Carlos Moedas chegou à Web Summit a jogar duplamente em casa: além de ser português, o Comissário Europeu tem a pasta da inovação e isso explica a agenda especialmente preenchida: além do anúncio de um fundo de capital de risco para PME nacionais, Moedas deu a conhecer um prémio para as mulheres inovadoras, com prémios que vão dos 50 mil aos 100 mil euros, e ainda a Capital Europeia da Inovação de 2018 (que calhou a Atenas). Pelo meio, foi ao Palco Principal da Web Summit, marcou presença em duas conferências seguidas em palcos secundários, visitou os stands de marcas e startups com Paddy Cosgrave e ainda deu várias entrevistas. Para Carlos Moedas, é chegada a hora de os empreendedores e decisores europeus deixarem de ser ingénuos quando fazem negócios com a China ou os EUA.
Os fundos e os investidores que hoje dominam o segmento das startups são ou não uma ferramenta geopolítica?
Sim, são e é pena que muitos governos não vejam isso. O que vemos hoje é que a Europa ainda tem muito pouco capital de risco. Por ano, levantamos, na Europa, sete mil milhões de euros de capital de risco… mas nos EUA são quase 40 mil milhões. O que corresponde a cerca de cinco vezes mais. Isso tem um impacto muito forte. As pessoas podem ter as ideias, podem criar as empresas, mas quando querem que a empresa cresça acabam por ir para os EUA porque é aí que encontram essas fontes de financiamento. As pessoas não vão para os EUA pelo facto de os EUA serem melhores, mas sim porque é ali que encontram os incentivos e o dinheiro. O nosso papel geopolítico é realmente conseguir mais capital de investimento na Europa. E não só capital público, mas também capital privado…
Para isso acontecer, vai ter de convencer os candidatos a investidores que as taxas de insucesso que afetam mais de 90% das startups são normais…
Também é importante. Também tem a ver com a própria estrutura do ensino universitário. Temos de mudar para uma mentalidade que permite que os alunos falhem… porque falhar também é bom! Não temos de fazer as disciplinas que todos fazem, nem de tirar os cursos que todos tiram. É necessário ter uma ideia mais interdisciplinar, e também levar os alunos a não terem medo de falhar…
Hoje, grande parte dos alunos do secundário vai para Humanidades para fugir à matemática… o que pode ser um sinal da falta de tolerância ao insucesso, mas também não ajuda muito a preencher as vagas que ainda existem nas engenharias…
Já na minha época, uma pessoa que queria ir para advocacia podia deixar de ter matemática depois do 9º ano. É algo que tem de mudar. Uma das grandes forças dos EUA tem a ver com o facto de as pessoas só escolherem a profissão depois de três anos de universidade, mas esses três anos, a que eles chamam de undergraduate, apenas serve para abrir horizontes. E por isso há pessoas que fazem humanísticas, mas também fazem ciências e, ao cabo desses três anos, vão para as escolas de medicina ou de advocacia – mas todas as pessoas têm uma amplitude de saber muito diferente daquela que existe na Europa. Mas vamos ter de caminhar nesse sentido. Há cada vez mais universidades a fazê-lo, mas se não houver universidades que façam este trabalho, alguém fará. Quem? As grandes empresas digitais que vão buscar as pessoas de determinados cursos e lhes dão um ensino diferente.
China, União Europeia e EUA: há ou não uma competição milionária pelos melhores cérebros mundiais?
Essa competição sempre existiu. Em 2000 anos, a Europa só foi o centro (do mundo) durante 200. Quando é que a Europa se tornou o centro? A seguir à revolução industrial, durante 200 anos baseados na tecnologia e na ciência. Se não olharmos para esse desafio, vamos ser ficar mais pequenos. Na década de 1970, o mundo tinha mais ou menos três mil milhões de pessoas… hoje, tem mais de sete mil milhões de pessoas. Nesse crescimento dos três mil milhões para os sete mil milhões, praticamente não houve europeus (a contribuírem para o crescimento da população). O que significa que o crescimento populacional foi feito em África, na Ásia ou noutros sítios que não estão na Europa. E também significa que temos de usar as armas que temos. E essas armas são atração de talento, e a ciência e a tecnologia.
