O investimento quando nasce é para todos. Didier Lopes, 26 anos, não o disse exatamente assim, mas podia. “Toda a gente devia saber como investir”, diz o engenheiro da FCT-NOVA, radicado em Londres desde se inscreveu no mestrado em Controle de Sistemas do Imperial College. E foi com este princípio em mente que criou o GameStonk Terminal, que permite aceder a dados em tempo real do mercado financeiro, disponível de forma totalmente gratuita. “Não havia nada do género em código aberto”, sublinha, numa conversa telefónica com a Exame Informática. Grande adepto dos sistemas open source, passou as férias de Natal de 2020 e os primeiros meses de 2021 a criar o código, todo em Python, que depois alojou no GitHub.
O Terminal, que recolhe dados de inúmeras fontes, desde instituições governamentais, ao Yahoo Finance ou ao Twitter, permitindo estabelecer correlações entre acontecimentos – por exemplo a evolução da valorização das ações da American Airlines em função dos números de infetados com o coronavírus – foi ganhando adeptos, que o foram melhorando continuamente. Mesmo assim e perante a estranheza da família e dos amigos, Didier manteve sempre o objetivo de manter tudo disponível gratuitamente, fazendo concorrência direta ao terminal da Bloomberg, cuja subscrição anual custa pelo menos 24 mil dólares. “Eu comecei a criar a plataforma para meu uso pessoal e para mim mantê-la acessível gratuitamente é não negociável”, insiste.
Reunião na lua-de-mel
Em junho do ano passado, um investidor contactou-o, oferecendo cinco milhões de dólares para que Didier criasse uma empresa. “Isto é bom demais para ser verdade”, pensou, desconfiado. Nesta altura, o estudante de doutoramento em física quântica, James Maslek, tinha-se tornado num dos principais colaboradores da plataforma. A viver na América e com lua-de-mel marcada para a Califórnia ficou incumbido da missão de escapar por uma meia hora à noiva para se encontrar com o investidor surpresa e garantir que era real. Ao grupo juntou-se também Artem Veremey, um veterano com mais de vinte anos de experiência em desenvolvimento, finanças e open source, que se dedicava sobretudo a fazer uma primeira revisão do código. Estava constituído o núcleo fundador da empresa, a OpenBB, que acabou de conseguir oito milhões e meio de dólares de financiamento, num ronda seed, em que o principal investidor é a OSS Capital. “A indústria de pesquisa de investimentos tem sido dominada por empresas monopolistas desde a década de 1980, só agora apareceu alguém que desenvolvesse uma plataforma democratizada, dirigida à atual e à próxima geração de formadores de mercado, traders e profissionais de ações. A OpenBB é a ideia certa na hora certa”, disse Joseph Jacks, fundador da OSS Capital, no anúncio do investimento feito hoje nos EUA. “Com este investimento inicial, a nossa capacidade de apoiar a comunidade em constante crescimento melhorará significativamente”, sublinha Didier Lopes que já recusou uma oferta de compra por uma empresa concorrente, uma vez que não seria assegurada a manutenção do espírito open source que está na origem do projeto.
Das criptomoedas ao imobiliário
A longo prazo, Didier prevê que a informação disponibilizada inclua dados de criptomoedas, ações de tecnológicas, mas também do mercado mais tradicional como o imobiliário. O seu funcionamento em open source também permite ir adicionando dados dos mercados internacionais, incluindo Portugal, combatendo o habitual enviesamento para o mercado americano. “Temos mais de 50 fontes de dados, tudo públicas, e o nosso alvo é o mundo. As outras plataformas são por norma muito centradas na América”, compara. O engenheiro e agora empreendedor, que prevê mudar de Inglaterra para os EUA, onde está sedeada a OpenBB, admite que a plataforma venha a incluir uma versão paga, com acesso a maior quantidade de dados. “O terminal está preparado para em duas/três horas usar dados pagos”, revela.
Com cerca de 50 mil utilizadores até hoje, data do anúncio público, Didier prevê que o interesse venha a crescer exponencialmente. Até porque os últimos melhoramentos tornaram a plataforma ainda mais fácil de utilizar, mesmo por quem não tem particular afinidade com a tecnologia ou conhecimentos muito aprofundados de finanças.
Neste momento, a empresa emprega quatro pessoas em Portugal e tem também colaboradores na Holanda, França, Rússia, Peru, América e Canadá. “Nunca sabemos quem está a trabalhar!” Descontando a reunião a meio da lua-de-mel entre sócio e investidor não houve mais nenhum encontro entre sócios, investidores ou colaboradores. Por estes dias, Didier Lopes já não tem muito tempo para usar o seu GameStonk Terminal. Mas uma coisa é garantida: “sempre que quero investir uso.”