O português presta-se a confusões e trocadilhos: Bóbi é nome de cão em Portugal, mas dentro de um ano será o nome de uma nova geração de João Bobo no Brasil. O que é um João Bobo? É um boneco com uma base arredondada que nunca cai e que em Portugal é mais conhecido por sempre-em-pé.
Alex Coelho sorri com as confusões semânticas dos dois lados do Atlântico, antes de ganhar balanço para explicar, numa pequena banca da Web Summit de Dublin, o que é que o Bóbi tem. E é assim que ficamos a saber que este brinquedo eletrónico pode ser conectado a um computador, emite sinais luminosos e reproduz sons para interagir com crianças dos 0 aos 5 anos de idade. Com um emissor de infravermelhos, o novo brinquedo eletrónico pode ainda medir a temperatura da criança. E também deverá contar com uma loja de apps que poderá conter conteúdos específicos.
Sendo tecnológico, o Bóbi pretende representar um corte tecnológico, explica Alex Coelho: «Queremos que seja uma alternativa ao uso de tablets. Já há estudos que demonstram que o uso desses equipamentos pode não ser bom para as crianças».
Alojada na fileira de startups que ainda estão na fase mais embrionária de todas, a Bóbi tem já definido o principal objetivo da vinda à feira de Dublin: «Queremos arranjar investimento para lançar esse negócio», refere Alex Coelho.
Pelo contrário, a portuguesa Uniplaces já sabe o que isso é: três anos depois da fundação, chegou aos 30 milhões de dólares de investimento – sendo que 24 milhões foram anunciados à margem da Web Summit. Miguel Santo Amaro está apostado em aliar o desejo de criar uma “billion dollar company” à decisão de manter a sede em Portugal. O objetivo não será propriamente fácil, se olharmos para o histórico e verificarmos que as empresas de tecnologias fundadas em Portugal ainda no tempo das dotcom, dificilmente conseguem superar os 70 milhões de euros de valorização.
Depois de alcançar o recorde de investimento Série A (na fase inicial do negócio) na Europa em 2015, a Uniplaces aposta tudo na liderança global do aluguer de residências para universitário, mas não descura tentar a sorte em serviços relacionados com ginásios, transportes, ou serviços de crédito para quem muda de casa para estudar. O que deverá implicar um aumento do efetivo de 120 para 200 profissionais nos próximos meses.
Por norma os investimentos Série A são de curta duração – e fixam uma data para o retorno financeiro de quem investiu. Miguel Santo Amaro prefere não revelar muitos detalhes, mas admite que há “saídas” equacionadas: «Há uma expectativa de venda de capital ou de uma ida para a bolsa».
Nos salões da Web Summit aperta a caça ao investidor – e também ao jornalista que pode disseminar novidades. Nos stands minúsculos e rudimentares, os ânimos contrastam: há quem espere de olhar melancólico por um interessado ao lado de quem não tem mãos a medir para dar resposta a tanta mostra de interesse. Os projetos não serão todos iguais, mas como nos jogos de futebol, o que custa é o primeiro golo: a partir do momento que alguém para para conhecer a ideia aumenta a probabilidade de outros pararem – mais não seja porque o corredor fica apertado e o visitante tem de desacelerar. A Growroom é daquelas startups que conseguem ter uma afluência constante. O que é facilmente explicável pelo móbil de negócio incomum: a jovem startup dos EUA pretende criar um site especializado em crowdfunding para atividades, campanhas ou iniciativas de apoio para consumidores de canábis e derivados. «As campanhas podem ter por objetivo angariar dinheiro para uma manifestação a favor da legalização do consumo da Marijuana ou até para arranjar dinheiro para alguém se mudar para um estado onde o consumo já é legalizado», explica Kurt Dahlstrom.
A Growroom estreou-se no passado fim de semana com uma campanha de apoio ao uso de canábis no tratamento de danos no cérebro. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a startup não tem por objetivo primordial o consumo lúdico. Dahlstrom garante que a canábis também pode ter efeitos medicinais no tratamento de epilepsia e autismo, e também pode atuar como paliativo. «Os nossos maiores inimigos são as farmacêuticas que querem continuar a vender medicamentos», acusa Dahlstrom, numa frase polémica e que dificilmente poderá ser provada.
Independentemente de ser um negócio legítimo ou apenas mais uma patranha, a Growroom tem no ADN a ousadia estampada. E esse é o ingrediente que faz toda a diferença, lembra o criador de uma das empresas de tecnologias que mais bem sucedida de todos os tempos. Michael Dell sobe ao palco principal das conferências temáticas da Web Summit para revelar mais alguns contornos sobre o investimento de 69 mil milhões de dólares na compra da EMC – aquela que terá sido a sua maior jogada de sempre desde que começou a vender computadores num dormitório universitário. Michael Dell reitera que o risco faz parte do negócio, mas não encarna o estereótipo do empreendedor de discurso eletrizante. «Sempre vivi assim, não tenho problema de fazer coisas que as outras pessoas receiam», garante depois de desfiar números de negócio ainda pouco percetíveis para quem apenas quer garantir 100 mil, 200 mil ou 500 mil euros de financiamento.
