Em 2017, investigadores descobriram o corpo de ‘Mtoto’ (termo swahili para ‘criança’) na escavação de Panga ya Saidi, na costa sudeste do Quénia. Os vestígios mortais tinham sido sepultados com cuidado, a três metros de profundidade, naquele que é considerado o cemitério mais antigo em África de que há registo. A descoberta traz alguma clareza sobre como a população da Idade da Pedra Média lidavam com a morte e sugere que havia algum cuidado na preservação intencional dos corpos dos elementos mais novos dos grupos.
Os investigadores removeram cuidadosamente todo o bloco de sedimentos onde estava o corpo e transportaram-no para Burgos, Espanha, onde uma equipa do CENIEH (Centro de Estudos da Evolução Humana) usou técnicas de imagiologia avançadas para fazer uma análise do espécime. Além da análise das imagens, foi feita uma limpeza cuidada para revelar que o esqueleto pertence a um membro Homo sapiens, noticia o Vice. A análise geoquímica dos sedimentos revelou um tipo de terra distinto do que estava no resto do local, mostrando que houve algum cuidado no enterro, com solo originário de outro local e a escavação de uma sepultura para este efeito.
O próprio posicionamento do corpo, com a parte superior envolta num material e o corpo bem acomodado revelam que o processo possa ter sido feito com intenção de preservar, mostrando evidências daquele que será, provavelmente, o rito funerário mais antigo de que há registo.
A descoberta é importante por trazer também alguma luz sobre estas práticas no continente africano, depois de já ter sido recolhido conhecimento semelhante sobre as práticas correntes na região da Eurásia. Nesta parte do globo, os investigadores já descobriram o local de enterro de mortos do tempo dos Neandertais, 40 mil anos antes da presumível idade de Mtoto.
Há mesmo uma abundância de registos de enterros no hemisfério norte comparado com o que se fazia em África na mesma altura, deixando perceber que, ou não se faziam tantos enterros, ou as práticas associadas à morte deixavam registos que perduraram menos ao longo dos tempos. Por outro lado, há também mais campos arqueológicos ativos nesta região, face aos que existem em África.
Assim, a descoberta de Mtoto reveste-se de particular importância por mostrar que já há milhares de anos que a Humanidade se preocupa com os mortos.