Foram 36 horas consecutivas a transmitir em direto online. Ou quase. «Fiz uma pequena batota», confidencia Ruben Remédios. «Durante duas horas fiz um descanso acima de tudo por causa da minha voz, não propriamente por causa do cansaço, mas foi um desafio pessoal, resolvi seguir em frente e correu bem.»
Ao longo desta maratona de streaming na plataforma Mixer conseguiu ter, em média, 400 pessoas em simultâneo a vê-lo. «O mínimo dos mínimos foram 250 pessoas num período específico, no máximo foram mais de 800», adianta em entrevista à Exame Informática.
Os números estão longe, por exemplo, dos 80 mil espectadores em simultâneo que Tyler “Ninja” Blevins, aquele que é considerado como a maior estrela de transmissão de videojogos do mundo, conseguiu na estreia na plataforma Mixer. Ninja, que foi durante largos meses um dos motores de crescimento da plataforma Twitch, deixou o mundo dos videojogos de boca aberta quando decidiu sair para uma plataforma rival e com muito menos expressão.
Em certa medida, Ruben Remédios, mais conhecido no mundo online como Mr. Remedy, protagonizou uma mudança igualmente inesperada. Após vários anos a dedicar-se à produção de vídeos para o YouTube, plataforma na qual tem 332 mil subscritores, em março tornou-se no primeiro parceiro oficial em Portugal da Mixer e esta passou a ser a nova “casa” do jovem de 28 anos.
«Já acompanhava algumas transmissões na Mixer, por amigos e também por outros criadores de conteúdos norte-americanos e brasileiros, e acabei por desenvolver ali aquele gosto e hábito de visitar a plataforma de vez em quando e ir acompanhando a pouco e pouco as evoluções. E o facto de ela ter sido adquirida pela Microsoft deixou-me ainda mais com a pulga atrás da orelha», conta.
Em 2016, a Microsoft comprou a plataforma de streaming Mixer por um valor que nunca chegou a ser divulgado. Na altura, o nome era inclusive outro – Beam. O movimento apareceu como uma resposta natural ao agigantamento do Twitch, detida pela Amazon após desembolsar mil milhões de dólares pela startup em 2014, sobretudo sabendo que a Microsoft tem uma responsabilidade grande no mundo do gaming por conta do Windows e da Xbox.
Ruben também chegou a estar na Twitch, mas manteve sempre um olho na Mixer. Candidatou-se para ser parceiro oficial e conseguiu, muito graças ao lastro online conseguido noutras plataformas. O facto de não ter hesitado em dar o salto deu-lhe «uma estabilidade que não tinha em qualquer outra plataforma».
«Estou bastante satisfeito, sou parceiro da plataforma desde março e tem crescido a olhos vistos, as pessoas estão muito satisfeitas com a plataforma em si e vejo um futuro risonho pela frente», explica.
Na Mixer os criadores ganham dinheiro através da subscrição direta dos canais por parte dos utilizadores – custa 5,99 euros por mês – e, se forem parceiros oficiais como Ruben Remédios, ganham ainda por cada mil visualizações (custo por mil impressões, CPM em inglês). Por agora não há publicidade externa, mas os valores de CPM são garantidos pela própria Mixer.
«Posso até mesmo dizer que produzo para a internet enquanto produtor independente desde 2012 e que este contrato que assinei com a Mixer deixou-me, pela primeira vez, à vontade para poder dizer que sim, consigo viver exclusivamente da produção de conteúdo para a internet».
Mas nem tudo são rosas. À semelhança do que aconteceu agora com Ninja, também Ruben Remédios teve de saber gerir reações negativas de alguns seguidores relativamente à mudança anunciada. Mr. Remedy continua a publicar vídeos no YouTube, mas com uma cadência muito menor. Quem quiser vê-lo a jogar FIFA agora é na Mixer.
«As pessoas quase que defendem mais as plataformas em questão e o ecossistema a que estão habituadas, do que propriamente o produtor de conteúdo em si. De cada vez que alguém muda de plataforma para tentar mudar a vida, seja por motivos financeiros, seja por outro motivo qualquer, pelo menos da parte do público, há sempre alguém que fica de pé atrás e que não aceita muito bem».
Os ingredientes especiais
Se a parte financeira tem um papel importante na atração de novos criadores para a plataforma, há também vantagens tecnológicas da Mixer relativamente ao Twitch, YouTube e Facebook.
A plataforma tem um modo de transmissão conhecido por Faster Than Light (mais rápido do que a luz, em tradução livre), um termo usado para designar a baixa latência de transmissão. De acordo com Ruben Remédios, a latência é de apenas um segundo enquanto noutras plataformas chega a ser superior a dez segundos. Porque é isto importante? Para uma interação mais “realista” com os seguidores.
«Por exemplo, se um streamer fizer uma pergunta ao seu público não tem de ficar 10 ou 12 segundos à espera de uma resposta, tem logo ali tudo no imediato, melhora o timming e algumas reações, é uma experiência muito mais fluída e muito mais interessante para quem produz e para quem consome», detalha.
Outra característica da plataforma é o Mix Play, um painel interativo que o criador de conteúdo pode configurar para incentivar a interação dos utilizadores. Um streamer consegue, por exemplo, criar um comando virtual no Mix Play e permitir que um espectador assuma o controlo do jogo. No caso de Ruben, definiu o Mix Play como um painel de sons que os espectadores podem usar para interagir durante momentos chave da transmissão.
«Outra vertente muito interessante na minha perspetiva, é a progressão no chat. É um sistema que recompensa os utilizadores pela participação ativa num canal, dando-lhes um nível correspondente ao apoio que dão ao streamer, com mensagens no chat, com subscrições próprias, com doações de sparks [moeda digital da Mixer]. Isto ajuda a demonstrar o nível de apoio e fidelidade de um seguidor específico e também é uma excelente forma de perceber quem é novo na comunidade e assim podemos dar-lhe as boas-vindas que merece», acrescenta ainda Ruben Remédios.
Há outros aspetos nos quais a Mixer está claramente atrás do Twitch, como na criação de clips de destaque dos momentos de jogabilidade (highlights), na disponibilização em plataformas de videojogos – ainda não tem versão para PlayStation 4 e Nintendo Switch – e, por estar em fase de crescimento, há muitas funcionalidades novas que provocam bugs constantes na plataforma.
Ruben Remédios destaca outro aspeto negativo, neste caso específico do mercado português. «A Microsoft Portugal não tem, de todo, qualquer tipo de influência na gestão da plataforma Mixer. Ainda não falei tempo suficiente com membros do staff da Microsoft Portugal, mas não demonstraram pelo menos uma abertura para tentar saber um pouco mais ou para tentar explorar esse mercado a nível nacional».
Ruben “Mr. Remedy” Remédios acredita no entanto que o mediatismo da contratação de Tyler “Ninja” Blevins tem tudo para acelerar este processo. «Acho que o Mixer vai crescer bastante, acho que esta competição é saudável. Podemos ver o caso do YouTube, que é uma plataforma que não tem concorrência dentro do seu ramo e muitos criadores de conteúdo e utilizadores estão descontentes com as suas políticas e as suas diretrizes.»