir de um desenho conceptual inicial desenvolvido em 1997-1998 por uma equipa do Técnico que liderei. Foi um trabalho que permitiu que este importante componente do ITER fosse atribuído ao team europeu e não ao japonês, como chegou a estar previsto.

Estamos longe dos AGV do projeto da Efacec?
O princípio de funcionamento para a movimentação é o mesmo. São ambos AGV no sentido em que se deslocam ao longo de caminhos definidos no chão, podendo ser um fio condutor, uma faixa pintada ou uma banda magnética. Mas, do fim dos anos 1990 até agora, a tecnologia sofreu um grande avanço e também os requisitos de segurança de uma central de fusão nuclear são muito mais exigentes do que numa fábrica. Por isso, há grandes diferenças a nível de motores, de sensores – os AGV da Efacec não tinham sensores laser –, na redundância de componentes e nas metodologias de segurança. Estes AGV vão andar dentro dos espaços livres de um reator de fusão nuclear. Não pode haver risco de descarrilarem, por exemplo. E toda a eletrónica tem de ser blindada, por causa da radiação.

Qual será a sua função?
Há nos AGV do ITER um contentor que transporta os materiais e os componentes que têm de ser levados do reator para o edifício onde é feita a manutenção. E vice-versa. Espero estar viva para ver a primeira ignição do reator, que se estima que aconteça entre 2032 e 2035.

Há vantagem ambiental na energia de fusão face à nuclear?
Na fissão nuclear usam-se átomos pesados para os soltar. E é nesse momento que se gera energia, sendo que os componentes à volta e todo o ambiente ficam radioativos por milhares de anos. Na fusão usam-se átomos leves de hidrogénio – neste caso, deutério e trítio –, aquecidos a uma temperatura muito elevada, de cerca de 100 milhões de graus centígrados, e é ionizado um gás, para fazer um plasma. Com estas temperaturas muito elevadas, aqueles átomos fundem-se e geram hélio e energia. Há ainda componentes radioativos, mas apenas contaminam os materiais à volta por um par de horas. Portanto, os detritos nucleares da energia de fusão não têm os problemas dos da fissão.

E qual é a expectativa comercial?
Segundo cientistas da área, a expectativa, neste momento, é a de que as centrais de fusão nuclear tenham potências similares às das centrais de fissão nuclear, e com custos de construção e de operação semelhantes ou inferiores.

Tem hobbies que a libertam da “cápsula” da robótica?
Sim. Passeios na Natureza – o Gerês é o meu sítio de eleição – e mergulho. Estou certificada, desde 2005, para ir a 40 metros de fundo no oceano.

E já foi?
Já. Por duas vezes, na Graciosa, nos Açores, de que sou fã.

Qual é a sensação?
Paz, liberdade… É fabulosa!

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