Não se justifica aplicar uma medida protecionista, que permita que estas startups europeias tenham chances de sobreviver ao poderio da Google, da Uber e de todas as outras marcas americanas que têm prosperado à boleia da Internet?
Sou muito contra as medidas protecionistas, porque acho que nunca trouxeram nada de bom na história… não há um único exemplo de nos últimos 200 anos um país ter tido sucesso com medidas protecionistas… quanto muito são um sucesso nos primeiros tempos…
Se quiser fazer negócio nos EUA, tem de criar lá uma empresa…
Há um aspeto interessante: os EUA conseguiram ter uma imagem de grande abertura, mas em certas regras, dentro dos diferentes estados dos EUA, são muito mais rígidos que na UE. Mas impressão que as pessoas têm é de que é um país com um espírito de abertura muito superior, quando na verdade não é. Acho que faz sentido não sermos ingénuos. Temos de ter abertura, mas não sermos ingénuos. Temos de ter relações reciprocidade com quem trabalhamos. Se trabalhamos com a China, então as nossas empresas podem receber financiamento de empresas e do estado chinês? Se conseguirem esse financiamento, então também nós podemos ajudar as empresas chinesas. Mas se não houver esse investimento, pode não haver razão para ajudar as empresas chinesas, porque não podemos ser ingénuos. É esta reciprocidade que não temos trabalhado bem na Europa.
O que podemos esperar do novo fundo de quase 190 milhões de euros?
A ideia era financiar fundos de capital de risco que existam em Portugal. Vamos financiar os fundos Maze e Vallis, para que possam investir em empresas portuguesas.
E qual o objetivo do apoio a estes fundos?
O grande objetivo que eu tenho é conseguir multiplicar por dois o investimento de capital de risco na Europa. Como disse, por ano, levantamos entre cinco mil e sete mil milhões de euros… como é que conseguimos multiplicar estes valores por dois. Temos vários instrumentos para ver se conseguimos fazer essa multiplicação por dois. Não será apenas com dinheiro público, que será uma minoria, mas conseguindo atrair também dinheiro privado.
Se forem bancos americanos a financiar esses fundos… lá se vai o esforço de europeu em torno das startups!
Não, porque esses fundos estruturais europeus. Temos equipas pequenas de private equity, que têm conhecimento dos mercados. Eles levantam dinheiro nos mercados e nós damos-lhes também um pouco de dinheiro público… mas são equipas europeias!
A Comissão Europeia lançou o prémio para as mulheres nas tecnologias… é possível dar à volta à discrepância entre homens e mulheres nas tecnologias?
A questão é que não haja diferenças; não é por ser homem que se deve ter mais oportunidades que as mulheres. A ideia é que tenham as mesmas oportunidades. As mulheres são 50% da população europeia, mas nas startups são à volta de 30% e como empreendedoras andam à volta de trinta e tal por cento. É algo que temos de equilibrar. Por que é que não há mais mulheres na tecnologia? Por que é que, quando vamos para o topo das empresas, temos cinco ou dez por cento de mulheres, e não temos 40% ou 50%?
A escassez de mulheres também ajuda a explicar algumas decisões mal tomadas ao nível da gestão?
Não é só na gestão – é entre todos nós. Só podemos ter mais inovação e ciência, se tivermos diversidade que não é só homem e mulher, mas também diversidade de países, diversidade de geografias, diversidade de maneiras de pensar. Sem isso as empresas não se desenvolvem.
O que levou a atribuir a Capital Europeia da Inovação a Atenas?
Houve seis finalistas. Atenas ganhou, pelo papel que tem tido na inovação social e na capacidade em desenvolver, depois de uma enorme crise, hubs e ecossistemas de inovação social.
Esta distinção está restringida às maiores cidades?
Podem candidatar-se cidades com mais de 100 mil habitantes… Têm sido as capitais a candidatar-se por definição, mas também podem candidatar-se outras cidades mais pequenas.
Quais as cidades mais inteligentes e inovadoras da atualidade?
Lisboa está, definitivamente, dentro dessa lista, mas há outras, como Berlim, Amesterdão ou Paris, que são cidades criam aquilo que podemos considerar que é o Silicon Valley europeu, com a sua rede de cidades.