À primeira vista, as Gogoro parecem scooters normais, talvez com um design um pouco mais futurista que o habitual. Mas estas scooters, que já circulam em Taipé, a capital de Taiwan, e em Berlim, a capital da Alemanha, são muito diferentes das scooters que estamos habituados a ver a circular nas cidades. Para começar, são elétricas. Mas, a característica mais diferenciadora, é que fazem parte de uma rede inteligente que inclui quiosques eletrónicos para a troca rápida da bateria. Cada Gogoro é alimentada por duas baterias, cada uma delas com menos de 10 kg, que podem ser trocadas nas estações (os quiosques) espalhados pelas cidades. Em Taipé, já existem quase 300 destas estações, que carregam e armazenam as baterias para alimentar as scooters. Os quiosques estão ligados em rede e à Internet para que os utilizadores possam, através de uma app para smarpthone, encontrar facilmente os pontos de troca das baterias e aceder ao serviço. A rede aprende com a utilização de modo a garantir que, para cada hora de cada dia, há as baterias necessárias para os utilizadores da zona.
Horace Luke, fundador e CEO da Gogoro, esteve no Web Summit em Lisboa, onde explicou à Exame Informática como quer mudar o mundo através de uma forma diferente de gerir a energia.
Depois de ter estado no desenvolvimento da primeira Xbox e dos smartphones HTC, como acabou a construir scooters?
A minha carreira é uma aventura. Comecei na Nike a fazer marketing e um dia achei que a tecnologia ia mudar o mundo e, como tal, fui para a Microsoft. Fui um dos membros fundadores da Xbox e do Windows XP e, eventualmente, comecei a acreditar na mobilidade e na conectividade sem fios e fui para HTC quando ainda era uma empresa relativamente pequena que fabricava para outros. Fiquei entusiasmado com a ideia de pequenos computadores no bolso e achei que os ecrãs táteis iriam mudar o mundo. Estive na equipa que desenvolveu o primeiro smartphone Android com o Andy Rubin e a Google… O objetivo sempre foi usar a tecnologia para mudar a vida para melhor, certo? E, a determinada altura pensamos: o que podemos fazer que ninguém está a fazer? Pegámos em tudo o que está atualmente num smartphone – a inteligência, o poder de computação, a conectividade e a memória – e aplicámos tudo isso à energia. Aconteceu que os transportes acabaram por ser o primeiro setor em que agarrámos porque é a área onde, em média, cada individuo gasta mais energia atualmente. Acredito que são as pessoas que têm de fazer a mudança; são os consumidores que têm de fazer a diferença.
Se pensarmos que, em média, cerca de 10% do que ganhamos é gasto em energia e que cerca de 60% desse valor é gato em transporte é fácil percebermos o impacto que podemos ter se melhorarmos essa área.
Isso significa que a Gogoro é uma empresa de energia e não de transportes?
Somos uma empresa de energia que criou um dispositivo digital que, por acaso, tem rodas. O primeiro veículo que construímos é uma smartscooter que está hiperconectada. Tem 80 sensores que registam tudo o que se passa no veículo, informação que fica disponível no sistema. E esse sistema está ligado ao sistema de energia que, por sua vez, está ligado a cada utilizador. E esta conectividade que permite mudar as cidades para melhor. Para que a energia seja mais limpa, mais acessível, possa ser portátil…
Está a apresentar características típicas de uma plataforma IoT (Internet Of Things)…
Sim, na realidade a revista Forbes considerou-nos a segunda melhor startup do mundo na área do IoT. Somos uma empresa que junta IoT, energia e dispositivos digitais.
A Gogoro optou por construir uma scooter “do zero” sem recorrer a componentes disponíveis no mercado. Não é o habitual para quem está a começar. Por que é que o fizeram?
Porque sou louco [risos]… Porque ninguém podia fornecer as soluções que procurávamos. Infelizmente, aconteceu-nos o mesmo que aconteceu à Tesla no mundo automóvel: ninguém fornecia os componentes e a tecnologia que se adequasse à nossa visão. E, como tal, chegou a um ponto em que ficámos frustrados e decidimos que teríamos de ser nós a desenvolver tudo. O problema é que não há inovação no mercado das scooters.
Mas há poucos dias a Piaggio anunciou uma Vespa elétrica…
Sim, mas é apenas uma versão elétrica de uma Vespa normal. Os fabricantes tradicionais de scooters não valorizam a conectividade, a eficiência dos motores, a rede de carregamento das baterias… É por isso que somos diferentes e inovadores.
Disto isto, é verdade que nenhum CEO te vai dizer que vai começar uma empresa, pegar no dinheiro dos investidores e construir tudo de raiz. Uma pessoa normal não faz isso. Mas não nos consideramos normais. Tentámos encontrar o motor certo, a eletrónica apropriada, o chassis… Mas nada funcionava. No final, tivemos de conceber e construir tudo de raiz. A grande vantagem desta opção é que podemos controlar todos os aspetos e não ficamos sujeitos a quaisquer compromissos.
O sistema de troca de baterias não vai acabar por deixar de fazer sentido com a evolução dos carregamentos rápidos?
