É muito difícil imaginar um mundo tão distante do nosso que até a luz, a deslocar-se àquela que é a velocidade limite na natureza, demora 31 milhões de anos a fazer a viagem até à Terra. Mais difícil ainda é conceber que algures nesta galáxia, muito para lá da nossa Via Láctea, haja um planeta do tamanho de Saturno e que foi agora ‘avistado’ por astrónomos. Este avistamento, descrito na revista Nature Astronomy, baseia-se na deteção do efeito da passagem do planeta à frente de uma estrela, ou seja, é um método de inferência, também usado para identificar planetas extrassolares. Em vez de se detetar o planeta diretamente, verifica-se o seu efeito na luz emitida pela estrela – é o chamado método dos trânsitos.
No caso, o que os cientistas do Centro para a Astrofísica Harvard & Smithsonian analisaram, em observações feitas pelos telescópios Chandra e XMM-Newton, foi uma alteração na emissão na gama do raio-X de uma estrela que faz parte da galáxia M51, ou Galáxia Whirlpool.
“Há várias razões para acreditar que nas galáxias fora da nossa existem sistemas planetários, mas detetá-los por métodos tipicamente usado na nossa galáxia não é possível. Uma estratégia alternativa é estudar o comportamento ao longo do tempo dos raios-X emitidos por fontes extragaláticas, em que um planeta em órbita bloquearia temporariamente a fonte de raio-X, causando um breve eclipse”, descrevem os autores no artigo.
Em entrevista à Exame Informática, Nuno Cardoso Santos, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, que tem usado o método dos trânsitos para detetar planetas extrassolares – identificados dentro da nossa galáxia e por alteração na emissão de luz visível – sublinha que o anúncio deixa muitas questões em aberto.
Como foi possível detetar um planeta tendo em conta a distância a que está da Terra?
A deteção foi possível porque se está a observar raios-X num sistema muito ativo. Um binário em que há acreção [acumulação massiva de partículas, por efeito gravítico] de massa de uma estrela quente para uma estrela de neutrões ou um buraco negro. Esse processo é muito energético e emite muita radiação X, o que permite estudar este tipo de fontes, mesmo a distâncias de outras galáxias. O que os cientistas viram foi uma diminuição momentânea do brilho, de raios-X, desta fonte, compatível com a passagem de algo à frente e que bloqueou a luz.
Que valor tem esta descoberta?
Parece ser um resultado muito interessante, embora muito ousado. Ou seja, a confirmar-se, seria de facto muito interessante verificar que existem planetas noutras galáxias e perceber que os podemos tentar detetar.
Quão forte é a evidência neste sentido?
Os autores discutem no artigo algumas possíveis interpretações, concluindo que a melhor é estarem a ver um sinal causado por um planeta a orbitar o sistema binário. Só que, por um lado, a dimensão deste objeto (a confirmar-se) pode ser desde um pequeno planeta a uma estrela pequena. Há muita margem de erro, o que não nos permite tirar conclusões. Se for um planeta, ficamos com um problema: como explicar a formação de um planeta num sistema destes, que provavelmente resultou a dada altura da explosão de uma supernova. Além disso, o sistema aparece ser muito jovem e não será muito claro se já terá havido tempo para formar planetas. É que a formação planetária em sistemas de estrelas muito quentes é algo que parece muito difícil. Para já, ainda é um tiro no escuro.