A Apple enfrenta neste momento três grandes desafios. Em primeiro lugar, o desafio de manter a actual base de utilizadores que, lentamente, estão a trocar os seus iPhones por produtos de outras marcas, atraídos por câmaras mais sofisticadas, ecrãs maiores, interfaces diferentes, ou novas funcionalidades. Em segundo lugar, o desafio de atrair a "segunda vaga" de utilizadores de smartphones nos mercados desenvolvidos, ou seja, todos aqueles utilizadores de telefones tradicionais que até agora se mantiveram muito relutantes em substituir os seus telefones básicos por um smartphone, porque simplesmente não consideram que as funcionalidades que os smartphones oferecem justificam o preço que custam. Por último, a Apple tem à sua frente o maior desafio de todos, que é conseguir penetrar nesta "mina de ouro" que os mercados emergentes representam, mas onde o preço continua a ser a maior barreira à entrada.
Nos primeiros seis meses deste ano, a Apple viu a sua quota de mercado no segmento dos smartphones a nível mundial cair de 19% para 15%. Apesar das suas vendas continuarem a aumentar, verifica-se um crescimento a um ritmo mais lento que o do mercado. Por outro lado, metade das vendas da Apple do semestre foram de versões anteriores ao iPhone 5, como sejam o iPhone 4 e 4S, o que denota que a empresa californiana continua a conquistar novos clientes (atraídos pelos preços mais baixos dos modelos mais antigos), mas a perder aqueles que que estão agora a substituir os seus iPhones por novos modelos da concorrência.
O iPhone 5S introduz um conjunto de novas funcionalidades que o colocam a par de algumas das inovações já existentes noutros terminais da concorrência, em particular na câmara fotográfica onde a concorrência evoluiu bastante no último ano. As novas funcionalidades do iPhone 5S vão permitir à empresa reter os actuais clientes. Para além de um novo interface de utilização mais moderno e atractivo, de um novo processador, e de um conjunto de novas funcionalidades da câmara fotográfica, o iPhone 5S introduz um leitor de impressões digitais – o Touch ID -, que permitirá aos utilizadores poderem desbloquear os telefones e confirmarem compras no iTunes sem a necessidade de introduzir o PIN ou password.
O Touch ID é uma funcionalidade que irá impressionar a maioria dos utilizadores libertando-os do incómodo que é inserir um PIN ou password para desbloquear o telemóvel, ao mesmo tempo que os incentiva a proteger o terminal, evitando o risco da informação pessoal ser indevidamente usada em caso de extravio ou roubo do terminal. Apesar desta funcionalidade já ter sido lançada pela Motorola no passado, a Apple conseguiu mais uma vez surpreender ao simplificar na forma e na experiência de utilização. Contudo, a Apple podia ter ido mais longe, nomeadamente ao lançar um telefone com um ecrã maior para responder à preferência crescente dos utilizadores por ecrãs mais largos.
O crescimento do segmento de smartphones abrandou nos últimos trimestres nos mercados desenvolvidos, fruto do crescimento da taxa de penetração dos smartphones ser já bastante elevada. Tal não é o caso nos mercados emergentes onde a maioria dos utilizadores continua a não ter um telemóvel ou a utilizar um telefone tradicional. No segundo trimestre de 2013, o segmento dos smartphones cresceu apenas 19% na Europa Ocidental face ao período homólogo e representou 75% das vendas totais de dispositivos móveis; em contrapartida, na região Ásia-Pacífico (sem contar com o Japão) as vendas de smartphones verificaram um crescimento de 75% entre o segundo trimestre de 2012 e o mesmo período em 2013, mas totalizaram apenas 53% do total de telemóveis vendidos.
Verifica-se que adopção de smartphones está em fases distintas entre os mercados mais desenvolvidos e os mercados emergentes. Enquanto regiões como a Europa Ocidental, a América do Norte ou o Japão, estão já a entrar na segunda vaga de adopção de smartphones, noutras regiões verificamos ainda o início da primeira vaga. Esta segunda vaga é protagonizada pelos utilizadores que não precisam de um smartphone, mas que acabam por substituir os seus telefones tradicionais por smartphones, uma vez que o número de modelos de telefones tradicionais para escolha é cada vez mais limitado. Por outro lado, o preço de alguns smartphones está já ao nível dos modelos mais caros de telefones tradicionais e estes novos utilizadores acabam por não resistir à forte pressão dos vendedores nas lojas, para a compra de um smartphone. Contudo, a opção acabará por ser por um smartphone mais acessível, visto que a utilidade percebida continua a não ser suficiente para fazer um investimento num telefone de preço mais alto.
Este é um grupo de clientes que a Apple precisa de atrair. Embora a maioria destes utilizadores continue a não achar necessárias as funcionalidades dos smartphones, a verdade é que depois de começarem a utilizar as aplicações móveis, a aceder à internet e ao email e a utilizarem as câmaras fotográficas, a probabilidade de sentirem a necessidade de mudar para um smartphone mais avançado e consequentemente de preço mais alto, é muito alta. Se a primeira experiência com um smartphone for satisfatória a substituição por um modelo da gama superior do mesmo fabricante é elevada.
No que diz respeito aos mercados emergentes a Apple tem um longo caminho a percorrer. Na região Ásia-Pacífico (sem contar com o Japão), a Apple apenas garantiu 6,1% do total das vendas de smartphones no segundo trimestre de 2013. As previsões da IDC revelam que esta região irá alcançar os mil milhões de smartphones móveis vendidos em 2017, comparativamente aos 500 milhões que se estimam para este ano. Com produtos mais atrativos e a preços mais acessíveis, a Apple irá ganhar quota de mercado, mas mais importante ainda, vai fazer crescer a sua base instalada de clientes, o que se traduz em futuros upgrades e potenciais receitas adicionais para a loja de conteúdos iTunes, em especial na área da música, que mereceu um destaque especial no evento desta semana.
A expectativa era que o iPhone 5C seria então a grande aposta da Apple para conquistar uma quota de mercado significativa nos mercados emergentes e ao mesmo tempo atrair a "segunda vaga" de utilizadores nos mercados mais desenvolvidos. Contudo o preço do telefone, cerca de €560 na versão livre de operador, será um entrave a que a empresa consiga crescer significativamente em ambas as frentes.
No entanto não devemos substimar o produto em si. Tive a oportunidade de o experimentar no evento de lançamento e posso afirmar que me surpreendeu. O gama de cores é bastante apelativa, o que vai contribuir para que a Apple consiga reconquistar os utilizadores mais jovens. A qualidade do terminal é bastante elevada e os actuais utilizadores do iPhone 4 e 4S, que não trocaram pelo iPhone 5 por não encontrarem uma razão forte, têm agora um produto diferente das outras versões do iPhone. Este produto pode ainda não ser a chave para os mercados emergentes, mas vai com certeza permitir à Apple reter a sua base de clientes nos mercados desenvolvidos e será um sucesso de vendas nos próximos trimestres. A Apple deu mais um passo em frente ao alargar o seu portfolio de produtos nesta categoria. Este novo lançamento é apenas o início de uma futura revolução nos segmentos de preços mais baixos, onde podemos esperar mais produtos no futuro, não muito distante.