Quem nunca enviou um e-mail a um colega de trabalho que está a poucos metros de distância quando podia, perfeitamente, ter-se levantado e fazer uma nanocaminhada, que atire a primeira pedra. É uma das muitas consequências da nossa cada vez mais tecnológica vida profissional e pessoal, uma espécie de preguicite crónica e aguda que afeta um ror de pessoas – e atenção que eu não sou dos que atira a pedra. Isto para dizer que há muitas situações de trabalho em que não faria qualquer diferença se as pessoas estivessem no escritório ou no conforto da sua casa.
O conceito de trabalho remoto já existe há décadas, mas teima em não conseguir impôr-se, apesar de termos cada vez melhores tecnologias de comunicação. Parece um contrassenso, mas é verdade e basta fazer o seguinte exercício: quantas pessoas conhece que trabalham regularmente em modelo de trabalho remoto? Quantas pessoas conhece que de facto vão para uma esplanada na praia degustar folhas de excel e bater umas linhas de código?
É provável que conheça alguns exemplos, mas a esmagadora maioria de nós continua todos os dias a fazer o caminho das pedras até ao escritório para mandar e-mails a pessoas que estão mesmo ali à mão de semear. E eis que chega o Covid-19. Já não me lembrava de ver tantas vezes as palavras trabalho remoto, teletrabalho e remote work a passarem-me pelos olhos. Pelo grande nível de viralidade deste novo coronavírus, as autoridades de saúde pública têm pedido às pessoas e organizações que tomem medidas excecionais para evitar a propagação do Covid-19, incluindo deixar que os funcionários trabalhem a partir de casa.
Percebo que existam profissões nas quais o teletrabalho simplesmente não funciona – numa fábrica é preciso alguém para operar as máquinas, no hospital é preciso ter médicos para atender os doentes. Também percebo que há pessoas que simplesmente não podem trabalhar a partir de casa – ‘O cão comeu-me o router’, ‘Patrão, nem vai acreditar no que aconteceu ao meu computador’, ‘Já enviei o trabalho, ainda não recebeu? Deve estar preso nos tubos da internet’ –, mas não percebo por que razão não existem mais empresas a apostar no teletrabalho.
Sobretudo nas grandes cidades, onde uma parte significativa das forças laborais passa os dias em frente ao computador, e onde a comuta diária faz muitos questionarem a sua verdadeira qualidade de vida, não podíamos apostar um pouco mais no trabalho remoto? Se calhar não precisa de ser todos os dias, todas as semanas, mas podemos começar por experimentar um par de dias por mês, sendo que pode até rodar o dia em função dos funcionários para não deixar o escritório totalmente despido às sextas-feiras.
Fiz uma visita ao Google Trends, que nos dá uma ideia daquilo que as pessoas estão a pesquisar em tempo real, e foi sem surpresa que vi que o pico de pesquisas por “teletrabalho”, “trabalho remoto” e “remote work” aumentou de forma significativa em Portugal na primeira semana de março – parece ser uma resposta à confirmação dos primeiros casos de doentes com Covid-19 no País. Mas fiquei muito surpreendido quando encontrei os resultados de pesquisa para “remote work” a nível global – não há qualquer pico recente. Sabe porquê? Porque é algo que as pessoas têm pesquisado com frequência de forma recorrente ao longo do último ano. Talvez isto queira dizer alguma coisa…
Não sei até onde poderá ir a disseminação e o impacto do coronavírus em Portugal – fico a torcer para que seja mínimo –, mas penso que por força das circunstâncias, esta é uma boa oportunidade para pensarmos, e mais importante, para testarmos a possibilidade de os funcionários poderem trabalhar a partir de casa. Se criarmos uma espécie de rotatividade baseada em teletrabalho, talvez consigamos reduzir uma parte dos carros que andam na estrada, o número de lugares de estacionamento disponíveis, baixar o nível de stress nas pessoas e aumentar os indíces de felicidade e satisfação dos trabalhadores. O patrão diz que não tem dinheiro para dar aquele aumento que o funcionário já pede há tantos meses? Não sendo a solução ideal, um remendo pode ser a concessão de alguns dias para trabalhar de forma remota – se calhar o que poupa em deslocações e refeições já ajuda a compensar um pouco o dinheiro que deveria ser oficialmente reconhecido na folha salarial.
Por ser jornalista, estou habituado a trabalhar de forma remota – não tanto a partir de casa, mas sim a fazer entrevistas por Skype para pessoas que vivem na Alemanha, Rússia ou EUA – e sinto que com um computador e smartphone ligados à internet, consigo chegar a qualquer parte do mundo em poucos horas. Muitos outros trabalhadores de outras áreas sentirão o mesmo. Portanto, fica a questão: faz assim tanta diferença no resultado do nosso trabalho o sítio a partir do qual estamos a cumprir os nossos deveres enquanto trabalhadores?
O tema do trabalho remoto é inevitável, quer os patrões gostem ou não. Assim que as tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada estiverem aptas para o grande consumo, algo que deverá acontecer até 2030, permitindo criar uma sensação de telepresença, vão ser cada vez mais as pessoas que vão questionar se é mesmo necessário ir todos os dias ao escritório. É o futuro do trabalho, senhores – palavra de coronavírus.