A primeira notícia surgiu sob a forma de relatório: na semana passada a marca de segurança eletrónica FireEye revelou uma intrincada rede de sites alegadamente noticiosos, institutos fictícios, movimentos políticos de origem duvidosa e múltiplas contas que se dedicavam a publicar falsidades nas redes sociais. Em comum, todos estes intervenientes têm duas características: ligações ao Irão que são facilmente confirmáveis pelo uso do indicativo telefónico do país (+98) e mensagens políticas contra Israel, Arábia Saudita ou a favor da Palestina. Na sequência desta revelação, o Facebook baniu mais de 650 páginas com informação «inautêntica», que estarão relacionadas com a campanha propagandística iraniana. A Reuters seguiu o rasto deste “caso” e, depois de identificar dezenas de sites e contas de redes sociais com mensagens políticas em 11 idiomas (nenhuma em Português), chegou a mais um nome de relevo nesta campanha: a International Union of Virtual Media (IUVM).
«A IUVM distribui conteúdos dos meios de comunicação estatais iranianos e outras entidades alinhadas com o governo de Teerão por toda a Internet, muitas vezes escondendo as fontes originais da informação, como a PressTV do Irão, a agência noticiosa FARS e a al-Manar TV, que é gerida pelo grupo muçulmano chiita Hezbollah, que é apoiado pelo Irão», explica a Reuters no texto que dá a conhecer mais detalhes sobre a campanha de propaganda que o regime dos aiatolas terá posto a correr em sites e redes sociais.
A investigação da Reuters incidiu em 10 sites, e «dezenas de contas» de utilizadores do Facebook, Instagram, Twitter, ou YouTube. Os dados foram verificados pela FireEye e pela empresa israelita ClearSky, que apontaram para vários indícios que levam a crer que todos estes ciberintervenientes estarão de alguma forma relacionados com o Irão.
Face a estas revelações, o governo iraniano preferiu não comentar. O mesmo silêncio ocorreu com os meios de comunicação reais iranianos cujos conteúdos são veiculados por sites e contas de redes sociais «inautênticos» (um termo que evita o contrassenso resultante das “fake news”… que sendo “fake” técnica e legalmente não podem ser consideradas “news”). Em contrapartida, a missão diplomática iraniana em Nova Iorque classificou as investigações agora divulgadas como «ridículas».
Na Facebook, pelo contrário, a campanha tem sido levada a sério – e já há o compromisso de prosseguir com a análise a contas de utilizadores e conteúdos similares. A Twitter limitou-se a responder que, depois das revelações levadas a cabo pela FireEye na semana passada, suspendeu 770 contas de utilizadores que terão violado os regulamentos internos. Menos de 100 dessas contas estavam sedeadas nos EUA.
A Google preferiu não comentar, mas bloqueou o canal que a IUMV tinha no YouTube.
«Isto mostra como é fácil lançar uma campanha de influência na Internet, mesmo sem grande sofisticação. A operação iraniana tinha em conta a quantidade e não a qualidade, mas manteve-se sem ser detetada durante anos», contextualizou, quando questionado pela Reuters, Ben Nimmo, investigador do Laboratório Digital Forense do Conselho Atlântico, que tem vindo a analisar diferentes campanhas de desinformação na Internet.
De acordo com investigações levadas a cabo por peritos da FireEye, a IUMV terá iniciado atividades na Internet em janeiro de 2015. Além de ter usado o mesmo endereço de dois outros sites associados ao governo iraniano, a misteriosa entidade partilha o mesmo servidor de um terceiro site igualmente suspeito de participar nesta campanha política.
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Esquema desenhado pela FireEye para ilustrar a campanha de propaganda iraniana
Entre os investigadores consultados, há a convicção de que a IUMV é uma das principais peças do imbricado “puzzle” que nos últimos anos tem vindo a suportar as campanhas de propaganda iraniana. A esta curiosa marca mediática, juntam-se mais dois endereços que teriam como propósito dar maior fidedignidade às mensagens políticas: a LibertyFrontPress.com e o InstitutoManquehue.org.
Tanto a Liberty Front Press como o alegado Instituto Manquehue foram criados tendo por base endereços relacionados com os serviços web Yemenshia.com e Gahvare.com e distinguiam-se por estender o raio de ação na Internet através de pretensos meios de comunicação como o USJournal.net, CriticsChronicle.com, o BritishLeft e múltiplas contas relacionadas com estes títulos que pretendiam reforçar a presença nas redes sociais – e por consequência na opinião pública.
A descoberta desta campanha iraniana surge nos títulos de jornais depois do escândalo da Cambridge Analytica, que usava os dados de 87 milhões de utilizadores do Facebook para tentar moldar campanhas políticas, e de a justiça dos EUA ter lançado acusações contra 12 ciber-operacionais que terão trabalhado com o governo russo com propósitos propagandísticos, durante as eleições presidenciais que levaram Donald Trump à presidência dos EUA.
Quem ler as conclusões da FireEye depois da deteção da rede propagandística iraniana fica com a ideia de que será apenas uma questão de tempo para que se descubram mais “congéneres” de IUMV, Liberty Front Press ou Instituto Manquehue ao serviço de diferentes países ou posições políticas: «A atividade que demos a conhecer confirma que múltiplos atores continuam a intervir e a experimentar manobras de influência na Internet e nas redes sociais como forma de moldar o discurso político. Estas operações vão muito além daquelas que foram conduzidas pela Rússia que, nos últimos anos, tem sido, por várias vezes, o foco da investigação no que toca a operações relacionadas com a informação. A nossa investigação também ajuda a perceber como é que as ameaças colocadas por estas operações de influência continuam a desenvolver-se, e como táticas de influência similares podem ser lançadas, independentemente dos objetivos políticos e ideológicos que são desejados».