Da compra de um reagente à aquisição de um computador ou à contratação de um bolseiro, nada é simples no sistema científico nacional. “Só para a contratação serão uns 15 itens”, descreve João Filipe Oliveira, investigador do ICVS – Escola de Medicina, Universidade do Minho. Neurocientista e um dos fundadores do Movimento 8%, criado para alertar para as baixíssimas taxas de aprovação nos concursos de financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, João Filipe Oliveira não consegue evitar fazer comparações com o que se passa noutros países – até porque se há matéria que é global é a Ciência. “Na Alemanha [onde fez investigação], precisava de um reagente num dia e no outro já lá estava”, descreve. Quando está em congressos científicos internacionais também é difícil não sentir as diferenças. Enquanto para um colega americano basta passar o cartão de crédito da respetiva instituição para fazer face às despesas relacionadas com a deslocação, para os portugueses tudo tem de passar por requisições, justificações, formulários. Um desperdício, de tempo e energia, denunciam os subscritores do Movimento, que lançaram, em 2020, uma petição “Carta aberta por um investimento urgente em Ciência em Portugal”, discutida hoje à tarde na Assembleia da República.
O excesso de burocracia – que toma metade do tempo de trabalho do investigador, estima João Filipe Oliveira – é apenas um dos entraves à carreira científica. Precariedade, baixíssimas taxas de aprovação e parcos orçamentos para as despesas correntes dos institutos de investigação são as denúncias que têm vindo a ser feitas pela comunidade. “Investimos centenas de horas nos concursos para financiamento que têm uma taxa de aprovação de oito por cento”, lamenta.
Numa carta enviada à Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, os membros do Movimento – “apartidário e sem ligação sindical” – dão conta do levantamento feito junto dos líderes de equipa cujos contratos foram recusados no Concurso de Estímulo ao Emprego Científico, todos com uma avaliação de pelo menos 8,5 em 10, em que se concluiu que: “Cerca de metade dos líderes de equipa candidataram-se a um nível inferior para aumentar a probabilidade de aprovação (sem sucesso); cerca de 90% dos candidatos ou estão desempregados ou têm contratos a terminar”. Não são raros os casos em que os investigadores conseguem financiamento europeu, em programas exigentes e concorridos como o do Conselho Europeu de Investigação (as bolsas ERC), mas são excluídos do concurso nacional.
“Dado que os investigadores potenciam o investimento colocado neles num retorno financeiro concreto resultando num saldo muito positivo para o país, parece-nos lógico que estamos a desperdiçar recursos desta forma. Estas equipas de investigação irão deixar de existir, e todo este manancial de formação, e produção científica e geração de valor irá desaparecer nos próximos meses”, lê-se na carta enviada à Ministra, ela própria subscritora de uma carta aberta, endereçada à atual presidente da FCT, Helena Pereira, no início de dezembro de 2021. Na altura, Elvira Fortunato representava um Laboratório Associado e juntava-se aos pedidos de ajustes nos concursos de financiamento de projetos.
O investimento em Ciência, que se mantém nos 1,6% do PIB, aquém da média europeia de 2,2%, e o corte de 32 milhões de euros no financiamento da FCT serão também alguns dos números em debate na sessão desta tarde.
O PCP e o Livre também têm propostas a apresentar na mesma sessão.