Um dia depois de anunciado o veto presidencial à atualização da lei da cópia privada, a AGECOP fez saber que vai prosseguir com as queixas apresentadas junto dos tribunais europeus e nos tribunais nacionais pelo atraso do estado português no que toca à harmonização das leis nacionais com as diretivas comunitárias.
Num comunicado, a AGECOP recorda que a aplicação de taxas a os dispositivos que armazenam e reproduzem música, vídeo, e software fazem parte do programa do atual Governo e já terão sido apresentadas como promessas eleitorais do PS. A AGECOP reitera a expectativa de que a lei seja «em breve aprovada e promulgada», mas também refere que, até à ambicionada promulgação, vai manter em curso as queixas na justiça.
«A AGECOP não suspenderá as diligências em custo nas instâncias europeias e nacionais, com vista a reagir contra o incumprimento do Estado Português das normas em vigor em toda União Europeia e ao ressarcimento dos prejuízos causados aos criadores que representa», refere o comunicado da entidade que é responsável pela coleta das taxas junto dos fabricantes e importadores de tecnologias e a consequente redistribuição dos montantes por editores, produtores, autores e intérpretes.
Ao que a Exame Informática, o comunicado surge depois de uma reunião de emergência entre as várias associações que participam na AGECOP.
Em 2013, a AGECOP fez seguir para a Comissão Europeia uma queixa contra o estado português português pelo atraso da aplicação das diretivas que preveem a aplicação de taxas aos preços de telemóveis, tablets, computadores, cartões de memória, câmaras e outros gadgets. Em 2014, a mesma AGECOP fez saber que pretendia avançar com uma queixa junto dos tribunais nacionais pelos mesmos motivos.
A AGECOP acabou por refrear ambas as queixas depois de a Secretaria de Estado da Cultura apresentar um projeto de lei que instava a Assembleia da República a legislar sobre a matéria.
Com a não promulgação do diploma, a AGECOP decidiu manter a “pressão”. A associação exorta os parlamentares a tentarem a maioria reforçada, com uma nova aprovação do decreto que levaria o presidente a promulgar o decreto, apesar do veto inicial anunciado ontem.
«Aguarda-se, pois, que os Senhores Deputados possam, com a máxima urgência, voltar a apresentar a lei que já haviam votado e aprovado em consciência, a fim de que possa ser definitivamente promulgada», lê-se no comunicado da AGECOP.
PSD à espera de uma decisão
Hoje, em pleno rescaldo do veto presidencial, o PSD preferiu não avançar com qualquer decisão quanto ao veto presidencial do decreto que previa a aplicação de taxas à compra dos mais variados gadgets. Ana Sofia Bettencourt, deputada social-democrata, reiterou o que o líder de bancada parlamentar Luís Montenegro já havia dito ontem: «ainda é prematuro para dizer qual a posição que vai ser tomada. Teremos ainda de analisar os fundamentos do vento, quando chegarem à Assembleia da República».
Ontem, o presidente Cavaco Silva já havia indicado algumas das razões que estão na origem do veto político do diploma: a necessidade de equilibrar os interesses de consumidores e autores, a difícil diferenciação entre pirataria e cópia privada e ainda a harmonização com a futura legislação europeia mereceram especial destaque do chefe de estado.
Contudo, os deputados só deverão retomar os trabalhos sobre este diploma, quando todos estes motivos forem descritos do ponto de vista técnico e jurídico. E neste caso, a coligação PSD/CDS, que aprovou o decreto pode forçar a promulgação sem alterações (o que não é muito provável) ou expurgar as alíneas e cláusulas do decreto que suscitaram o “chumbo” presidencial.
Nos bastidores, há quem preveja que as alterações possam levar a uma redução das taxas… mas para já, trata-se apenas de especulação. Até porque, dificilmente, o figurino final do decreto perderá de vista os intentos do Governo – que foi quem teve a iniciativa original.
PS também desagradado
No PS, apesar do voto de abstenção que dominou a bancada parlamentar, o veto presidencial também suscitou críticas. Inês de Medeiros, deputada socialista, não hesita em considerar que Cavaco Silva «não tomou partido do consumidor, mas sim dos fornecedores de equipamentos eletrónicos».
«Os valores ínfimos (das taxas da cópia privada) nunca prejudicariam o consumidor», acrescenta deputada, quando questionada pela Exame Informática sobre o veto presidencial.
Inês de Medeiros considera que a decisão do presidente impede Portugal de «respeitar os princípios a que está vinculado (pelo direito comunitário)» e alega ainda que, na UE, a revisão da diretiva da cópia privada segue termos bem diferentes daqueles que terão levado o presidente a vetar o decreto saída da Assembleia da República.
Congratulações e não só
O assunto também está longe de ser unânime na coligação governamental. Michael Seufert, deputado do CDS-PP, já havia feito uma declaração de voto, em sentido inverso ao da restante bancada parlamentar, votando contra o decreto. «Parece-me que o Presidente da República encontrou algumas das reservas que eu já havia anunciado em tempos. Acho que agora temos uma boa oportunidade para desfazer um erro», reagiu o deputado centrista, pouco depois de saber do veto presidencial.
Entre as Associações que sempre se bateram contra a atualização de taxas da cópia privada também há quem dê as boas vindas à decisão do presidente em devolver o diploma à Assembleia da República.
A Associação Empresarial dos Setores Elétrico, Eletrodoméstico, Fotográfico ou Eletrónico (AGEFE), que representa fabricantes e importadores de algumas das maiores marcas tecnológicas, deixa expresso um desejo para o futuro: «É necessário que esta matéria tenha uma solução justa e equilibrada, adequada à moderna economia digital, em consonância com os mais recentes desenvolvimentos da regulação e da jurisprudência ao nível europeu. É essa a nossa expectativa».
Paula Simões, dirigente da Associação Ensino Livre (AEL), chegou a admitir a apresentação de uma queixa em Bruxelas pelos motivos inversos da AGECOP. «É com agrado que vemos o comunicado do presidente lembrar que é necessário garantir o equilíbrio entre os interesses dos cidadãos e dos autores e também a conformidade com o que debate que está a decorrer na UE».
As congratulações de algumas associações contrastam de sobremaneira com o desagrado de outras associações. O que prenuncia que a “luta” entre indústrias das tecnologias e dos conteúdos poderá não se dissipar nos tempos mais próximos. Paulo Santos, líder da Associação Para a Gestão De Direitos de Autor, Produtores e Editores (GEDIPE), recorda que o Estado, se continuar sem legislar sobre esta matéria, arrisca-se «ao incumprimento das diretivas europeias, e ao pagamento de multas e indemnizações aos titulares de direitos».
«Esta decisão (o veto) é fraquíssima do ponto de vista da fundamentação e revela uma confrangedora falta de conhecimento das responsabilidades do Estado Português em matéria de direitos de autor. Por outro lado, ignorou toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu e esqueceu-se que essa mesma jurisprudência vincula todos os estados membros», denuncia o líder da GEDIPE.