O homem que fez fortuna a vender computadores pessoais tem agora um império composto por um triângulo: PC, servidores e armazenamento/virtualização. E não tem medo das tendências: «Há uns anos havia a ideia de que o PC seria substituído pelo smartphone. A realidade é que hoje usamos vários equipamentos», começa por dizer, antes de prometer: «O nosso trabalho é criar um PC melhor que aquele que lhe venderam há cinco anos. O PC não vai embora este mercado, apesar de estar a mudar: temos os PC virtuais, os PC de jogos, as workstations». E nem a Internet das Coisas (IoT) deverá superar tamanha resiliência: «Os projetos de IoT recorrem a sensores que mais não são que pequenos PC que dão informação para os servidores».
Em 31 anos, Dell soube reinventar-se – saiu e regressou do leme da empresa que criou; foi para a Bolsa e recomprou as ações que estavam na bolsa para recuperar o controlo do negócio. Hoje, gaba-se dos estudos que referem que os empregados da Dell se sentem mais felizes. «Passamos a ter mais agilidade», explica.
Por vezes, a agilidade é a única coisa que uma startup tem para oferecer. E por vezes nem a agilidade livra um CEO dos piores sentimentos. «Há dias em que acordo e acho que vou lixar tudo. É algo que fica e que por vezes só passa por volta das 15H00», explica Stewart Butterfield, líder da Slack, usando um termo em inglês um pouco mais agressivo que o verbo «lixar». Hoje, haverá quem já não o reconheça – mas há 10 anos era “o” Stewart Butterfield, um dos homens que criou o Flickr, e que o vendeu por 25 milhões de euros. «Há 10 anos, 25 milhões de euros, era uma grande soma de dinheiro… agora nem por isso», explica com um sorriso que não chega a desmentir a inflação (e especulação…) que tem vindo a registar-se em torno dos novos unicórnios mercado das tecnologias. Butterfield não quer comentar o mesmo erro duas vezes: «se me apresentarem uma proposta de 100 milhões de dólares (pela Slack), já posso considerar (uma possível venda)».
Palmer Luckey sabe o que é vender o projeto que criou para poder crescer – e alcançar o mercado mundial. Hoje, a realidade virtual ainda é um exclusivo da minoria? Em breve, poderá ser algo que todos usam. Pelo menos, é essa a previsão do criador da Oculus VR, que é conhecida pela realidade virtual dos Oculus Rift. «Os sistemas de realidade virtual vão ser mais ubíquos que os smartphones», diz Luckey sem hesitações, e repetindo por mais de uma vez que os óculos de realidade de virtual não são dispositivos específicos de videojogos e têm uma aplicação alargada. A começar pela pornografia, onde já começaram a captar os primeiros clientes, passando pela educação e chegando aos filmes e a todas as experiências que duas ou mais pessoas distantes geograficamente passam a poder partilhar.
Luckey sabe que os preços ainda têm de descer para que a disseminação da realidade virtual se torne viável. Também será necessário tempo – e, não menos importante, é necessária uma evolução tecnológica. Luckey lembra que nos laboratórios já há experiências em torno da simulação do toque, do cheiro e de outros sentidos. E admite que a fronteira entre realidade e virtual vai acabar por se esbater, permitindo a sensação partilhada de manipulação de objetos – ou até de relações entre serre humanos. «Pode haver quem diga que visitar Paris na realidade não é o mesmo que visitar Paris da Realidade Virtual, mas isso é o mesmo que dizer que só se sabe o que é guiar um carro com um Ferrari, apesar de nem todos gostarem da Ferrari ou até nem quererem guiar um carro dessa marca».
Christian Enderle, da Company of Glovers, está numa das muitas bancas revestidas a sonhos e engenho. Segue as tendências que ditam que a digitalização e a personalização vão abrir caminho a negócios que antes exigiam uma fábrica com dezenas de operários em funções pouco criativas. A Company of Glovers disponibiliza uma ferramenta que permite criar um par de luvas à medida do gosto de cada utilizador, através da combinação de 6,5 milhões de componentes. Pouco depois de lançar o negócio na Web, os jovens empreendedores que repartem o tempo entre fábricas na República Checa e escritórios na Alemanha e na Áustria descobriram que tinham de proceder a afinações – e que também convém não abusar nas mais recentes tendências: «Temos de simplificar esta ferramenta. Torna-se demasiado complexo encomendar umas luvas de acordo com o nosso gosto quando se tem 6,5 milhões de combinações possíveis», conclui.