Foi quase por um acaso que Isabel Costa, em conjunto com o seu marido, João, criaram a Burel Factory. A história, que a EXAME contou na edição de abril de 2022, é conhecida: começaram por ter um projeto hoteleiro na região da serra da Estrela, numa altura em que pensavam abrandar o ritmo de vida. Mas com o iminente encerramento da Lanifícios Império, em Manteigas, cuja insolvência seria declarada em 2011, Isabel e João puseram as mãos – e as suas poupanças – onde já tinham o coração. Recuperaram a fábrica, muitas das máquinas antigas e garantiram que não se perdia o conhecimento que, durante décadas, só tinha uma forma de se manter vivo: através daqueles que o usavam, todos os dias, na tecelagem ou no manuseamento da maquinaria.
“Alugámos o espaço na fábrica ao administrador judicial, por isso ela nunca parou, praticamente. Tivemos um grande projeto de arquitetura que foi a sede da Microsoft e, por isso, a utilização do burel como tecido foi alterada com características únicas – não era muito usado na arquitetura nem na decoração ou no design de interiores, mas foi aí [na Microsoft] que tudo começou. Depois tudo o resto veio a seguir. A lógica foi salvar umas máquinas. Mas logo percebemos que muitas das pessoas que sabiam trabalhar com as máquinas estavam vivas, e que algumas delas ainda tinham cinco a dez anos de trabalho. Outras estavam reformadas, mas podiam ajudar-nos a voltar a pôr tudo a trabalhar normalmente e podiam ensinar as novas gerações!”, conta Isabel, sempre de sorriso no rosto. Muitas voltaram e continuam a trabalhar na Burel, outras já se reformaram, mas a técnica mantém-se, agora aliada a outra inevitabilidade para quem quer ter sucesso nos negócios: a inovação.
A trabalhar de perto com universidades, técnicos especialistas e sempre a recorrer aos arquivos e à História, Isabel e João trilharam o único caminho que, diz a CEO da Burel, era possível para manter a empresa viva e garantir o retorno financeiro de investimentos avultados: valorizar o produto, valorizar a mão de obra e colocar Portugal a competir em mercados onde, muitas vezes, não se atreveria a ir.
Exemplo disso é o recente Red Award arrecadado pelo biombo de cortina da Burel Factory. “O sistema modular mais acústico é a cortina. Por isso, Rui Tomás (diretor criativo) criou um biombo com base de cortina que possa ser comercializado em todo o mundo, por ser modular”, explica, orgulhosa.
“Isto é um exemplo claro de um produto em que nós vamos desde a sua funcionalidade – uma cortina de burel absorve 98% da acústica de um espaço – até à peça de design em si, que é vendida de forma modular e que toda a gente pode ter em casa”, continua, não parando de tecer elogios a Rui Tomás, responsável por articular toda a parte da tecnologia, da inovação e do desenvolvimento com as universidades de Arquitetura, Belas Artes e com os próprios designers da Burel.
A empresa acabaria por entrar no setor da moda mais recentemente – “era algo que não fazia parte da estratégia da empresa há três anos”, confessa, divertida, Isabel –, porque houve mais uma fábrica a fechar portas e, mais uma vez, Isabel e João não a deixaram perder-se. A fábrica de tinturaria Alçada & Pereira não resistiu ao embate da Covid-19 e, em dezembro de 2021, a Burel Factory compra-a em leilão, num investimento superior a um milhão de euros, e mantém os 17 postos de trabalho que, na altura, lá havia. E claro, mantém-na de portas abertas.
“O principal produto da Lanifícios Império era a moda – a nossa Laniteca tem um arquivo imenso – e oferecemos hoje lanifícios para quantidades pequenas, porque somos pequenos produtores”, explica Isabel. “Mas quando comprámos a última fábrica, de transformação, sabíamos que ela precisava de quantidade. E percebemos que teríamos de ser o principal cliente dessa nova fábrica”, pelo menos nos primeiros tempos. Por isso, “estava na altura de arranjar um negócio novo”, pensaram. “Vamos para a moda, vamos utilizar o nosso tecido e a lã que é possível usar na moda com outro tipo de ultimação, de acabamentos.”
Para Isabel, sustentabilidade é palavra que praticamente não se ouve, porque tudo no negócio que tem em mãos vive dela: as fábricas alimentam-se umas às outras, enquanto os recursos humanos alimentam as fábricas com o conhecimento e a sabedoria que passa de geração em geração. A manutenção dos postos de trabalho teve efeitos visíveis em Manteigas em dez anos – onde nasciam cinco crianças por ano nascem, agora, 34, segundo os dados de 2022. O que significa que há casais jovens a fixar-se na região e um ecossistema a renascer. Baseado na história de uma indústria que esteve quase a morrer e que agora está presente em importantes feiras de design e de arquitetura de interiores.
“No último ano, conseguimos dar a esta fábrica de ultimação mais cerca de 20 mil metros de tecido. Porque precisávamos de ser clientes de nós próprios. De diversificar, de ter mais capacidade de produção, para que a fábrica pudesse ter mais volume de produção. Foi como com o Burel: a necessidade de que as pessoas tivessem trabalho obrigou-nos a criar negócios”, resume, em jeito de justificação.
Para Isabel as peças vão-se encaixando à medida que os desafios vão aparecendo – é por isso que avisa que é preciso paciência quando se quer ser empresário. Paciência e pés bem assentes na terra para não se dar passos maiores do que as pernas. Até agora, todo o crescimento da Burel Factory – que conta com mais de 100 postos de trabalho e continua a ganhar mercado internacional – tem sido feito com recurso a capitais próprios e a algum financiamento bancário. “Muitas vezes não há tempo para esperar para criar clientes, porque os clientes são muitas vezes verticais. E, portanto, até termos clientes, tínhamos de ter as fábricas a trabalhar”, simplifica Isabel. Uma espécie de sistema que se autoalimenta, e que garante um crescimento orgânico sempre baseado em três premissas fundamentais: conhecimento, qualidade e valorização. “É possível viver no Interior, fazer coisas bonitas e valorizar o Interior. Nós temos de fazer coisas muito bonitas e muito bem feitas. Cada sítio, cada indústria, pode fazer algo para ajudar a comunidade. Porque isto gera depois necessidades de línguas, de escolas, de formação. Em duas gerações uma comunidade pode transformar-se completamente”, exorta a CEO da Burel. “Se isto que nós fazemos, numa escala muito pequenina, for um exemplo positivo e puder ter um impacto económico pequenino, a nossa missão está cumprida”, conclui. A conversa com Isabel Costa pode ser vista e ouvida na íntegra, no site da EXAME, tal como todas as outras que integram, em parceria com a Flexdeal, o ciclo denominado: Traduzir Sustentabilidade em Negócio. Descodificar ESG para PME.