Yves Mersch, membro da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE), proferiu esta segunda-feira um discurso arrasador sobre a criptomoeda Libra, que a Facebook pretende lançar na primeira metade de 2020. Num discurso realizado em Frankfurt, Alemanha, o responsável do BCE não hesitou em pôr em causa a credibilidade da nova moeda e a capacidade dos fundadores da Libra Association para assegurar todos os requisitos legais e financeiros que permitirão dar segurança à Libra enquanto moeda transnacional. «O ecossistema da Libra não é só complexo, parece-se mesmo com um cartel», atirou o responsável pelo BCE.
Se a opinião de Yves Mersch refletir a posição definitiva do BCE, então a Libra terá mesmo vida difícil na UE. A meados de agosto o Comissão Europeua já tinhado dado sinal de que não está diposta a deixar passar a Libra sem o devido escrutínio – e apresentou um questionário à Associação de fundadores da Libra. Esta segunda feira, o BCE engrossou a lista de dúvidas pela voz de Mersch, que reiterou a intenção de manter ativa a função de controlo do BCE. E por isso lembrou que, ao contrário de outras criptomoedas, a Libra depende de um sistema altamente centralizado nos fundadores da Associação Libra, que aderiram à iniciativa mediante investimentos, e ainda de um sistema de transações e pagamentos que vai ser operado pela Facebook.
As reservas asseguradas com moedas ou bens relacionados com os erários de diferentes estados também merece reparos do responsável do BCE, que não vê razão para um investidor se sentir mais seguro com a Libra do que com investimentos diretos nos instrumentos financeiros que são providenciados pelos estados .
«O elevado grau de centralização que caracteriza a Libra, e a concentração das redes de emissão e distribuição (desta moeda), não são as únicas características capazes de inibir a confiança. Apesar das aspirações audazes de criar uma moeda global, a Libra não dispõe de um fiador que possa atuar em última instância. Quem é que a vai suportar em caso de crise de liquidez? A Libra também está desprovida de um esquema de depósito de garantia que proteja os interesses de quem tem esta moeda durante uma crise», denunciou Yves Mersch.
O responsável do BCE considera que a moeda proposta pela Facebook não reúne as características necessárias para ser considerada dinheiro eletrónico e admite que, para operar na UE, a Libra terá de respeitar alguns requisitos legais previstos pelas diretivas comunitárias. «Dadas as diferentes implicações das características legais da Libra, é essencial uma intervenção regulatória, para tanto confirmar a classificação da Libra sob um dos enquadramentos legais e regulatórios existentes, ou para criar um regime dedicado que seja ajustado às suas especificidades».
Mersch admite que um ou mais estados-membros possam garantir a capacidade de controlo da Libra ao garantirem igualmente o controlo de parte das reservas desta critpomoeda, mas também recorda a ameaça que esta moeda pode representar para o euro. Em causa está não só uma eventual perda de capacidade de atuação sobre a moeda europeia, como uma hipotética perda de liquidez dos bancos ou a possível concorrência nos mercados internacionais.
«A primeira verdade é que, uma vez que o dinheiro é um bem público, o dinheiro e a soberania de estado devem estar inexoravelmente ligados. Por isso, a noção de uma moeda sem estado é uma aberração que não tem fundações sólidas na experiência humana. A segunda verdade é que o dinheiro apenas pode gerar confiança e preencher funções-chave socioeconómicas se for suportado por uma instituição pública que possa ser responsabilizada e que já beneficie da confiança pública e que não seja envolvida em conflitos de interesse com entidades privadas», concluiu o Yves Mersch.
Pode ler o discurso do responsável do BCE na íntegra aqui.