“São seguramente milhares os alunos que não têm condições [para ensino à distância], não têm internet em casa”. O alerta é de Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap). Este é um dos muitos problemas que estão por resolver numa fase em que as escolas estão encerradas, devido à crise de saúde pública provocada pela Covid-19, e o ensino está a ser feito à distância. “Pelos dados que temos da ação social escolar, dos dados que conhecemos, são milhares de alunos que estão nessa condições”, sublinhou, em entrevista à Exame Informática.
Já passaram onze dias desde o fecho obrigatório das escolas, o que para alguns alunos significou uma perda considerável de tempo de ensino, sobretudo numa fase em que termina o segundo período escolar. O cenário é corroborado por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP): “Nós, professores e diretores, já sabemos que muitos lares não têm computadores ou não têm ligação à internet. Daqui também emergiu uma necessidade, não é luxo, é uma necessidade de ter um computador ligado à internet”.
Contactado pela Exame Informática, o Ministério da Educação não disponibilizou um representante para falar, mas remete para um documento partilhado nesta semana no qual aborda algumas soluções que as escolas devem procurar para chegarem até crianças e jovens na chamada “situação de vulnerabilidade”, isto é, que não têm meios ou os melhores meios para cumprirem o ensino à distância.
Por exemplo, para os alunos que não tiverem computador, mas sim telefone, “com acesso ao WhatsApp ou outras aplicações semelhantes, [propõem-se] estimular o envio de dúvidas e trabalhos por mensagem ou fotografia”, aconselha o Ministério. Mas também se consideram métodos menos digitais, como “articular com os CTT para entregar/levantar fichas de apoio e os trabalhos ao domicílio”. O Ministério está ainda a tentar mobilizar parceiros locais, como empresas e outras organizações, para que possam disponibilizar equipamentos e ligações de internet a alunos que não os têm.
Mas estas opções aumentam a dispersão das ferramentas usadas no ensino à distância, que tem sido justamente outro problema relatado por professores e alunos. Em algumas escolas, impera uma espécie de ‘anarquia’ nas tecnologias de ensino que não tem facilitado o contacto entre as partes. A Confap fala mesmo numa falta de uniformização nas ferramentas usadas. Há escolas, diz a confederação, nas quais os alunos de uma mesma turma têm de usar o Skype, o Microsoft Teams ou outras ferramentas, simplesmente porque cada professor está a usar o método que acha mais indicado. “Não houve coordenação e orientação para que houvesse uniformização de critério”, sublinha Jorge Ascenção. “É um modelo de trabalho à distância que a maior parte dos professores e escolas não praticava muito”.
Ou seja, está a acontecer justamente aquilo que a Direção-Geral da Educação (DGE) defendeu que não fosse feito. Quando apresentou a plataforma de apoio ao ensino à distância, a DGE disse que devia ser “evitada a proliferação de ferramentas e de plataformas para que haja uma harmonização de métodos de ensino e aprendizagem, em cada ciclo e com isto facilitar a concentração dos alunos nos espaços digitais”.
Os bons exemplos também existem e são esses que Jorge Ascenção prefere destacar: agrupamentos escolares nos quais a direção selecionou uma única ferramenta de ensino. Mas também estas opções trazem os seus problemas: aumento exponencial no número de acessos às plataformas de ensino à distância e sobrecarga dos servidores, que resulta em bloqueios constantes e até na impossibilidade de registo de novos utilizadores.
Um destes casos é o da plataforma Escola Virtual, da Porto Editora, que passou de 250 para 550 mil utilizadores em menos de dez dias. “São dezenas de milhares de novos alunos todos os dias. (…) O tempo de utilização e o número de utilizadores diários é cerca de cinco a seis vezes o que tínhamos antes de 13 de março”, disse Paulo Gonçalves, responsável de comunicação da empresa, à Exame Informática.
Parte desta confusão no ensino à distância explica-se pelo caráter excecional da situação. “Ninguém contava que a partir de 16 de março estivesse em casa nas aulas, professores e alunos. Era inconcebível”, justifica Filinto Lima. O presidente da ANDAEP reconhece que “a maior parte” dos professores ainda não usava, antes da crise da Covid-19, tecnologias de ensino à distância, mas garante que os profissionais estão a fazer um esforço para responder à nova realidade. “Conheço muita gente do meu agrupamento [Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia] que no passado não queria entrar na área das novas tecnologias e agora, que são forçados, são uns craques”, explica.
O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas reconhece que estas duas últimas semanas não têm sido fáceis, mas vê nesta fase uma oportunidade para se dar um salto na qualidade do ensino à distância em Portugal. Um dos aspetos que defende é, por exemplo, o fim dos manuais em papel para uma aposta nos manuais digitais.
“É uma oportunidade que estamos a criar de mostrar aos professores que estamos na era digital, é preciso saber usar os instrumentos e há instrumentos muito úteis”, defende, deixando um recado também a Pedro Siza Vieira, ministro da Economia e Transição Digital.
“Surgiu a oportunidade de o Ministério da Economia e da Transição Digital fazer jus ao nome e ajudar os portugueses a terem em casa um bem, não sei se é de primeira necessidade, mas é muito necessário. A reboque desta crise, podemos criar essa oportunidade de o Governo dotar os lares, da forma que achar melhor, de computador e de rede de internet”, atira Filinto Lima.