Há já várias décadas que os cientistas reconhecem uma espécie de super-poder a alguns tipos de vírus: têm um apetite especial por bactérias más, daquelas muito resistentes a antibióticos, e não ligam nenhuma a outros tipos células, como as células humanas ou as bactérias boas que também carregamos. Conhecidos como fagos, estes organismos têm vindo a surgir, com cada vez mais força, como solução para um dos mais graves problemas de saúde da atualidade, que é o aparecimento de bactérias multirresistentes e a ineficácia dos antibióticos usados normalmente no tratamento das infeções.
Foi de olho nestas propriedades que nasceu, em 2005, a biotecnológica portuguesa TechnoPhage. Ao fim de quinze anos de investigação e desenvolvimento, a empresa conseguiu, finalmente, arrancar com um ensaio clínico que irá avaliar, já em testes em pessoas, o valor da estratégia que passa por recorrer a fagos para eliminar bactérias. É que além da dificuldade e exigência científica associadas à identificação e manipulação de vírus – estes organismos estranhos e minúsculos! – há ainda a questão burocrática para resolver. “Como se trata de uma terapia muito nova não há regulamentação estabelecida”, observa o CEO da empresa, Miguel Garcia. Depois de uma maratona de negociações, a biotecnológica conseguiu a aprovação da autoridade americana do medicamento, FDA, e ainda do Ministério da Saúde de Israel, onde acabou de se iniciar o ensaio à molécula TP-102. “Somos a primeira empresa portuguesa a conseguir esta autorização”, diz Miguel Garcia à Exame Informática.
Neste primeiro ensaio de fase I (de nome REVERSE) um cocktail de bacteriófagos será usado para tratar o pé diabético, um problema muito comum, que se traduz em feridas crónicas que não raramente acabam por levar à amputação ou até mesmo à morte. Em concreto, a TP-102 terá como alvo algumas das bactérias mais difíceis de eliminar, como sejam as Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus e Acinetobacter baumannii, que contribuem para a morbilidade e mortalidade de doentes diabéticos, além de estarem envolvidas noutro tipo de infeções graves.
Emulsionado num líquido para aplicação tópica, o produto biológico – à base de vírus naturais, identificados pelos cientistas da TechnoPhage – será nesta fase aplicado a 28 doentes, acompanhados num grande centro médico israelita. Os primeiros resultados deverão chegar lá para o outono, prevê Miguel Garcia. “Estamos numa corrida contra o tempo”, admite o CEO. “Este é o primeiro produto do pipeline da TechnoPhage a entrar em fases clínicas, constituindo um marco da maior relevância não só para a empresa, mas também para a terapia fágica”, referiu Miguel Garcia que tem a expectativa de virem a ser os primeiros a entrar no mercado com um produto desta natureza.
Produzir este medicamento obrigou à instalação de uma unidade GMP – uma garantia de qualidade exigida pelas agências reguladoras – na Venda Nova, Amadora, e é daqui que segue para Israel, em sistema refrigerado.
“O nosso principal objetivo é fornecer um tratamento seguro para uma necessidade médica que atualmente não dispõe de tratamentos verdadeiramente eficazes”.