Num evento que reúne milhares de engenheiros conhecidos por inventarem todo o tipo de gadgets, é muito fácil encontrar fãs do Star Trek (Caminho das Estrelas). Não é, portanto, de estranhar o sucesso das Replicators do stand da MakerBot, um dos parceiros presentes na zona de exposição do SolidWorks World 2013, que decorreu em Orlando (Estados Unidos). As “pequenas” impressoras 3D estão longe de atingir a funcionalidade da fabulosa Replicator do Star Trek, que criava todo o tipo de objetos.
Os cientistas ainda não encontraram uma forma de dominar e misturar os átomos e moléculas a nosso bel-prazer. Esta é a má notícia. Mas a boa notícia é que as diferentes tecnologias de prototipagem rápida estão a evoluir rapidamente, permitindo a criação de impressoras 3D compactas, fáceis de utilizar e com preços que seriam impensáveis há poucos anos.
Ainda não podemos pedir um chá a uma Replicator, como fazia o capitão Jean-Luc Picard da Enterprise, mas já é possível imprimir em casa objetos 3D relativamente complexos através de máquinas que custam menos de 1000 euros. Aliás, entre os conferencistas foi muito fácil encontrar quem já utiliza uma impressora 3D para criar protótipos rápidos dos projetos criados no SolidWorks, um dos mais populares softwares de CAD 3D e engenharia.
O que é uma impressora 3D?
Uma máquina capaz de produzir objetos tridimensionais sólidos, desenhados em software 3D, através de um processo aditivo, em que a matéria-prima é aplicada, camada a camada, até se formar o objeto tridimensional. É esta a principal característica que distingue as impressoras 3D de outras máquinas de prototipagem rápida e de controlo numérico (CNC), onde o processo de produção é subtrativo, o que significa que o objeto final é obtido através do desbaste da matéria-prima usando diferentes ferramentas mecânicas.
Como funciona
As impressoras 3D mais económicas utilizam a técnica de modelação por deposição de material fundido (FDM – Fused Deposition Modeling). É o caso das MakerBot Replicator, as impressoras 3D desktop mais conhecidas do momento. Usamos como exemplo uma Replicator 2 para explicar como estas máquinas funcionam.
Como qualquer outra impressora 3D, as máquinas FDM criam sólidos camada a camada através de um software específico, normalmente fornecido com as impressoras, que “fatiam” os modelos criados em aplicações de desenho tridimensional.
1- Filamentos cilíndricos, com espessura normalmente entre 1,5 e 2 milímetros (1,75 mm na Replicator 2), construídos em materiais plásticos são armazenados em bobines e alimentados mecanicamente para a cabeça de extrusão. A Replicator 2 usa plástico biodegradável, conhecido por PLA, mas outras máquinas também utilizam plástico ABS (mais resistente, mas mais difícil de trabalhar).
2- As cabeças de extrusão funcionam como funis na medida em que diminuem a espessura dos filamentos para valores abaixo de 1 mm (0,4 mm na Replicator 2). Os filamentos são aquecidos no ejetor. Podem ser usadas mais do que uma cabeça de extrusão para aumentar a velocidade de fabrico do sólido e/ou para trabalhar com filamentos de diferentes cores, permitindo a impressão de sólidos coloridos.
3 – As cabeças movimentam-se sob dois eixos e depositam a matéria-prima sobre a base de suporte. A máquina literalmente desenha cada uma das camadas, que são impressões bidimensionais.
4 – Após o fabrico de cada “fatia”, a base onde assenta o sólido desce exatamente na mesma medida da espessura da camada. Deste modo é possível adicionar mais uma camada. O processo repete-se até que todo o sólido fique fabricado, o que pode demorar várias horas.
As tecnologias
A impressão 3D está numa fase de desenvolvimento relativamente embrionária. Não é, portanto, de estranhar que ainda existam tecnologias bem diferentes a lutar por um “lugar ao sol”. Conheça as principais:
FDM – Modelação por deposição de material fundido
Fused Deposition Modeling (FDM). É o método utilizado pelas impressoras 3D de baixo custo mais populares, como as MakerBot Replicator e as recém-lançadas Cube da 3D Systems. Os consumíveis são filamentos de plástico, que são fundidos por aquecimento numa cabeça de extrusão, que os deposita sobre uma plataforma. É um processo similar a utilização de um saco de pasteleiro para aplicar chantilly sobre um bolo.
SL – Estereolitografia
Técnica utilizada pelas impressoras denominadas SL ou SLA (StereoLithography Apparatus), que permite uma elevada definição. Os objetos são criados a partir de um polímero líquido (resina), que é solidificado quando exposto a um laser ultravioleta. Apenas a zona onde a luz incide ganha solidez, mantendo a restante resina em estado líquido. A base onde o modelo é construído move-se para permitir a impressão camada a camada.
Junção de material granular
O princípio é simples: unir partículas de matéria-prima, normalmente em forma de pó, até produzir-se o objeto 3D. Um dos métodos consiste na deposição de camadas de pó da matéria-prima intercaladas por camadas de cola, através de sistemas semelhantes aos das impressoras de jato de tinta, mas há também impressoras que “fundem” os materiais com recurso a lasers ou a outras fontes de calor. Permite a impressão direta a cores.
Corte e colagem de película
Há quem diga que não é impressão 3D pura porque funciona com remoção de material (subtrativo), mas é um processo aditivo no sentido em que junta camadas de material até criar o objeto 3D. Em regra são usadas folhas de papel ou de material plástico que são cortadas com lâminas e coladas umas sobre as outras (camada a camada). É necessária uma remoção manual dos excessos, mas tem fortes vantagens em termos de custos e, no caso do papel, de aplicação direta de cor.
