Quantos membros do Governo cabem num descapotável da Mercedes? A cerimónia de lançamento do Digital Delivery Hub da marca alemã em Lisboa permitiu contabilizar pelo menos dois: o primeiro-ministro António Costa e ainda o ministro da Economia Manuel Caldeira Cabral, em pose para assinalar a chegada de uma unidade tecnológica à capital que, eventualmente, poderá vir a funcionar como uma das âncoras de futuro Hub Criativo do Beato. Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, também não faltou ao momento para “mais tarde recordar”, e ficou sentado bem ao lado de Paddy Cosgrave, mentor da Web Summit, com o permanente look informal que o caracteriza. O empresário irlandês não era o único sem camisa: Sabine Scheunert, vice-presidente de Marketing e para a Área Digital e Vendas de Tecnologias da Mercedes, também se apresentou com um visual mais descomprometido e, só por acaso, ficou do lado do pendura. Mas merecia ficar ao volante depois de ter proferido a frase mais reveladora do dia: «Um consumidor de telemóvel é um potencial consumidor da Mercedes».
O primeiro dia do novo Digital Delivery Hub da Mercedes ficou concluído pouco depois da foto da praxe. Entre uma ou outra dúvida há uma certeza que se destaca: a Mercedes está a contratar – e desta vez não são engenheiros mecânicos, mas sim engenheiros de informática. Sim, porque como lembrou a vice-presidente da marca alemã, o novo centro «vai criar produtos digitais para todo o mundo». E por isso também deverá contratar pessoas de todo o mundo.
Tendo em conta que a Mercedes foi a marca que mais vendeu automóveis em Portugal durante o ano passado (20 mil), não deixa de ter contornos de curiosidade a aposta no desenvolvimento de serviços digitais que operam na Net, poderão ser usados por consumidores que não têm carros Mercedes e até por marcas concorrentes. Há apenas uma fronteira bem vincada: direta ou indiretamente, estes serviços estarão sempre relacionados com o setor dos transportes.
A Mercedes é uma marca de automóveis, mas vai produzir serviços digitais; a Mercedes não é uma startup, mas quer «funcionar com o espírito de uma startup», garantiu Sabine Scheunert, na qualidade de única mulher com um cargo de topo numa iniciativa que cruza precisamente dois setores conhecidos pela escassez de mulheres. «A decisão de criar este Hub foi tomada depois de fazermos uma análise a fundo de várias cidades europeias e termos falado com vários governos», referiu Scheunert.
Mercedes Hackaton
Nos bastidores há quem garanta que o mote para a vinda para Portugal terá sido determinada, em grande parte, pela realização da Web Summit em Portugal. Custa acreditar que o novo centro que deverá empregar 125 programadores até ao final de 2017 – e poderá chegar a médio prazo a mais de 300, segundo o Dinheiro Vivo – tenha sido decidido apenas e só devido à realização da Web Summit em Lisboa, mas essa teoria acaba por ter, pelo menos, um fundamento plausível: a Mercedes vai realizar uma maratona de programação (vulgarmente conhecida por hackaton) em parceria com a Web Summit.
A disponibilidade de espaço no Hub Criativo do Beato terá influenciado, seguramente, a escolha final, mesmo implicando uma espera de alguns meses. Até porque o novo hub que a Câmara Municipal de Lisboa pretende instalar numas antigas instalações militares do Beato ainda está longe de ficar pronto e, durante os próximos meses, o Digital Delivery Hub da Mercedes terá operar na incubadora Second Home, na Praça da Ribeira. O número de profissionais não é a única incógnita neste projeto: o valor investido pela empresa alemã também não foi revelado.
Independentemente dos valores em causa, a chegada do braço digital da Mercedes permite juntar mais um nome grande à “cena” empreendedora alfacinha – e isso está longe de ser um pormenor, como fez lembrar o António Costa, quando chamado a discursar: «Portugal já tem um cluster de fornecimento de peças de automóveis; e agora está a criar um cluster digital. Subimos um degrau na cadeia de valor».
O primeiro-ministro não desperdiçou a oportunidade para puxar dos galões de uma aposta feita «há 20 anos», quando António Guterres era primeiro-ministro e tinha «paixão pela educação», e Mariano Gago assumia a pasta do primeiro ministério da Ciência em Portugal. Costa não duvida de que a aposta compensou – e debitou alguns números para o confirmar: nos últimos 10 anos, a percentagem de engenheiros e cientistas na população portuguesa passou de 3% para 6,6%. No segmento etário dos 25 aos 34 anos de idade, 11% da população ativa nacional é cientista ou engenheiro – «bastante acima dos oito por centro da média europeia», recordou o primeiro-ministro. A estes números junta-se uma promessa de reconverter, até 2020, 18 mil licenciados em áreas de menor empregabilidade para que possam trabalhar em tecnologias.
António Costa reiterou a aposta nas «qualificações e na inovação», mas também retomou os elogios que já haviam sido enaltecidos pelos executivos da Mercedes que passaram pelo palanque: «Lisboa é uma cidade com um espírito aberto a diferentes culturas. Só assim se consegue atrair centros como este, da Mercedes».