A imagem não tem mais de 22 nanómetros (ou 0,000022 milímetros) de diagonal – e foi produzida tendo em conta as localizações, relevos e ligações estabelecidas por mais de 25 mil átomos. Aos olhos dos menos versados na matéria, estas estruturas disformes de três cores diferentes pouco dirão, mas é devido à conexão entre elas que grande parte da humanidade foi remetida ao confinamento social ou à quarentena para evitar o contágio pelo vírus SARS-Cov-2, que está na origem da doença Covid-19. A imagem foi criada nos Laboratórios do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa (ITQB-Nova), no âmbito de um projeto em parceria com o Instituto de Medicina Molecular (IMM) que tem em vista o estudo da proteína do vírus que se liga às células humanas e a recolha de pistas úteis para a produção de um fármaco eficaz.
“Esta imagem foi produzida a partir das coordenadas tridimensionais de todos os átomos aqui existentes. É como se colocássemos o invólucro de plástico à volta. As protuberâncias devem-se aos átomos existentes nas proteínas”, explica Cláudio Soares, diretor do Grupo de Modelação de proteínas do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa (ITQB-Nova).
A imagem produzida no ITQB-Nova recorre a uma técnica conhecida por Cryo-EM, que tem por base várias imagens e coordenadas tridimensionais de moléculas, que foram obtidas através de microscopia eletrónica. Essas imagens são obtidas quando as moléculas se encontram numa solução a baixas temperaturas – mas padecem de uma limitação: podem não ter resolução suficiente para se obter uma imagem elucidativa aos olhos humanos de estruturas de escala nanométrica. Através das técnicas de Cryo-EM, os cientistas juntam todas as imagens obtidas em microscopia eletrónica e geram uma média que permite criar uma imagem estática e virtual, que representa apenas uma parcela das estruturas de vírus e célula humana.
“As proteínas, geralmente, apresentam movimentos frenéticos e podem assumir diferentes conformações, mas aqui nesta imagem surgem estáticas”, lembra Cláudio Soares.
A imagem produzida pelo ITQB-Nova apenas ilustra a extremidade de um dos espigões que distinguem os coronavírus como o SARS-Cov-2, que está na origem da doença conhecida por Covid-19. Na imagem, a extremidade do espigão conhecido como proteína S (de Spike, em inglês) está representada a amarelo. A proteína S é bastante maior e a representação estática apenas incide sobre a componente conhecida por Domínio de Ligação ao Recetor., que é responsável pela conexão com as células que são infetadas.
Ora, nas células humanas, o recetor do SARS-Cov-2 é a enzima conhecida por ACE2. Esta enzima, que surge ilustrada a rosa na imagem produzida pelo ITQB-Nova, funciona como uma fechadura que aceita, ou atrai, determinadas chaves – sendo a proteína S uma das chaves conhecidas, que permitem que o vírus infete a célula. A enzina ACE2 está mais presente nas células que habitam os pulmões dos humanos, e essa é a razão por que a Covid-19 produz efeitos nefastos no aparelho respiratório.
“Todas as células de um humano têm o mesmo ADN, mas há várias especializações. E por isso o mesmo ADN pode dar origem a células com diferentes enzimas e proteínas”, explica Cláudio Soares.
Por fim, a azul, na base da imagem, encontra-se um transportador de aminoácidos BºAT1.
A imagem foi produzida com informação produzida previamente por institutos de investigação chineses e serve apenas de ponto de partida para as simulações e testes laboratoriais que vão ser realizados pelas equipas de investigadores do IMM e do ITQB-Nova para descobrir fragilidades no vírus SARS-Cov-2 que poderão vir a ser aproveitadas durante o desenvolvimento de novos fármacos.
O ITQB-Nova fica responsável pelo desenvolvimento das simulações computacionais, tendo Diana Lousa como coordenadora do projeto.
O IMM fica responsável pelos testes laboratoriais, que deverão ser liderados por Miguel Castanho.
Os primeiros resultados das simulações computacionais não deverão demorar muito tempo a serem apurados – mas essa é apenas uma primeira etapa, de um processo que também exige testes laboratoriais que podem demorar meses. “São estes os tempos exigidos pela investigação. Nós podemos sentir muita urgência, mas os vírus não têm qualquer urgência”, refere Miguel Castanho para depois concluir: “Tenho a certeza de que, se não conseguirmos criar um fármaco, vamos pelo menos produzir conhecimento que será útil para outros laboratórios criarem essa solução”.