Made in Portugal
Também em Portugal já há uma empresa a desenvolver uma impressora 3D, a BitBox, fundada e gerida por Jorge Pinto e Francisco Mendes, que admitem que o «mercado está numa fase muito embrionária», fazendo com que «seja muito cedo para analisar qual será a tecnologia de impressão que vai ser mais relevante».
Os inventores da primeira impressora 3D made in Portugal são da opinião que ainda «estamos longe de ver as indústrias como a aeronáutica e a automóvel a imprimirem aviões ou automóveis», mas sublinham que «algumas peças-chave de grandes dimensões são já impressas na fase de prototipagem», alertando ainda para «a muita investigação em impressão com os ditos Smart Materials, materiais com propriedades físicas (elétricas e outras) diferentes do que estamos habituados», que podem levar a uma evolução rápida. Aliás, os empresários arriscam mesmo dizer que «a terceira revolução industrial está marcha e que céu é o limite».
Quando questionado sobre a possibilidade de um dia termos uma Replicator do Star Trek em nossas casas, o responsável de marketing da BitBox, Sérgio Moreira, reponde «não posso deixar de esboçar um sorriso por esta pergunta… primeiro porque acho que seria fantástico e, depois, porque acho que nessa altura não será um “Replicator”, mas sim algo made in Portugal com um outro nome».
«Só servem para brincar»
Mas nem todos os fabricantes de impressoras 3D são tão otimistas quanto à chegada destas máquinas às nossas casas. «A tecnologia que vai criar a revolução ainda não existe», defende Conor MacCormack, investigador e CEO da Mcor Technologies, uma fabricante que criou e patenteou uma nova tecnologia de impressão 3D que utiliza papel como matéria-prima.
MacCormack é da opinião que a «impressão 3D de qualidade só vai estar ao alcance das empresas nos próximos anos» e defende que, «como já acontece as impressões de fotografias, os consumidores vão fazer impressões 3D ocasionais em lojas da especialidade», alertando para o que considera ser as limitações de trazer impressoras 3D para casa: «as atuais tecnologias são pouco adequadas ao ambiente doméstico porque têm problemas como a utilização de químicos perigosos, emissão de cheiros incómodos, exigência de acabamentos manuais, elevado custo de impressão e incapacidade de criar impressões homogéneas».
Para o Dr. Conor, que falou com a Exame Informática via Skype, não faz sentido comparar o desenvolvimento da impressão 3D com o desenvolvimento do computador pessoal porque «a velocidade da evolução dos PCs esteve e está intimamente relacionada com as possibilidades permitidas pelos semicondutores expressas pela Lei de Moore, que permitem um crescimento exponencial do poder de processamento, enquanto a tecnologia de impressão está relacionada com aspetos mecânicos e físicos», adicionando que é mais «correto comparar a evolução da impressão 3D com a evolução da indústria automóvel».
António Mota Vieira, cofundador e CEO da Weproductise, tem uma opinião semelhante: «Vivemos um momento de euforia em volta da impressão 3D, mas atualmente fazem-se pouco mais do que brincadeiras. As impressoras 3D têm de evoluir para serem mais úteis. Penso que vai brevemente vai aparecer uma impressora 3D capaz de fazer coisas realmente úteis, mais vai ser cara, na casa dos milhares de euros. Há muita coisa resolver nas máquinas mais económicas. Por exemplo, os consumíveis são ainda muito caros».
O diretor geral da Weproductise da tem muita experiência com impressoras 3D, já que trabalha com estas máquinas (ver caixa: Campo de invenção) e até já estabeleceu uma parceria com o fabricante holandês Lapfrog para vender as impressoras desta marca em Portugal. Apesar o aparente pessimismo, António Mota Vieira também está de acordo no potencial da tecnologia, confirmando que a impressão 3D «vai acabar por revolucionar a indústria, mas só daqui a muito tempo».
Salvar o mundo
«A longo prazo, a impressão 3D pode alterar profundamente a sociedade nem que seja porque tem o potencial para alterar por completo os processos de fabrico e distribuição». Esta opinião de Brian Quan, que relembra que esta tecnologia pode vir a descentralizar o fabrico de peças, aumentar a reparabilidade das máquinas e diminuir os custos ambientais associados ao transporte. Brian Quan, diretor de marketing da Stratasys para a EMEA (Europa, Médio Oriente e África) assume que isso pode vir, de facto a acontecer, mas sublinha que «ainda é difícil dizer se esses benefícios são reais». O porta-voz daquele que é o maior fabricante de impressoras 3D industriais segundo dados da Wohler confirmou à Exame Informática que os clientes da Strasys já tiram partido de vantagens ambientais e económicas óbvias porque «a impressão 3D permite aos designers eliminar erros muito mais cedo no projeto, o que leva a muito menos desperdícios na fase de prototipagem e até na fase de produção».
Brian Quan referiu ainda o exemplo dos fabricantes de aviões, «que estão a utilizar a impressão 3D para eliminarem peso dos seus produtos, o que tem um grande impacto no consumo de combustível. Por exemplo, uma redução de peso de 225 kg num avião pode resultar em poupanças de um quarto de milhão de dólares em combustível por ano».
O projeto Filabot (www.filabot.com) é outro exemplo concreto das vantagens ecológicas da impressão 3D. Como acontece com várias outras máquinas já disponíveis, são utilizadas impressoras de extrusão de filamentos de plástico para criar pequenos objetos do dia-a-dia, como saca caricas. A diferença em que este projeto pretende criar os consumíveis (filamentos) para as impressoras através da reciclagem dos mais variados objetos de plástico.