O VoIP tem sempre por base uma aplicação, mas também exige sempre uma ligação à Net. Logo a questão que se põe é: será que os operadores não estão a violar o princípio da neutralidade da Internet se bloquearem o acesso aos serviços de VoIP? A Autoridade Nacional das Comunicações (ANACOM) também não consegue responder à questão – e não se trata de falta de vontade, mas sim inexistência de legislação sobre o assunto tanto no País como no resto a Europa. «A Comissão Europeia e o organismo que representa os reguladores das telecomunicações europeus ainda não fizeram qualquer recomendação do ponto de vista da legislação, pelo que vamos esperar por essas recomendações para podermos decidir sobre este assunto», explica fonte institucional da Anacom.
Tendo em conta a posição da Anacom, aparentemente, a Optimus não está a praticar qualquer ilegalidade quando inclui uma claúsula nos contratos dos tarifários que refere que as apps de VoIP podem vir a ser bloqueadas ou taxadas; e a Vodafone também não está a cometer qualquer ilícito ao bloquear os serviços de telefone sobre IP em alguns dos tarifários.
Curiosamente, Optimus e Vodafone têm abordagens diferentes nos tarifários que podem ser sujeitos ao bloqueio ou às taxas de VoIP. No caso da Optimus, esta restrição apenas está contemplada nos tarifários pós-pagos; já na Vodafone, a restrição é aplicada em todos os pré-pagos e apenas três dos sete tarifários pós-pagos restringem o acesso às apps de VoIP.
Numa resposta institucional enviada por e-mail, a Vodafone rejeita qualquer violação do princípio da neutralidade – e alega mesmo que as aplicações de VoIP também estão longe de ser universais: «Estes serviços e aplicações não têm uma utilização comparável com a do serviço de voz tradicional pois não tem uma disponibilidade de contacto semelhante, isto é, ao contrário da voz tradicional, os seus utilizadores não podem contar com o serviço para estarem contactáveis e contactarem quem quiserem, em qualquer lugar e sempre que o desejarem – basta ver que não existe interligação entre aplicações, ou seja, tipicamente, ambas as partes têm de estar a utilizar a mesma aplicação para que consigam comunicar».
Na Optimus, o eventual bloqueio e a eventual aplicação de taxas às apps de VoIP são justificados com a necessidade de evitar «uma degradação da qualidade para um conjunto de clientes», refere um e-mail da operadora da Sonae, quando questionada pela Exame Informática.
Contudo, a Optimus admite que, no futuro, poderá vir «a adotar uma abordagem diferente relativamente a este tema, de forma a disponibilizar aos seus clientes as soluções que melhor respondem às suas necessidades».
Na TMN, as apps de VoIP não são bloqueadas, mas os responsáveis da operadora lembram que não têm forma de garantir a qualidade das chamadas feitas através destes sistemas. A este fator juntam outro para o facto de os telefonemas sobre IP não serem propriamente um sucesso entre os clientes da TMN: «Foram criadas condições que permitiram fazer a viragem para os sistemas de mensagens na Internet e para o SMS, que tendem a ser muito baratos», refere uma fonte da TMN. Além de não bloquear as aplicações de VoIP, a TMN nega ter qualquer plano para aplicar taxas ao tráfego gerado por estes serviços. «Faz mais sentido que seja a própria TMN a lançar um serviço desses um dia. É por isso que temos investido na nossa rede», explica a mesma fonte.
O que se passa lá fora
Nos EUA, a neutralidade deu que falar com várias propostas de lei conflituantes e ameaças de ida ao tribunal, mas a não discriminação do tráfego manteve-se como um princípio dominante. Na Europa, o debate ainda não assumiu tamanhas proporções, mas pode trazer notícias em breve: em julho, Neelie Kroes, comissária europeia da Agenda Digital, anunciou o lançamento de uma consulta pública com o objetivo de saber qual a melhor forma de manter a neutralidade da Internet.
O anúncio da comissária europeia surgiu dois meses depois de o Body of European Regulators for Electronic Comunications (BEREC, que representa os reguladores de telecomunicações na Europa) ter apresentado os resultados de um inquérito a 266 operadores de redes fixas e 115 operadores de redes móveis. O inquérito apurou que, pelo menos, 28 dos 115 operadores móveis inquiridos têm tarifários que impedem através de meios técnicos ou cláusulas de contrato (que podem levar à aplicação de tarifas adicionais) o uso de serviços de VoIP nos telemóveis. Estes tarifários “anti-VoIP” afetam cerca de 20% dos clientes de operadores móveis da Europa.
Apesar de não ser taxativo, o inquérito do BEREC aponta um caminho para uma possível recomendação: «As práticas de diferenciação, das quais resultam restrições ao acesso aos conteúdos ou aplicações são as mais relevantes do ponto de vista da neutralidade».
Num comunicado publicado na Web, Neelie Kroes garante que a legislação comunitária vai mudar… podendo até tornar legais os casos em que deliberadamente não há neutralidade na Internet: «Eu não pretendo forçar todos os operadores a dar acesso a toda a Internet: são os consumidores que devem fazer a sua escolha. Se os consumidores querem ter descontos porque sabem que apenas vão usar alguns serviços, porquê limitá-los? E não queremos criar obstáculos aos empreendedores que apenas querem providenciar serviços à medida ou conjuntos de serviços, independentemente de se tratarem de redes sociais, música, redes inteligentes, serviços de saúde ou outros. O que eu quero é garantir que todos esses consumidores estão a par daquilo que vão receber e daquilo que estão a perder».