Três anos após ter sido criada, a Agência Espacial Portuguesa dá, definitivamente, nas vistas. Com o concurso Astronauta Por Um Dia, centenas de jovens de todo o país, incluindo as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, passaram pelos testes físicos e psicotécnicos semelhantes aos realizados durante o processo de seleção das agências espaciais. Resolveram enigmas, responderam a perguntas como “o que dirias se fosses o primeiro humano a chegar a Marte”, fizeram exercício de coordenação, equilíbrio e força. Hoje, 16, meses após o início do processo, os 31 eleitos recebem o prémio. A bordo de um avião, que descolará da Base Aérea de Beja, sentirão o que é estar em microgravidade, como os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional. “Algo impossível de descrever”, dizem-nos durante o briefing de preparação, a cargo da empresa promotora de voos parabólicos, Novespace. Brincando com as forças aerodinâmicas, os três pilotos que comandam o Airbus 310 conseguem criar diferentes magnitudes de gravidade e até a sensação de ausência de peso dentro da nave. Num voo em que são desativados todos os comandos automáticos da aeronave e em que cada comandante se ocupa de uma das três direções de movimento.
Resistir à tentação da selfie
Primeiro os passageiros experienciam um terço da gravidade na Terra, o que corresponde ao ambiente marciano, a seguir vem a gravidade da Lua, ou seja, um sexto. Depois disso, o avião entra numa espécie de modo montanha-russa, o que corresponde à fase de voo parabólico que começa quando o piloto levanta o nariz do A310-Zero G, da posição horizontal até fazer um ângulo de 50 graus. Nesta fase de subida, os passageiros sentem-se como se tivessem duplicado de peso. Durante vinte segundos estão sujeitos à chamada hipergravidade -mais precisamente 1,8G – e convém não abanar muito o corpo, sobretudo a cabeça. Depois os motores começam a diminuir e a aeronave, seguindo uma trajetória balística, começa a descer, dando início à fase da ausência de peso – 22 segundos de total liberdade de movimentos. É o momento da euforia a bordo. Numa área de 100 metros quadrados, grupos de dez pessoas ocupam cada um dos quatro segmentos, separados por fitas. Esta área do avião, que não precisou de sofrer qualquer modificação estrutural, está toda acolchoada e cada grupo é acompanhado por um responsável pela segurança e outro pelo divertimento. Brincadeiras com líquidos, saltos acrobáticos, um ou outro vómito. Muita coisa pode acontecer naqueles 22 segundos, vezes 15 (número de parábolas cumpridas durante cada voo). “Não percam tempo a tirar fotos. Aproveitem cada segundo”, aconselham os peritos da Novespace, empresa detida pela agência espacial francesa, CNES. Até porque a bordo seguem doze GoPros, mais que suficiente para imortalizar cada segundo da viagem.
Com partida da base da Força Aérea Portuguesa, o voo decorrerá em espaço aéreo militar, para oeste. “É a primeira vez que a Novespace faz um voo destes fora do espaço aéreo francês”, revela à Exame Informática o dirigente da Portugal Space, Hugo André Costa.

Para um cliente comum, nesta versão turística, a experiência custa cerca de sete mil euros. Mas também há voos com objetivos científicos, que duram o dobro do tempo, contratados por agências espaciais de outros países. “Esta aeronave é um laboratório. Fazemos campanhas de investigação para a NASA”, diz Nicolas Barbotin, ex-militar com mais de seis mil horas de voo no currículo, atualmente responsável pela segurança na Novespace. “As parábolas começam aos seis mil metros. A altitude máxima são os oito mil”, conta o engenheiro de voo.
Além dos 31 alunos do secundário, descolam hoje de Beja dois funcionários da agência portuguesa, o professor de físico-química de Chaves, Jorge Teixeira, que venceu a competição Global Teacher Prize, e aproveitará para fazer algumas experiências a bordo, para depois analisar os resultados com os alunos, um aluno da edição em Portugal do curso da International Space University e ainda duas jornalistas (da Lusa e da CNN/TVI, media partner do evento). Sem revelar o valor acordado com a Novespace, Hugo Costa admite que o valor pago por esta campanha terá sido acordado entre as agências e por isso diferente do tabelado.
Outros como nós
Tiago Oliveira tem 15 anos e desde muito pequeno que se interessa pelos temas de espaço. Quando a professora de física da escola de Freixianda, Concelho de Ourém, lhe falou no concurso era bastante óbvio que iria tentar participar. “Queria ter a hipótese de treinar como um astronauta”, recorda à Exame Informática. “Pensei que seria uma oportunidade única.”
Serão 16 rapazes e 15 raparigas, entre os 14 e os 15 anos, a voarem, sem que tenha sido necessário fazer algum esforço para cumprir a paridade, anima-se Ana Noronha, do Programa Ciência Viva que coordenou o processo de seleção, organizado em parceria com a Faculdade de Motricidade Humana e a Faculdade de Psicologia do Porto. Rita Gomes, 16 anos, de Lisboa, associa a sua paixão pelo espaço ao facto de ser filha e neta de engenheiros e de passar algum tempo em Santa Cruz, próximo do aeródromo. Mas de toda a experiência (numa fase ainda pré-voo) o que realça é a possibilidade de conviver com “pessoas como eu”, confessa. “Nós os dois gostamos muito de ver vídeos sobre foguetões e de discutir estes temas”, completa Tiago que faz coleção de modelos de foguetões. Ambos querem estudar engenharia aeroespacial. Mas entre o grupo também há quem pretenda seguir para a Força Aérea ou mesmo quem planeie especializar-se em direito do espaço. “Somos embaixadores da Agência Espacial Portuguesa e temos agora a missão de falar desta experiência e de atrair os nossos colegas e amigos para estas áreas”, assume Rita.

Tiago, que tem os pais e o irmão mais novo à espreita na base aérea, está decidido a dançar folclore lá em cima e até já escolheu a dança. Ainda não sabemos se conseguirá acertar o passo quando o chão deixar de o puxar para baixo. Mas apostamos que hoje, em Freixianda, uma terra de pouco mais de dois mil habitantes, recentemente afetada pelos incêndios, haverá motivo de festa.