Não, de todo. Se visitarmos o sudeste asiático onde são vendidos mais de 300 mil veículos de duas rodas por dia; se visitarmos cidades onde os arranha-céus são cada vez mais frequentes e não há parques de estacionamento… Nenhum sistema de carregamento de baterias, por mais rápido que seja, é capaz de responder a esta realidade. Nem há sítios para deixar os veículos em carga. Nem mesmo a tecnologia de supercondensadores vai permitir carregar baterias em seis segundos, que é o tempo necessário para trocar uma bateria no nosso sistema. Aceder à energia em segundos e não em minutos é a única forma de competir com os dinossauros da gasolina.
O sistema de troca de baterias pode ser eficiente com scooters, que usam baterias pequenas, mas nem toda a gente está disposta a usar veículos de duas rodas. Não pretendem evoluir para veículos maiores?
O nosso veículo atual usa duas baterias, mas para diferentes formatos podemos desenvolver diferentes baterias ou variar o número de baterias. Da mesma maneira em que em casa usamos duas pilhas mais pequenas para um comando à distância ou quatro pilhas um pouco maiores num brinquedo ou oito baterias num robô de maior dimensão. Criámos uma arquitetura modular, que permite diferentes configurações. Mas ainda mais importante, a densidade energética das baterias duplica a cada dez anos. É o que tem acontecido nos últimos 30 a 40 anos. E a tendência é para que o ritmo de evolução da tecnologia das baterias aumente, o que significa que acabaremos por ter baterias compactas com capacidade para alimentar qualquer coisa. Atualmente temos um veículo de duas rodas, mas, no futuro, é provável que as nossas baterias alimentem outro tipo de veículos.
Em Taiwan vendem a scooter e um serviço de subscrição mensal para a troca de baterias. Em Berlim estão associados a um serviço de partilha de scooters. Qual destas soluções vai vingar?
Cidades diferentes requerem soluções diferentes. Nem todas as culturas são iguais, as cidades têm geografias diferentes, as pessoas pensam de forma diferente… Estamos a testar os dois modelos de negócio e a estudar qual resulta melhor. Em Berlim temos pessoas a utilizar as Gogoro todos dos dias e que estão desejosos para comprar uma. Em Taiwan temos clientes que têm uma scooter e gostariam de poder aceder a sistemas de partilha quando vão visitar outras cidades. Vivemos num mundo muito dinâmico. A nossa visão é providenciar energia para transportes elétricos eficientes, independentemente do formato e modelo de negócio que se possa imaginar. Em apenas um ano desenvolvemos dois modelos de negócio. Vamos ver o que vamos apresentar no futuro.
Isso significa que a Gogoro está disponível para desenvolver parcerias em outros países?
Não podemos mudar o mundo sozinhos [risos]. Precisamos de muitos amigos, de parceiros, de pessoas diferentes em todo o mundo que nos ajudem a desenvolver novas oportunidades. Como referi anteriormente, somos uma empresa de energia e não de scooters, e, como, tal é fácil imaginarmos um mundo em que a nossa plataforma é usada para fornecer energia a outras marcas como a Piaggio, a Honda, a Suzuki… A primeira questão que surge quando se falar de veículos elétricos é sempre: e o que fazer com a infraestrutura?
A Gogoro está preparada para recriar rapidamente a infraestrutura de carregamento e troca de baterias que opera em Taiwan?
Sim. Em Taiwan temos atualmente 270 estações, que já efetuaram mais de dois milhões de trocas de bateria! São cerca de 9000 trocas de bateria por dia. A nossa rede tem uma densidade de cerca de 1 km entre estações. A nossa média de instalação é de uma estação por dia. Ainda na semana passada instalámos seis estações num único dia. Como pode ver, temos a capacidade para responder ao maior problema que os fabricantes de veículos elétricos têm, a infraestrutura. E estamos a falar de uma rede inteligente, que pode ser gerida facilmente.
Há algum plano para chegar a Portugal?
Estive em Lisboa há 20 aos e a cidade mudou mesmo muito. Vêm-se agora muitos veículos de duas rodas. Aliás, estes veículos são muito adequados a uma cidade como Lisboa. É muito possível que no futuro cheguemos a Lisboa bem como a muitas outras cidades na Europa e na Ásia. As duas rodas são muito populares em cidades grandes e o sucesso será garantido desde que asseguremos que os veículos são muito seguros e fáceis de usar.
Como vê o futuro do transporte urbano?
Se formos hoje a Paris percebemos que o que podemos fazer em 20 minutos a andar demora 40 minutos num carro. O congestionamento do trânsito é terrível. As pessoas ainda não perceberam realmente as diferenças na poluição entre o nível da rua e o ar. Nas grandes cidades, é habitual medir-se PM2,5 de óxidos de nitrogénio no ar, mas ao nível da rua o valor é normalmente o dobro. E é ao nível da rua que a poluição impacta a saúde das pessoas. Se pensarmos nas megacidades do futuro, que já estão a aparecer no sudeste asiático, na China e na Índia… Estas são cidades realmente muito confusas, poluídas e cheias de problemas, que precisam e alguma coisa que as ajudem a ultrapassar os desafios da urbanização. A energia inteligente é a melhor forma de resolver esses problemas. E providenciamos uma solução em forma de uma rede que pode alimentar os muitos veículos do futuro que transportam as pessoas do ponto A para o ponto B, independentemente do modelo de negócio que vá responder melhor às necessidades dos utilizadores.